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“Alta da Bolsa foi baseada em expectativa, não em fundamento”, diz Trígono

Gestora focada em small caps não se surpreendeu com queda da Bolsa em agosto; o CIO Werner Roger explica o motivo

Werner Roger, CIO e sócio fundador da Trígono Capital. (Foto: Divulgação/Trígono)
  • O desempenho ruim da Bolsa brasileira em agosto pode parecer estranho, dado que o mês foi iniciado pelo por um corte na taxa de juros
  • Mas há quem não esteja surpreso. Werner Roger, CIO da Trígono, explica que o rali no mercado brasileiro não era baseado em fundamentos, por isso a correção
  • Em entrevista ao E-Investidor, o gestor quais desafios ainda vê no radar e porque prefere manter o fundo de small caps da Trígono fora de setores como varejo e construção

O mercado de ações brasileiro teve um desempenho ruim em agosto. Mais especificamente, o pior para o período desde o ano de 2015, época em que os déficits primários divulgados pelo então governo da então presidente Dilma Rousseff (PT) azedaram o humor dos investidores.

A queda acumulada de 5,09% no Ibovespa e de 7,43% no SMLL, o índice de Small Caps da B3, contrariaram os prognósticos mais positivos que pairavam sobre um mês que já começou com um corte na taxa de juros.

Em 2 de agosto, o Comitê de Política Monetária (Copom) surpreendeu agentes do mercado ao reduzir a taxa Selic, que estava estacionada há 12 meses em 13,75% ao ano, em 0,5 ponto percentual; e não em 0,25 p.p, como era amplamente esperado. O que poderia ser uma surpresa positiva para a renda variável, no entanto, deu lugar a uma sequência de 13 pregões consecutivos de queda na Bolsa brasileira – a pior da história.

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O desempenho causou estranheza, dado que o mercado brasileiro foi dominado por um rali de valorização desde o final de março, quando dados benignos de inflação e a apresentação do arcabouço fiscal permitiram que investidores começassem a precificar a inversão do ciclo de aperto monetário. Entre abril e julho, o Ibovespa chegou a subir 25%, com algumas small caps saltando mais de 80%.

Werner Roger, CIO e sócio fundador da Trígono Capital, gestora voltada para o investimento em small caps, acredita que o desempenho de agosto é a exemplificação de um ditado popular no mercado financeiro: subir no boato e cair no fato.

“Isso mostra que só a queda da Selic, já antecipada, não é o suficiente. Os setores vão devolver um pouco dessa alta, porque foi baseado em expectativa e não em fundamento”, diz. É por isso, segundo ele, que a Bolsa corrigiu. “Saco vazio não para em pé.”

Esse é, inclusive, o tema central da última carta mensal escrita pelo gestor enviada aos investidores da Trígono. É preciso que haja uma melhora de fundamentos, tanto na economia quanto nos balanços das empresas, para que os ativos na Bolsa possam engatar um ritmo de crescimento sustentável.

Sem enxergar avanços estruturais no curto prazo, a Trígono mantém a carteira do Flagship, o fundo da casa com maior expressão, concentrada nos mesmos papéis que já estavam presentes há um ano, quando Roger conversou com o E-Investidor pela primeira vez.

Na carteira, Kepler Weber (KEPL3) se mantém como representante do agronegócio; as empresas eletrointensivas Ferbasa (FESA4) e Unipar (UNIP6); Tupy (TUPY3), na indústria de bens de capital, e logística, com Simpar (SIMH3).

Não há nenhuma posição pensada para surfar o ciclo de corte nos juros, como varejo ou incorporadoras. Nesta entrevista, o CIO da gestora explicou por que prefere se manter fora desses setores. Confira:

E-Investidor – Desde abril, quando o mercado começou a precificar o início do corte de juros, as ações brasileiras entraram em um rali. Mas o Ibovespa devolveu boa parte dos ganhos agora neste mês de agosto. Por quê?

Werner Roger – A queda da taxa de juros foi um gatilho, um catalisador dessa inversão nos desempenhos. Só que o mercado antecipou esse movimento. O que é estranho é que a queda da Selic em 50 pontos foi maior do que se esperava e, a partir dela, o Ibovespa engatou 13 pregões de queda consecutivas. A minha leitura é que aquele o famoso jargão “sobe no boato, cai no fato” mais uma vez se comprovou.

