Patrimônio de R$ 240 milhões de Odete Roitman inspira debate sobre investimentos de longo prazo e disciplina financeira. (Foto: Adobe Stock)
A herança que será deixada por Odete Roitman (Débora Bloch), vilã icônica da novela Vale Tudo, está estimada em R$ 240 milhões. Ostentando apartamentos de elite e meios de transporte pouco convencionais nos episódios exibidos pela TV Globo, somente seu jatinho particular custa R$ 160,5 milhões, além de receber um salário anual de R$ 15,36 milhões como CEO. Mas quanto tempo levaria para que um investidor comum conseguisse acumular um patrimônio desse porte?
Especialistas em planejamento financeiro explicam que, embora não seja impossível, trata-se de um objetivo de décadas — e que exige disciplina, estratégia e, muitas vezes, um ponto de partida elevado.
Antônio Santos, analista da Rico, lembra que o impacto dos aportes iniciais e da rentabilidade no longo prazo é decisivo. “Com um aporte mensal de R$ 1.000 e rentabilidade equivalente ao CDI [Certificado de Depósito Interbancário] médio de 10% ao ano, o investidor demoraria 79 anos para alcançar os R$ 240 milhões. Já em um cenário mais arrojado, de CDI +5 (cerca de 15% ao ano), esse prazo cairia para 57 anos”, exemplifica.
Ele acrescenta que, em carteiras típicas da corretora, a expectativa de retorno é de CDI +1% para o perfil conservador, CDI +2% para o moderado e CDI +3% para o arrojado – o que significaria, respectivamente, 73, 68 e 64 anos de espera para chegar à cifra.
O professor Fabio Falquetti, da Faculdade Anhanguera de Ribeirão Preto, reforça que os números mudam bastante conforme o perfil de risco do investidor e o capital inicial:
O tempo necessário depende diretamente do perfil do investidor, da taxa de retorno alcançada e da disciplina nos aportes.
“Por exemplo: com início de R$ 912 mil e aportes mensais de R$ 10 mil, um conservador teria de esperar de 55 a 60 anos para atingir o montante. Já um moderado poderia conseguir em 35 a 40 anos, e um arrojado, em 20 a 25 anos”, afirma Falquetti.
O ponto de partida muda tudo
Entre os dois especialistas, há consenso de que o ponto de partida é fundamental. Santos detalha que uma pessoa que começa do zero levaria 79 anos para atingir a meta, mas quem já dispõe de R$ 1 milhão de capital inicial reduziria esse prazo para 56 anos. “O efeito dos juros compostos é exponencial. Quanto maior o valor inicial, maior a diferença no tempo para se atingir o objetivo”, observa.
Outro fator que não pode ser ignorado, segundo Falquetti, é a inflação. “Se considerarmos uma taxa de 5% ao ano, em 30 anos aqueles R$ 240 milhões equivaleriam, em termos reais, a apenas R$ 55 milhões de hoje. Já os impostos reduzem o rendimento líquido: um ganho de 12% ao ano pode cair para 10,2% após o desconto do IR [Imposto de Renda]”, explica.
O professor acrescenta que o investidor pode até atingir o valor nominal, mas o poder de compra será muito menor.
O seu perfil de investidor influencia o tempo de conquista
Nesse cenário, ambos defendem estratégias adaptadas ao perfil de risco. Santos recomenda diversificação mesmo para os conservadores: “O investidor pode combinar títulos atrelados ao CDI e à inflação, como o Tesouro IPCA+ [Índice de Preços ao Consumidor Amplo], com multimercados e até mesmo uma parcela em ações, que historicamente geraram os maiores retornos de longo prazo”.
Já Falquetti propõe caminhos distintos: “No perfil conservador, Tesouro IPCA+, CDBs [Certificado de Depósito Bancário] de bancos sólidos e previdência em renda fixa trazem segurança. Para moderados, o ideal é balancear renda fixa, multimercados e ações. Já os arrojados podem buscar ações de crescimento, private equity [investimento privado] e até exposição internacional, cientes da maior volatilidade”.
