

As ações boas pagadoras de dividendos e os fundos imobiliários, que distribuem mensalmente proventos aos seus costistas, costumam compor o portfólio dos investidores que buscam viver de renda no médio e longo prazo. Contudo, o pagamento recorrente dessa remuneração não é a única maneira de alcançar a tão sonhada liberdade financeira. Uma simulação realizada por Geraldo Búrigo, consultor financeiro independente e analista CNPI, mostra que há outras estratégias capazes de garantir uma renda mensal aos investidores, sem depender exclusivamente da distribuição dos proventos.
O portfólio consiste em alocações periódicas em ETFs (Exchange Traded Fund, na sigla inglês), que são fundos atrelados a uma carteira de ativos que busca um retorno semelhante a um índice de referência. São eles: LFTS11 ( índice que acompanha a performance de títulos pós fixados do Tesouro Selic), IMAB11 (índice que replica a cesta de Títulos Públicos Tesouro IPCA de vencimentos variados do IMAB), BRAX11 (índice que replica as 100 maiores empresas brasileiras ponderadas por valor de mercado e liquidez do IBRX) e o IVVB11 (índice que replica o desempenho das 500 maiores empresas americanas ponderadas por valor de mercado do S&P 500).
A lógica, segundo Búrigo, é considerar todas as fontes de retorno do investidor, como a valorização da cotas e os juros da renda fixa, em um único pacote. “Importante entender que, por mais que os dividendos sejam uma sinalização de que a empresa está gerando caixa e valorizando o acionista, ele não deixa de ser uma espécie de venda forçada, já que o valor da cota é ajustado com base nos dividendos distribuídos”, diz o especialista.
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Ou seja, se uma companhia distribuiu um dividendo na ordem de 10% ao investidor, os papéis daquela empresa serão negociados na Bolsa de Valores com “abatimento” proporcional ao provento distribuído. Além disso, o especialista ressalta que, ao focar apenas em ações boas pagadoras de dividendos, o investidor corre o risco de desconsiderar outras fontes de retorno, como o ganho de capital. “Muitas empresas optam por fazer programas de recompra de ações ou invés de distribuir dividendos. Tudo isso impulsiona a valorização das cotas”, diz Búrigo.
Dito isso, surge a dúvida: como o investidor poderá viver de renda com esse portfólio? O especialista explica que a remuneração consiste na realização de lucro anual na ordem de 5% da carteira, priorizando sempre as classes de ativos que apresentaram os maiores retornos durante o período. O método garante o rebalanceamento da carteira de investimentos e viabiliza a remuneração ao investidor sem deteriorar o patrimônio. “Mesmo com resgates de 5% ao ano, o patrimônio cresce mais que a inflação no período”, esclareceu Búrigo. A afirmação se baseia no comportamento da carteira nos últimos 22 anos. O consultor simulou a estratégia do portfólio com base no desempenho dos ativos entre os anos de 2003 e 2024.
Os resultados dessa simulação mostraram que, nos cinco primeiros anos, a carteira teórica do IBRX apresentou a maior rentabilidade. Logo, foram os responsáveis por garantir a remuneração do investidor ao longo desse período. Já entre os anos de 2008 e 2015, a cesta de ativos de títulos públicos do Tesouro IPCA e os investimentos atrelados ao CDI entregaram os maiores retornos. Já no restante do período, a fonte de renda veio marjoritariamente das ações que compõem o S&P 500. E apesar dos resgates, a rentabilidade acumulada do portfólio foi de 1.173%, enquanto a inflação subiu em torno de 226% no mesmo período.
Veja a rentabilidade dos ativos nos últimos 20 anos
Investimento |
Retorno Acumulado
|
S&P 500 | 1.430% |
IBRX | 990% |
Portfólio proposto | 1.173% |
IPCA | 226% |
CDI | 784% |
Fonte: Geraldo Búrigo, consultor financeiro independente e analista CNPI/*Dados referentes ao período de novembro de 2003 a novembro de 2024 |
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Com base nessas premissas, a proposta do analista consiste na alocação períodica nos quatro ETFs, que replicam o desempenho do S&P 500, IBRX, CDI e IMAB. Além disso, cada ativo teria um peso equivalente a 25% do patrimônio. Se considerarmos a rentabilidade dos últimos 20 anos desses investimentos, o retorno anual médio desse portfólio ficaria na ordem de 12,1% para o investidor, acompanhada por uma volatilidade de 6,96% ao ano.
