- Hub Ela Vence oferece capacitação e conecta mulheres empreendedoras a oportunidades de investimento-anjo
- Empresas atentas à diversidade tendem a oferecer produtos e serviços que dialogam com o estilo de vida e os valores do consumidor, que está cada vez mais exigente
- Mundo pós-pandemia trará desafios aos negócios, que terão de se adaptar às novas necessidades e desejos dos clientes
(Davi Medeiros, especial para o E-Investidor) – Em tempos de ESG — sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa —, não há espaço para discurso vazio. É assim que Camila Farani, sócio-fundadora da G2 Capital, “tubarão” do Shark Tank Brasil e colunista do Estadão, avalia o caminho do sucesso para novos empreendimentos. “O consumidor nunca esteve tão exigente e as empresas mais preparadas para atendê-lo são aquelas com força de trabalho diversa”, afirma em entrevista ao E-Investidor.
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Farani é conhecida como uma das principais investidoras-anjo do Brasil. Ela foi a única mulher eleita como “Melhor Investidora-Anjo” no Startup Awards (em 2016 e em 2018), e foi reconhecida também pela Lavca, maior entidade de venture capital da América Latina, como uma das principais investidoras da região em 2020 por três anos consecutivos.
Com o intuito de promover a diversidade de gênero no mundo dos investimentos, Farani lançou, em novembro do ano passado, o Ela Vence, hub on-line de conteúdo e capacitação voltado para o desenvolvimento de lideranças femininas no Brasil. A proposta do projeto é conectar mulheres que estão à frente de startups a investidoras-anjo, isto é, aquelas que oferecem não apenas aportes financeiros, mas passam a atuar como conselheiras do negócio.
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Uma das primeiras iniciativas do hub foi ministrar uma rodada de capacitação para cerca de 400 mulheres da organização Casa das Marianas, que estimula o empreendedorismo entre moradoras das cidades de Ouro Preto e Mariana, em Minas Gerais. Considerando o conjunto de ações programadas para os próximos 18 meses, a expectativa é impactar até 500 mil mulheres de diferentes regiões.
Farani está atenta, também, às possibilidades de inovação para atender ao consumidor pós-pandemia, que, segundo ela, terá novas necessidades e desejos. Ela cita segmentos que tendem a crescer, como o e-commerce e as healthtechs, por exemplo, e outros que precisarão se atualizar, como os de eventos, esportes e restaurantes.
Junto ao trabalho de ampliação de seu hub, Farani pretende lançar e-books gratuitos e desenvolver, dentro da própria plataforma, um espaço para aulas on-line sobre empreendedorismo, também gratuitas. “A intenção é que consigamos levar cada vez mais conteúdo para as mulheres intraempreendedoras, empreendedoras e também aquelas que desejam investir”.
E-Investidor – Por que é importante que mais mulheres ingressem no mercado como investidoras-anjo?
Camila Farani – Acredito muito em complementaridade. Costumo dizer que investidor-anjo tem um papel fundamental no desenvolvimento da base de inovação de um país, já que ele apoia o empreendedor atuando como um conselheiro, criando pontes e oportunidades para as startups, ao mesmo tempo em que contribui para que o empreendedor amadureça.
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Quanto mais diversas forem essas relações, mais rico é o conhecimento e a bagagem trazida para a empresa que recebe o investimento. Quando falo em complementaridade, me refiro a isto: a ter mais pontos de vista, relacionamentos e conexões trazidas por mulheres. Também acredito nesse ciclo virtuoso, em que mais investidoras encontram bons negócios e enxergam perspectivas também trazidas por startups fundadas ou lideradas por mulheres, conectando o ecossistema feminino de empreendedorismo, inovação e investimentos de forma geral.
E-Investidor – Em relação a ESG, empreendimentos atentos à diversidade tendem a crescer mais?
Camila Farani – Primeiro de tudo, vale considerar que elementos de ESG estão transformando como nunca a maneira de fazer negócios. O consumidor nunca esteve tão exigente. Em diversidade, inclusive. Não falo apenas em observar diversidade no quadro de funcionários das empresas, mas em prestar atenção nos produtos ou serviços que elas oferecem e nos valores que elas pregam. Identifico três fatores principais:
- Esta empresa traz valores e práticas com as quais eu compactuo?
- Eu me vejo entre suas prioridades ou sou “invisível” para ela?
- Seus produtos ou serviços dialogam com a minha realidade e atendem às minhas necessidades?
Representatividade passou a ser agenda urgente das empresas, especialmente na era da informação. Acredito que as mais preparadas para atender a esse consumidor são aquelas com força de trabalho mais diversa, já que esses profissionais com diferentes bagagens de vida vão ajudá-las a fugir de estereótipos. São eles que auxiliarão na concepção de produtos ou serviços que dialoguem não só com o bolso, mas com o estilo de vida e valores desses clientes.
Falar de diversidade, por si só, não ajudará no crescimento dos negócios, as empresas vão precisar mostrar para os consumidores em seus produtos, ações publicitárias e em seu próprio quadro de funcionários essa diversidade para que ela realmente seja entendida como um elemento de valor. Esse é o mesmo raciocínio para os investidores. Cada vez menos haverá espaço para discursos vagos. As empresas serão constantemente cobradas pelos consumidores e investidores a incorporar práticas sólidas de ESG.
E-Investidor – Como você identifica se vale a pena investir num projeto?
