Investir no time de futebol favorito cria um novo vínculo emocional para qualquer torcedor apaixonado. Atualmente, existem poucos ativos disponíveis para o investidor pessoa física aportar dinheiro em times de futebol. De acordo com a 15ª edição do Relatório Convocados, é possível ganhar dinheiro com fundos de private equity tradicionais (investimento em organizações que ainda não são listadas em bolsa) e fundos especializados em esportes, bem como com hedge funds (usam estratégias de investimento de risco).
Elaborado pelo economista Cesar Grafietti e com o patrocínio da Galápagos Capital, o estudo aponta que a flexibilização das regulamentações das ligas em relação aos investimentos privados resultou em um rápido aumento no número de investidores com participações minoritárias em organizações esportivas.
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O crescimento dos investimentos privados garante uma série de benefícios para clubes e organizações esportivas. As companhias recebem apoio, incluindo a disponibilidade de capital para a construção ou a reforma de estádios e centros de treinamento, a contratação de atletas e ações para aumentar a eficiência e a rapidez nas operações.
Segundo Andrea Di Sarno, sócio da Galapagos Capital, o acesso de investidores ao mercado esportivo pode crescer ainda mais com o incremento na governança corporativa e com a profissionalização da gestão dos clubes. “O mercado de capitais vai conseguir oferecer alternativas de financiamento por meio de crédito estruturado, tais como debêntures, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs)”, afirma.
Um dos marcos que Andrea Di Sarno considera fundamental para o aumento de investimentos no Brasil é a Lei das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs). As SAFs são uma forma facilitada para incluir os times de futebol no mercado financeiro. A lei das SAFs foi promulgada em 2021 e ratificada pela CVM no dia 21 de agosto de 2023. Com a medida, os times de futebol podem abrir capital, lançar debêntures (debêntures-fut), promover crowdfunding de investimentos, montar fundos de investimentos e fazer securitização.
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Considerando os marcos regulatórios recentes, fica evidente que nos últimos anos a participação de grupos Multi Club Ownership (MCO) no futebol se intensificou consideravelmente, incluindo a consolidação desses grupos no futebol de diversas regiões.
Conforme o relatório, o valor total dos ativos sob gestão passou de 2,1 trilhões de euros em 2013 para 4,6 trilhões de euros em 2022. Por isso, o sócio da Galapagos defende que a participação do capital privado continuará a aumentar devido a fatores como o futebol sofrer menos com recessões econômicas e os múltiplos de receita maiores do que outros mercados decorrentes da escassez de ativos disponíveis.
O que são os Multi Club Ownership?
Os Multi Club Ownership (MCOs) são entidades empresariais ou grupos que possuem participação, seja majoritária ou minoritária, em mais de um clube de futebol em distintos países. O crescimento desses grupos, que detêm fatias acionárias em diversos times espalhados pelo globo, tem suscitado preocupações nas ligas de futebol sobre a possibilidade de dois clubes sob mesma governança competirem no mesmo campeonato, o que poderia minar a integridade das disputas.
Como resposta a essas inquietações, algumas ligas têm implementado restrições de investimento para empresas interessadas em aportar em clubes afiliados. Tais restrições incluem limites para aquisição de participação majoritária em mais de um clube da mesma liga, bem como a realização de extensas verificações de antecedentes, tanto financeiros quanto sociais, por parte das ligas antes de autorizar qualquer investimento.
Na última década, houve um crescimento expressivo no número de MCOs, com os grupos americanos liderando esse movimento, representando cerca de 35% do total ativo. Essa tendência de mercado está sendo impulsionada pelos benefícios e pelas sinergias adicionais que os grupos MCOs obtêm ao diversificar investimentos. É possível ver alguns exemplos, como a aplicação de conhecimentos em gestão e metodologia de futebol nos times sob gestão e a facilidade na transferência ou no empréstimo de jogadores entre os clubes pertencentes ao mesmo grupo.
No entanto, a estratégia de investir em clubes de diferentes confederações e nacionalidades introduz uma complexidade adicional devido às regras de governança e modelos de competição em cada região. Normalmente, os grupos MCOs têm um “clube principal” que compete em grandes campeonatos, enquanto mantêm outros clubes em países onde o cenário esportivo ainda está em desenvolvimento.
Essa abordagem é motivada pelo menor custo de operação e pelo potencial de desenvolvimento de talentos em nações emergentes, como o Brasil, onde as taxas de câmbio são desvalorizadas e os valuations (valor do ativo) são mais baixos.
Ao observar os padrões globais, é possível traçar uma linha evolutiva dos ativos esportivos de um país. Aqueles com produtos esportivos altamente competitivos e financeiramente sólidos passam geralmente por quatro estágios distintos. Inicialmente, adotam um modelo puramente associativo. Em seguida, avançam para a estruturação de uma liga, visando fortalecer a competitividade e o apelo do produto, além de aumentar o poder de negociação dos clubes na venda dos direitos de transmissão.
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Posteriormente, ocorre a entrada de investimento privado nos clubes, marcando o terceiro estágio desse processo evolutivo. Por fim, observa-se a entrada do investimento por parte de grupos MCO representando o quarto estágio. Essa progressão indica uma evolução rumo a uma maior profissionalização e à competitividade no mercado esportivo de um país.
Qual a situação dos clubes brasileiros?
Apesar de cinco clubes brasileiros já terem sido contemplados com investimentos oriundos de grupos MCO, muitas agremiações ainda resistem à transição do modelo associativo para o formato controlado por investidores. O Brasil se encontra atualmente em um estágio intermediário nesse processo, tendo já iniciado a transição para um modelo de propriedade privada e as negociações para a criação de uma liga unificada.
Com 124 clubes participantes nos campeonatos nacionais de futebol, englobando todas as divisões, apenas 17 dessas instituições haviam, até fevereiro de 2024, recebido algum tipo de aporte privado. Dentro desse panorama, sete são beneficiados por investidores privados, cinco adotam o modelo de clube-empresa e outros cinco integram grupos MCO.
Em 2023, a Série A do Campeonato Brasileiro registrou receitas totais de R$ 8,8 bilhões, marcando um aumento de 22,2% em comparação ao ano precedente. Esse patamar recorde foi impulsionado pelo crescimento das receitas comerciais, acompanhado por um incremento significativo na arrecadação da venda de ingressos e dos programas de sócio torcedor. Destaca-se, ainda, o retorno à elite do futebol nacional de clubes tradicionais como Bahia, Cruzeiro, Grêmio e Vasco da Gama.
A análise demonstra que, para figurar entre os cinco primeiros colocados na Série A, um clube necessita gerar aproximadamente R$ 620 milhões em receita. Notavelmente, Grêmio, Atlético MG e Botafogo se destacam por alcançarem essas posições com receitas inferiores a R$ 450 milhões, evidenciando uma gestão financeira eficiente. Por outro lado, Corinthians e São Paulo, embora registrem maiores faturamentos, enfrentam desafios relacionados à necessidade de ajustar suas finanças para manterem a competitividade e reduzirem o endividamento.