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É claro que, ao longo do período da construção do patrimônio, os retornos não vão ser lineares. Por esse motivo, cabe ao investidor ter um bom gerenciamento de risco na hora de rebalancear a carteira para que todos os investimentos tenham a mesma proporção, tanto no momento da alocação dos recursos quanto na realização do lucro para o reinvestimento. Ou seja, na prática, funcionaria na seguinte forma: se os retornos do S&P 500 forem os maiores da carteira em um determinado período, o resgate na ordem de 5% deve ser aplicado nos ganhos da Bolsa americana, enquanto os aportes mensais devem ser direcionados para os investimentos com as performances mais baixas.
Ao ter em mente essas condições, o investidor que deseja aplicar a estratégia com o objetivo de ter uma renda mensal de R$ 5 mil vai precisar desembolsar mensalmente cerca de R$ 2.650 nos próximos 20 anos. Esse valor, segundo Búrigo, precisa ser reajustado todos os meses pela inflação ao longo do período de acumulação. Os aportes, acompanhados pela rentabilidade da carteira, irão construir um patrimônio de R$ 3,4 milhões no vigésimo ano de investimento. “Com esse valor o investidor, utilizando uma taxa segura de resgate de 5% ao ano poderia gerar uma renda mensal aproximada de R$14.852,46, que teria o mesmo poder de compra que R$5.000,00 tem hoje”, diz o especialista.
Aportes mensais | Rentabilidade anual | Período de investimento |
Patrimônio acumulado
|
R$ 2.650 | 12,10% | 20 anos |
R$ 3.497.334,45
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Fonte: Geraldo Búrigo, consultor financeiro independente e analista CNPI |
Vale destacar que os números não consideram a dedução do Imposto de Renda (IR) sobre os investimentos. Contudo, embora abra mão da isenção do IR, Búrigo diz que o investidor ganha diversificação e um portfólio menos volátil com uma maior expectativa de retorno. “Você teria que confiar muito na sua habilidade de selecionar empresas para ter um retorno pelo menos próximo ao IBRX (ou outro índice de mercado) para justificar a não utilização de um fundo mais diversificado”, diz o consultor financeiro.
Estratégia para todos os perfis de risco?
Assim como qualquer investimento, a estratégia possui riscos que devem ser considerados pelos investidores, caso queiram aplicar a carteira por conta própria. Embora os ETFs repliquem o desempenho de ativos tradicionais do mercado, como os títulos do Tesouro Direto, Felipe Paletta, estrategista da EQI Research, ressalta que esse portfólio está mais adequado para quem possui um perfil mais arrojado. A justificativa dele se baseia na exposição na ordem de 50% do patrimônio em Bolsa de Valores, o que exige do investidor resiliência, especialmente nos períodos de alta volatilidade.
“Qual seria o humor do investidor no início de 2025 com uma alocação de 25% em S&P 500? A Bolsa americana acumula perdas de quase 20% (em decorrência da guerra comercial causada pelas tarifas impostos por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos)”, ressalta o estrategista. Por esse motivo, ele orienta aos investidores considerarem o seu apetite a risco e à sua experiência sobre o mercado financeira antes de adotar a estratégia. “O rebalanceamento de forma regular pode ser bastante complexo para um investidor que não tenha finanças como um assunto relevante no seu dia a dia. Talvez, ele tenha dificuldade”, acrescenta. Além disso, é preciso incluir nos cálculos o retorno líquido com a dedução do imposto de renda.
Já Fábio Sobreira, analista e sócio da gestora Rocha Opções de Investimentos, também avalia o perfil da carteira como inadequado para um investidor conservador, mesmo com a presença de ativos de renda fixa. “Fora o CDI, todos os outros são voláteis, inclusive o IMAB que tem marcação à mercado”, diz Sobreira. Portanto, para quem não está disposto a correr tanto risco, a sugestão do analista é que distribua o patrimônio nas seguintes proporções: 50% do CDI, 30% do IMAB e 10% em bolsa de valores.
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