O que este conteúdo fez por você?
- O perdão federal a condenados por porte de maconha no país fez as ações e ETFs do setor dispararem
- No ano, porém, esses ativos ainda acumulam quedas expressivas, penalizados pela alta dos juros
- Analistas explicam o que mais precisa avançar na legislação dos EUA para destravar as ações de cannabis
As ações de empresas ligadas ao mercado de cannabis conseguiram dar um respiro nos últimos dias depois de um período de mais de um ano de queda. Com o fator macroeconômico dominando o cenário, o mercado norte-americano foi pego de surpresa pela notícia de que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, concederá perdão federal a todas as pessoas condenadas por porte de maconha no país.
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“Muitas vidas foram destruídas por causa de nossa abordagem fracassada sobre a maconha. É hora de corrigirmos esses erros”, disse o comunicado do presidente emitido na quinta-feira (6).
A notícia foi suficiente para causar um movimento repentino de alta nas ações e ETFs (fundo atrelado a uma carteira de ativos que busca um retorno semelhante a um índice de referência) ligados a empresas de maconha nos Estados Unidos. O North American Marijuana Index (NAMMAR), principal índice do mercado de cannabis, subiu mais de 20% naquele pregão.
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Alguns dos ETFs mais famosos desse setor também tiveram ganhos significativos no dia: o MSOS saltou 34%, o YOLO valorizou cerca de 26%, enquanto o MJ subiu 19%.
O desempenho dos ativos mostra a euforia com que a notícia foi recebida pelo mercado, entendida como um movimento político de Biden para avançar com a descriminalização da droga. Mais do que o perdão em si, chamou a atenção do mercado a medida anunciada junto ao comunicado: o início de um processo administrativo para revisar a classificação da maconha na lei federal.
Atualmente, a cannabis é incluída na “Schedule I”, o nível mais duro de classificação de risco de drogas dos Estados Unidos, que inclui substâncias como heroína e LSD, e que não admite pesquisas sobre uso medicinal do ativo. Foi essa possibilidade de reclassificação que fez os ativos do setor caminharem, explica Enzo Pacheco, analista da Empiricus.
“O nível 1 é tido como uma droga que não tem uso medicinal comprovado e grande chance de gerar vício na pessoa. Mesmo sem entrar nesse mérito do vício, falar que não há uso medicinal comprovado não condiz com os mais de 40 Estados norte-americanos que já aprovaram esse tipo de uso da cannabis”, afirma.
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Se classificada em qualquer um dos outros cinco níveis de risco dentro da lei de drogas dos EUA, acaba o “fardo” na esfera nacional da droga, o que pode ajudar a indústria a se desenvolver. Um destravamento fundamental para que os ativos do setor se recuperem. “É um suspiro importante nesse mercado e pode ser uma guinada para novos movimentos, mas ainda está muito no começo”, diz Pacheco.
Início de novos tempos?
A medida anunciada por Biden move novos ares para um mercado que amargava certa decepção com o democrata. Durante a campanha eleitoral em 2020, o presidente dos EUA havia prometido avançar com a legislação da cannabis no país, mas ainda não tinha dado grandes sinalizações neste sentido.
“Antes de ser eleito, o Biden fez uma promessa de um processo de descriminalização da maconha. O que ele fez agora foi demonstrar que quer caminhar com essa pauta antes da midterm elections”, afirma Andres Castro, portfolio manager da Global X.
“Midterm elections” é o nome dado ao processo eleitoral realizado nos Estados Unidos dois anos após cada eleição presidencial, quando os norte-americanos votam para eleger a composição do Congresso e do Senado. Neste ano, a eleição legislativa está marcada para o dia 08 de novembro e ela pode ser um novo gatilho para a indústria da cannabis, explica Castro.
Embora grande parte do mercado não acredite que a reclassificação da maconha proposta por Biden tenha apoio para ser votada neste curto espaço de tempo antes das eleições, espera-se que a pauta possa caminhar com mais tranquilidade após o pleito caso o partido Democrata consiga mais assentos dentro do Senado norte-americano.
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“De uma forma geral, a midterm elections é o grande catalisador que pode impulsionar as ações de cannabis no curto prazo se o Senado eleito for mais democrata, dando forte suporte da base do governo Biden nesta pauta”, afirma o especialista da Global X.
