- O Agente Autônomo de Investimento (AAI) fica livre para o multivínculo mas depende de as instituições assinarem um documento de cooperação
- Mas o regime de concorrência que acontece no Brasil hoje é diferente. Essa exigência de cooperação e acordo não vai acontecer no Brasil
- A necessidade de manter a supervisão sobre os AAI existe porque é um modelo conflitado. O estudo diz isso. O AAI tem incentivo para forçar uma venda
A Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos da Comissão de Valores Mobiliários (ASA/CVM) divulgou um estudo na segunda-feira (23) que detalha a proposta que, teoricamente, põe fim à exclusividade do agente autônomo de investimento.
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A palavra teoricamente não foi jogada no parágrafo acima. O responsável pelo estudo, Bruno Luna, disse que o multivínculo só vai existir se houver acordo entre os intermediários. Isso significa que as instituições A e B precisam concordar em ter o mesmo produto – como um fundo de investimento – nas duas plataformas e com o mesmo preço.
O conflito de interesse ganhou holofote quando XP Investimentos e Itaú trocaram farpas. Basicamente esse conflito acontece quando a venda de um produto está casada a uma remuneração incentivada.
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Marcelo Maisonnave, sócio da Warren, conhece bem os problemas e as necessidades dos agentes autônomos. Cofundador da XP ao lado de Guilherme Benchimol, ele foi um dos idealizadores do modelo que permitiu o crescimento rápido da plataforma de investimentos. Nesta entrevista ao E-Investidor, ele avalia as 73 páginas do trabalho que vai dar suporte à regulamentação.
“Na prática, o estudo ajuda pouco na questão de por fim à exclusividade. Mas é um material extenso, com muita informação, que o mercado vai poder ler e se manifestar”, diz ele.
E-Investidor – Qual é a sua avaliação sobre o Estudo da CVM?
Marcelo Maisonnave – Se a recomendação for aplicada, pouca coisa vai mudar e pode gerar um efeito ainda mais concentrador no mercado de distribuição. O Agente Autônomo de Investimento (AAI) fica livre para o multivínculo mas depende de as instituições assinarem um documento de cooperação. Na prática, isso não vai acontecer.
E-Investidor – Mas o estudo mostra com exemplos do exterior que a exclusividade se dá voluntariamente.
Maisonnave – É verdade. A exclusividade voluntária tem vantagens para o AAI. Mas a super dependência das corretoras é o problema dos AAI. O estudo fala da guerra gerada pelos AAIs nos anos 2000 nos Estados Unidos. As três grandes corretoras assinaram um acordo que permitiu a migração dos AAIs de uma corretora para outra. Mas o regime de concorrência que acontece no Brasil hoje é diferente. Essa exigência de cooperação e acordo não vai acontecer no Brasil. E o AAI vai ser enfraquecido novamente.
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E-Investidor – Haveria oportunidade corretoras menores crescerem via cooperação ?
Maisonnave – A grande maioria dos AAI estão nas grandes plataformas. A concentração de mercado vai continuar.
E-Investidor – O chefe da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos, Bruno Luna, fala que essa foi a forma que encontrou de flexibilizar a exclusividade sem prejudicar o investidor. Por que essa limitação?
Maisonnave – A necessidade de manter a supervisão sobre os AAI existe porque é um modelo conflitado. O estudo diz isso. O AAI tem incentivo para forçar uma venda. O regulador quer que monitoramento seja constante. Enquanto houver conflito de interesse na distribuição, a regulação vai ser restritiva para os AAI.
E-Investidor – Qual seria o caminho alternativo e dar mais liberdade para o AAI?
Maisonnave – O AAI precisa repensar seu modelo de negócio. Hoje ele é e, pelo jeito vai continuar, dependente da corretora. Se o AAI quer independência, precisar virar um consultor de valores mobiliários ou gestor, cobrando uma taxa fixa sobre o patrimônio do cliente. Sem conflito. Trabalhando com a instituição que quiser. O estudo explica os efeitos positivos do fim do comissionamento por produto na Inglaterra, em 2012 e Austrália, em 2013.
E-Investidor – Para o investidor, qual é o benefício desse modelo?
Maisonnave – O principal é o alinhamento de interesses. O estudo mostra que nos EUA em 2015 os planos de previdência assessorados por uma rede conflitada rendiam 1% a menos que na rede sem conflito. Algo como US$ 17 bilhões por ano em conflito de interesse. Não existe almoço grátis, nem assessoria sem custo. Pagando taxa fixa, o investidor vai poder avaliar a qualidade do serviço pelo preço que paga.
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