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Camila Farani – Os números são fundamentais, a consistência do plano de negócios é essencial, assim como saber se aquele negócio que estão me apresentando é de fato um negócio ou uma ideia. Para ser um negócio, precisa ter sido validado naquilo que eu chamo de Mínimo Negócio Viável: se ele levou ao mercado uma versão inicial e se testou se, de fato, aquilo vai ter aceitação de consumidores reais. Esses são elementos fundamentais para que desperte meu interesse como investidora.
Por outro lado, analiso também o comprometimento e a capacidade do empreendedor. São dois elementos de importância indiscutível. Acho extremamente importante saber o nível de experiência que o CEO tem naquele segmento, qual a capacidade de apresentar uma visão estratégica, qual o nível de complementaridade com sua equipe ou com seus sócios.
Também avalio se ele aprendeu com seus sucessos e fracassos e se já teve vivência no mundo offline — se tiver, conta muitos pontos a favor. Para ser atrativo ao mercado, eu acho que um empreendedor ou empreendedora precisa ter atitude, algo que é alcançado com prática, pé no chão e “sola de sapato”. É importante ter coerência no que fala, nos números que apresenta, sem sonhar ou idealizar, mas mostrar que sabe do que está falando e das oportunidades reais do negócio.
E-Investidor – O Brasil vive um momento de forte incerteza econômica. Como as mulheres empreendedoras lidam com a crise?
Camila Farani – Acredito que existem muitos desafios para empreendedoras, alguns relacionados ao mercado em si e outros conectados com as principais “dores” dessas mulheres. Elas têm um comportamento resiliente, buscam alternativas para as resoluções de problemas mas, ao mesmo tempo, têm grandes desafios a superar.
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Em relação ao mercado em si, os maiores desafios hoje para o empreendedorismo estão em entender esse novo consumidor que surge no pós-pandemia. Quais são suas necessidades e seus desejos, por exemplo. Como conseguem adaptar seus negócios a essas novas demandas? Estamos falando da economia de baixo contato, em que novas formas de interação, de pedidos (à distância, via app, redes sociais), de entrega (via delivery), por exemplo, estão em alta.
Em relação às principais dores das mulheres ao empreender estão, sobretudo, a capacitação, referências femininas, redes de apoio e fortalecimento dos argumentos para negociação, conforme mostrou nossa pesquisa que embasou o Ela Vence. Claro, indo além do estudo, existem outros grandes desafios, especialmente em financiamento e crédito.
E-Investidor – Investir em inovação e tecnologia é mais seguro que em negócios tradicionais?
Camila Farani – Acho que essa comparação é relativa. Em 2020, segmentos que dependiam mais do offline, como eventos, shows, esportes e restaurantes, por exemplo, foram mais afetados e possivelmente os que terão mudanças mais profundas nos próximos anos. Mas edtechs, startups de educação, delivery, e-commerce, healthtechs – de saúde – e logística tiveram alta demanda.
No ano passado, segundo dados de mercado, o investimento em startups ficou em US$ 3 bilhões e foi um ano positivo, especialmente para as empresas que conseguiram trazer alternativas para o novo cenário.
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Ou seja, existiram oportunidades expressivas de novos negócios, produtos, processos ou serviços que ganharam tração com a pandemia – oportunidades essas que muitas startups conseguiram aproveitar. Minha expectativa, especialmente com relação à economia criativa e de base inovadora, é que 2021 continue aquecido.
Por outro lado, negócios de base tradicional continuam com o desafio de compreender a realidade do consumidor pós-pandemia e oferecer soluções às suas necessidades, reinventando processos e até repensando seus produtos ou serviços.
E-Investidor – Uma das primeiras ações do Ela Vence envolveu uma aceleradora de negócios da região de Mariana, em Minas Gerais. Qual a importância do empreendedorismo na vida das mulheres atingidas pelo rompimento da barragem?
Camila Farani – Na ação com a rede Casa das Marianas, que gere a aceleradora, foi muito interessante ver como a conexão entre elas e o espírito de rede ajudaram a sair daquela situação que afetou praticamente todo o município em 2015. Para muitas, empreender foi a única alternativa de renda, uma vez que parentes próximos, pais, maridos e até mesmo algumas delas trabalhavam nas empresas que geriam a barragem e precisaram demitir. Com o passar do tempo, o apoio mútuo e o desenvolvimento coletivo da mentalidade empreendedora ajudou a fazer com que muitas delas conseguissem nutrir negócios sólidos. Hoje, segundo uma estimativa do Sebrae local, as 400 integrantes da aceleradora movimentam juntas cerca de R$ 3 milhões por mês.
E-Investidor – O protagonismo feminino nas empresas traz que benefícios ao País?
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Camila Farani – Segundo o relatório Getting to Equal 2019: Creating a Culture That Drives Innovation, companhias que contam com diversidade e inclusão em sua equipe são 11 vezes mais inovadoras e seus colaboradores são 6 vezes mais criativos do que os dos concorrentes, por exemplo. Ou seja, a visão do todo é muito mais rica quando incorpora elementos complementares e mais mulheres em posições de liderança ajudam a trazer essas perspectivas também.
Em outra frente, ter mulheres em posição de destaque também significa avançarmos em representatividade como um todo. Uma vez que mais mulheres crescem em suas carreiras, mostram para as outras milhares que estão em movimento ascendente e que é possível avançar, construir sua evolução profissional e ocupar posições de liderança, fomentando também um círculo positivo entre elas.