Especialistas em renda fixa preveem menor oferta de CDBs "turbinados" com nova regra do FGC. (Imagem: seibertfilm em Adobe Stock)
O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou, no começo de agosto, mudanças nas regras do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) – mecanismo que funciona como um “seguro” do sistema financeiro. A medida deve ampliar a segurança para investidores de renda fixa e, ao mesmo tempo, impactar a oferta de Certificados de Depósito Bancário (CDBs).
Na prática, as alterações, que passam a valer em 1º de junho de 2026, buscam inibir a tomada de riscos excessivos por parte dos bancos e, consequentemente, preservar a estabilidade do sistema financeiro. Uma das medidas envolve a chamada Contribuição Adicional (CA) – taxa extra paga ao fundo por instituições com perfil de risco mais elevado.
Hoje, essa cobrança só acontece quando a parcela de captação garantida pelo FGC ultrapassa 75% do total captado pela instituição. Com a nova regra, o gatilho será acionado mais cedo, a partir de 60%.
Além disso, a CA também foi dobrada, passando de 0,01% para 0,02% sobre o valor dos depósitos garantidos pelo fundo. Em outras palavras, os bancos vão ter que pagar mais caro se quiserem oferecer uma parcela grande de produtos garantidos pelo FGC.
As mudanças vão além. Se o valor de captações garantidas pelo fundo ultrapassar mais de dez vezes o patrimônio líquido ajustado do banco, a instituição terá de direcionar o valor excedente para a compra de títulos públicos, ativos considerados seguros pelo mercado.
A nova norma foi publicada em meio à polêmica com o caso do Banco Master, que chegava a vender CDBs a 120% do CDI, usando a cobertura do FGC como atrativo. Com os recursos captados, o banco comprava precatórios, pré-precatórios (ainda sem decisão judicial definitiva) e ações de empresas de comportamento volátil.
“O regulador observou que bancos médios e pequenos estavam investindo em ativos bem arriscados, que colocavam o próprio FGC em perigo. Afinal, ele teria que arcar com vários desses prejuízos, caso houvesse uma ‘quebra’ por parte das instituições”, destaca Henrique Castro, professor de finanças da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP).
Agora a expectativa é que a nova regulação exija uma maior disciplina dos bancos ao utilizarem a garantia do FGC.
Segundo Gustavo Rabello, sócio de mercado de capitais do SouzaOkawa, os mais afetados devem ser os bancos de pequeno e médio porte. “Quando a norma entrar em vigor, haverá uma restrição e um custo adicional em uma das principais fontes de captação de recursos para essas instituições”, diz.
O que a nova regra do FGC muda para o investidor de renda fixa?
A expectativa é que as novas regras gerem um comportamento mais cauteloso por parte dos emissores de CDBs. “Naturalmente, isso vai diminuir a oferta de títulos com rentabilidades muito elevadas”, avalia Castro.
A Selic a 15% ao ano, o maior nível desde agosto de 2006, também favorece um movimento mais comedido por parte dos bancos nas rentabilidades oferecidas em seus produtos. Na ata de sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) reforçou que os juros devem permanecer altos por mais tempo e que qualquer ajuste dependerá de mudanças nas expectativas de inflação.
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Com o combo de Selic elevada e mudanças no FGC, Lucas Dezordi, professor do curso de Ciências Econômicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), observa que os investidores devem se preparar para ver rentabilidades menores nos CDBs.
“Eu entendo que deve ocorrer uma acomodação nas taxas prometidas, que podem ficar em uma margem de, no máximo, 110% do CDI. As novas regras do FGC devem inibir as distorções grandes que existiam, com CDBs de até 140% do CDI”, pontua.
Na opinião do professor, mesmo que as mudanças comecem a valer apenas em 2026, o mercado financeiro costuma passar por ajustes rápidos. “Penso que já poderemos ter um impacto mais imediato no CDB, tanto na emissão quanto nas taxas, que devem ficar cada vez mais contidas.”
Para Marília Fontes, sócia-fundadora da Nord Investimentos, os impactos não chegarão tanto aos investidores, mas afetarão os resultados dos próprios bancos, que vão deixar de ter um funding (captação de recursos) barato com o “carimbo” do FGC.
A especialista em renda fixa Marília Fontes vê impacto maior para bancos, enquanto o investidor de renda fixa não deve sentir as mudanças no FGC. (Foto: Ricardo Augusto)
“O impacto não recai tão diretamente sobre a rentabilidade oferecida ao investidor, mas sobre o resultado da própria instituição, que passa a operar com um fundingmais caro, já que uma fatia maior do que é captado pelo banco precisará ser direcionada ao FGC”, explica.