Mas será realista comparar a fortuna de uma personagem de novela com os objetivos de um investidor real? Para Santos, a resposta é: apenas parcialmente. Ele cita Warren Buffett como exemplo: o megainvestidor começou cedo, com valores modestos, e hoje acumula um patrimônio bilionário.
Não é impossível, mas exige uma vida inteira de disciplina, paciência e consistência. O maior erro é querer enriquecer rápido e arriscar tudo de uma vez.
Falquetti complementa que, na ficção, fortunas aparecem sem explicar origem ou tempo, enquanto, na vida real, valores desse porte normalmente vêm de negócios bem-sucedidos, heranças ou décadas de aportes consistentes.
Publicidade
“A comparação ajuda a refletir que planejamento financeiro não é sobre ‘ficar milionário’, mas sobre usar bem o tempo, diversificar, considerar o valor real do dinheiro e construir uma vida sólida”, conclui.
Simulação: quanto tempo demoro para acumular a fortuna de Odete Roitman?
A pedido exclusivo do E-Investidor, Antônio Sanches, analista da Rico, produziu quatro simulações de quanto tempo um investidor comum levaria para juntar a fortuna de Odete Roitman.
Na primeira projeção, foram considerados apenas aportes mensais de R$ 1.000,00, sem nenhum valor inicial. A diferença entre os cenários está na taxa de retorno anual, que varia de 10% a 15%. Mesmo assim, os prazos são longos: seriam necessários 79 anos com retorno de 10% ao ano, 73 anos com 11% e 57 anos com 15%. O recado é direto: apenas disciplina e pequenos aportes não bastam, mesmo em investimentos com boa rentabilidade.
Já na segunda tabela, a rentabilidade foi mantida em 10% ao ano, mas o valor inicial aplicado muda. A simulação mostra como o capital de partida faz toda a diferença. Sem valor inicial, o tempo para alcançar R$ 240 milhões seria de 79 anos; com R$ 10 mil, cairia para 78 anos; com R$ 100 mil, para 73 anos; com R$ 1 milhão, para 56 anos; e com R$ 10 milhões, o prazo despencaria para apenas 33 anos. Ou seja, quem já começa rico, enriquece muito mais rápido.
Na terceira simulação, entra em cena a tributação. A mesma rentabilidade de 10% ao ano é considerada, mas agora aparece a diferença entre valor bruto e valor líquido. O efeito é imediato: alcançar R$ 240 milhões líquidos demora um pouco mais, já que parte dos ganhos é consumida pelos impostos. Sem valor inicial, seriam necessários 81 anos; com R$ 10 milhões de partida, o tempo cai para 35 anos. É a demonstração prática de como a tributação impacta diretamente no bolso do investidor.
Publicidade
Por fim, a quarta simulação mostra o cenário de um investimento atrelado à inflação, o IPCA+, com 7% ao ano acima do índice. É uma alternativa mais conservadora, que preserva o poder de compra no longo prazo. Mas aqui os prazos se estendem bastante: sem valor inicial, seriam necessários 109 anos para chegar ao montante; com R$ 10 milhões de partida, 49 anos.
De forma geral, os resultados reforçam um ponto central: o perfil do investidor determina não apenas o tipo de aplicação, mas também a velocidade de acumulação. Um perfil conservador, ligado ao IPCA+, levaria mais de um século para alcançar a herança de Odete.
Já um investidor moderado, no CDI a 10%, demoraria entre 33 e 79 anos, a depender do capital inicial. O arrojado, em aplicações de maior risco e retorno, poderia reduzir esse prazo para 57 anos apenas com aportes mensais pequenos, ou pouco mais de 30 anos se já tivesse milhões aplicados desde o início.