E a Bolsa com isso?
Se aprovada no Congresso e no Senado, a reclassificação da maconha como uma droga de menor risco pode abrir espaço para que novas empresas entrem nas bolsas de valores. Ou, ao menos, para que as companhias de cannabis norte-americanas hoje listadas no Canadá, onde a maconha é legalizada na esfera federal, façam a listagem de seus papéis no seu país de origem.
“Tendo uma reclassificação, tira-se um fardo das grandes bolsas norte-americanas, como NYSE e Nasdaq, que hoje não querem listar as ações dessas empresas para não sofrer uma sanção federal”, explica Enzo Pacheco. “Nesse caso, seria um estímulo para que as bolsas dos EUA comecem a aceitar a listagem das empresas de cannabis e, se isso acontecer, naturalmente essas ações ganham mais espaço na carteira dos investidores”, diz.
Além da reclassificação da droga, o analista da Empiricus destaca outro ponto que pode ajudar a destravar a indústria norte-americana de cannabis: o Secure and Fair Enforcement Act (SAFE) Banking Act, nome da lei que tira as amarras que atualmente impedem as empresas do setor de se integrarem completamente ao sistema financeiro.
“É uma lei que já foi aprovada sete vezes na Câmara, mas foi barrada no Senado em todas as oportunidades. Pode ser que, com a decisão do Biden, a gente veja algumas conversas sobre isso acontecendo nesse final de ano, o que pode gerar novos momentos positivos para as ações do setor”, afirma Pacheco.
As perspectivas para investir em cannabis
Os ativos ligados à cannabis ainda acumulam baixas expressivas em 2022. Nesta reportagem feita no primeiro semestre do ano, explicamos que parte das perdas no setor tinham a ver com um descontentamento do mercado com a postura de Biden em relação à substância. Agora, mesmo que a descriminalização da maconha esteja de volta à pauta nos EUA, o movimento pode não ser suficiente para fazer frente à pressão macroeconômica vista atualmente no mercado norte-americano.
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Por lá, a alta na taxa de juros tem penalizado os ativos de risco e as ações e ETFs de empresas de cannabis não escaparam. Veja o desempenho dos ativos na tabela abaixo.
Um levantamento feito pela Stake a pedido do E-Investidor mostra que algumas empresas acumulam quedas de mais de 90% no ano, enquanto os ETFs têm desvalorização de mais de 60%.
E muito disso tem a ver com o aperto monetário nas economias desenvolvidas. "A performance de 2022 pode ser compreendida analisando o cenário macro global”, diz Rodrigo Lima, analista de investimentos e editor de conteúdo da Stake. “Com o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e maior aversão a risco de investidores, companhias sem um modelo de negócios sólido e rentável foram fortemente penalizadas”, explica.
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Nesse cenário, enquanto a inflação dos EUA não permitir uma estabilização da taxa de juros, a perspectiva para essas empresas ainda é pessimista. Mas, segundo os analistas, isso não precisa significar um adeus aos investimentos em cannabis. “O posicionamento do mercado é de que esse ciclo de inflação pode estar bem mais perto do pico, o que pode já sinalizar uma possível queda dos juros no futuro”, destaca Andres Castro, da Global X. “Quando isso acontecer, a perspectiva é de que os setores que ficaram muito para trás, como as ações de maconha, sejam catapultados”, afirma.
Para os investidores que acreditam nessa tese de investimentos e têm disposição para esperar a indústria amadurecer no longo prazo, é possível fazer aportes aos poucos enquanto espera o desenrolar da questão política nos EUA. Contamos aqui como o investidor brasileiro pode fazer investimento em cannabis.
A estratégia, porém, não deve representar mais de 10% da carteira de ativos mesmo no caso de investidores agressivos, ressalta Enzo Pacheco, analista da Empiricus. “Quem quer investir nesses ativos precisa saber que ainda é um segmento altamente especulativo. Uma notícia positiva, como essa do Biden, foi capaz de fazer as ações valorizarem mais de 20%, mas uma notícia negativa pode ter o mesmo efeito”, ressalta.
Ainda assim, a visão de longo prazo do analista segue positiva: “Os preços já estão muito depreciados. Isso não impede que os ativos caiam mais pelo cenário macro, mas hoje vejo mais espaço para valorizar do que desvalorizar”, afirma.
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