Outra coisa estranha é a saída líquida de estrangeiro no mês, sendo que, no ano, estava com R$ 16 bilhões positivos. Qual é a razão? Saco vazio não para em pé. Isso mostra que só a queda da Selic, já antecipada, não é o suficiente.

A euforia que vimos anteriormente fazia sentido ou alguns ativos foram excessivamente precificados?

Confirmo o que eu falei na resenha da Trígono de agosto: foram excessivamente precificados. Nos balanços do 2º trimestre vimos uma verdadeira tragédia no varejo. Magazine Luiza, Via, Centauro e várias empresas tiveram resultados muito decepcionantes, especialmente as ligadas à questão dos juros, do consumo.

Outro setor que foi muito ruim é o setor de carnes, com mega prejuízos em Marfrig, BR Foods, JBS, foi um setor muito negativo. E eu não vejo mudança.

Esses setores que tiveram uma recuperação muito forte estavam exagerados e agora, com os resultados, o mercado vai reavaliar, porque o terceiro trimestre não deve ser muito diferente. O efeito da baixa dos juros é muito demorado, até que isso se traduza em menos custo financeiro para as empresas.

É isso que falta para o ‘saco vazio’ parar em pé, essa melhora dos resultados das empresas?

Foi uma safra ruim de resultados, salvo uma ou outra exceção, mas já era esperado dado as condições que vinham da economia. Há outros fatores, o balanço das empresas depende da economia e dos juros, o que depende do Banco Central. Mas o BC também está dependendo do governo. É ele quem, primeiro, tem que fazer a sua parte.

A reforma tributária de repente deu uma parada e voltaram a falar de PAC. Esses são os elementos que precisam avançar. E aí o mercado vai.

O sr. vê espaço para a retomada das valorizações na Bolsa por algum outro motivo?

Acho que também depende de fatores macros, mas para questões pontuais. Por exemplo, a Petrobras. O petróleo tem uma certa tendência de subida de preço, se o petróleo continua em alta e a estatal continua repassando os preços, a ação também tem que subir. Ela está barata, vai pagar dividendos.

A Vale é outra questão importante, porque ela influencia várias empresas do setor e tem um peso relevante nos índices. Só que é uma empresa que depende inteiramente de China, que vem decepcionando. Se a China demonstrar que realmente tem condição de voltar a crescer mais, ela leva a Vale para cima, então a Bolsa sobe junto.

Lá fora, o ciclo de altos juros está encerrado ou está muito próximo do encerramento? Se estiver, a tendência é que em algum momento os juros caiam e, quando isso acontece, aumenta o apetite para risco e emergentes como o Brasil. Se isso ainda combinar com uma melhora na China, aí volta o dinheiro para cá.

Está tudo embaralhado. Tem os EUA, tem a China, tem a questão política por aqui. É difícil dizer para que lado a gente vai, de repente o mercado vai reprecificar os tópicos negativos e dar uma recuada.

Os fundos da Trígono foram afetados de alguma forma por esse movimento de correção?

Nada. Não temos praticamente nenhuma empresa com prejuízo nos balanços. Logicamente a maioria teve resultados menores do que o ano passado, que tinha sido um momento muito positivo. Mas, de modo geral, a indústria automobilística foi muito bem, enquanto o agronegócio viu uma super safra.

O nosso terceiro setor são as commodities eletrointensivas, ligadas a ferroligas. Nesse caso, é a mesma questão de Vale. Se a China voltar a crescer, as comodidades metálicas voltam a ter mais demanda e isso se traduz em preço. Não dependemos tanto do Brasil aqui.

Então a carteira do fundo de small caps ainda se mantém como no ano passado? 

Sim. E não fizemos nenhuma movimentação em relação aos juros. Não compramos incorporadoras, varejo nem consumo. Foi um movimento que realmente não capturamos, mas que tenho minhas dúvidas se é sustentável. De repente, esses setores vão devolver um pouco dessa alta, porque ela foi baseada em expectativa e não em fundamento. Quando olhamos os balanços desses setores, eles não justificam o preço das ações.

Então preferimos continuar de fora. Foi uma decisão consciente, sabíamos o risco de errar que a estávamos tomando. Pelo que eu estou vendo, não erramos.