Como fica a segurança dos seus investimentos em renda fixa
Com as discussões em torno do caso Master, Fontes observa que as próprias plataformas começaram a recuar e deixaram de oferecer títulos de bancos com balanços mais arriscados. Ainda assim, na hora de escolher os CDBs para investir, a especialista recomenda que o investidor verifique os resultados e os indicadores de alavancagem das instituições. “Faça uma análise mínima para separar o joio do trigo e não invista só porque tem um carimbo do FGC.”
Em termos de segurança, a visão geral é que as mudanças no fundo fortalecem o sistema financeiro e, consequentemente, beneficiam o investidor.
“O FGC deve ficar mais robusto, tanto por contribuição extra quanto por adoção de ativos de baixa volatilidade”, destaca Marco Aurelio Cunha, sócio da Guarnera Advogados.
Na mesma linha, Andrea Sano Alencar, sócia da área de direito bancário e de mercado de capitais do EFCAN Advogados, acredita que, ao desestimular a alavancagem excessiva por parte das instituições, a medida gera maior proteção aos investidores. “Isso evita que bancos captem recursos em volumes muito altos sem a devida contrapartida”, diz.
A visão do mercado sobre as mudanças no FGC
As novas regras foram bem-recebidas por agentes do mercado. Uma fonte ouvida pelo E-Investidor em anonimato afirma que, nos corredores do Fundo Garantidor de Créditos, a expectativa é que as medidas sirvam de pontapé inicial para outros ajustes regulatórios capazes de tornar o ambiente financeiro mais saudável.
Pelos cálculos baseados em dados históricos, cerca de dez instituições associadas seriam afetadas, mas a tendência é que mais da metade consiga se ajustar ao longo do próximo ano.
Um ponto que gerou polêmicas foi o prazo dado para o início das medidas. Em nota, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, considerou o intervalo “demasiadamente longo”. “Prazos extensos podem, muitas vezes, ter efeitos contrários aos desejados, incentivando comportamentos que precisariam ser contidos já no curto prazo. Entendemos, assim, que uma antecipação na vigência da regulação seria bem-vinda”, destacou.
A Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que representa as instituições de menor porte, tem uma opinião divergente e acredita que o prazo estabelecido é necessário para os bancos se adaptarem.
“Existem três opções de ajuste. A instituições pode decidir se alavancar menos, ser menos dependente do FGC ou solicitar um aumento de capital a acionistas. Todas essas estratégias tomam tempo, não é um processo simples”, diz Leandro Vilain, presidente da ABBC.
Segundo ele, embora as novas regras sejam positivas, seria interessante que as medidas também considerassem a qualidade dos ativos em que as instituições investem. Vilain cita o caso de duas empresas hipotéticas.
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Uma delas capta recursos do mercado com garantia do FGC e aplica em carteiras de boa qualidade. A outra, com o mesmo nível de alavancagem bancária, direciona esses recursos garantidos pelo fundo para ativos mais arriscados e voláteis. “No final do dia, mesmo com números semelhantes, os riscos dessas instituições são muito diferentes”, conclui.
Ele explica que o desafio para criar uma regra desse tipo está em estabelecer critérios claros para classificar os ativos como de maior ou menor risco, definição que deve ser dada pelo Banco Central (BC). “A pergunta que pode ser feita é: numa situação de instabilidade, o banco conseguiria vender a carteira com facilidade? Nem todos terão uma resposta tão clara e será nisso que o BC terá que se debruçar”, afirma.
O papel do BC nessa história
Para Fontes, da Nord, as novas regras do FGC podem não ser suficientes para conter práticas agressivas dos bancos. Ela aponta que seria importante restringir o uso do nome da entidade como ferramenta de marketing nos sites das instituições, proibindo a divulgação publicitária de expressões como “garantido pelo FGC” e do próprio logotipo do fundo.
Segundo ela, o FGC não tem o papel de promover bancos médios e pequenos – função que cabe ao Banco Central.
“O BC vai criar as regras para reduzir as barreiras de entrada no setor financeiro e para a proliferação de competição, que é sempre saudável para a economia. Mas esse é o papel do Banco Central. O papel do FGC é única e exclusivamente evitar um risco sistêmico, uma corrida bancária. Mas atualmente o fundo está servindo como proliferador de bancos médios e pequenos com resultados ruins”, destaca.