

Dois novos fundos brasileiros acabam de ser desenhados para destravar mais de meio bilhão de reais em investimentos diretos em projetos ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança).
Os dois instrumentos estão sendo lançados nesta quinta-feira (30) pelo Laboratório Global de Inovação em Finanças Climáticas (Lab), um programa de aceleração de inovação financeira, patrocinado pelos governos da Alemanha, Holanda, Suécia, Reino Unido e pela Fundação Rockefeller.
O lançamento ocorre depois de os projetos passarem por uma jornada de 11 meses de análise, estruturação e endosso pelos membros do Lab e pelas empresas que propuseram os fundos.
FIDC e cooperativas na Amazônia
O primeiro é um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), proposto pela Natura e pela Mauá Capital, que prevê captar US$ 50 milhões (aproximadamente R$ 265 milhões) na fase-piloto. A proposta já nasceu inovadora, segundo aponta a analista Rosaly Byrd, da Climate Policy Initiative (CPI), instituto sem fins lucrativos de análise e pesquisa responsável pela gestão do Lab. “Poucas vezes temos uma gestora participando desde o início do projeto. Foi bem diferente e interessante”, diz Byrd.
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A proposta do FIDC foi concebida numa parceria com a Natura, que já trabalha com a maioria das cooperativas na Amazônia que receberão recursos do FIDC, com a gestora de Luiz Fernando Figueiredo. A sócia da Mauá Carolina da Costa está à frente do desenho do fundo feito a partir do conceito “blended finance”. A expressão em inglês significa que diferentes fontes de recurso e condições de risco e retorno serão utilizadas no fundo.
Em um dos dois cenários previstos no projeto, 30% virão da Natura e demais investidores para serem alocados na cota subordinada. Os outros 70% virão de investidores do mercado e serão alocados na cota sênior. Nesse primeiro cenário, o retorno estimado na fase de modelagem é de CDI + 1% para a cota sênior e de CDI + 3,5% para a subordinada.
No segundo cenário, há a possibilidade de reduzir a cota subordinada para 20% do total e incluir uma cota mezanino (10% do fundo) para “investidores concessionais”, ou seja, aqueles que aceitam absorver mais risco e receber menor retorno, como instituições de fomento e financiamento, organismos multilaterais, fundações.
Além do fundo, o projeto que ganhou o nome em inglês Amazonia Sustainable Supply Chains Mechanism (AMSSC) terá um braço de filantropia, que irá investir US$ 12,7 milhões em ações voltadas para a educação, saúde, acesso a internet e infraestrutura das comunidades relacionadas às cooperativas.
Fundo de renda fixa e biogás
O segundo fundo será de renda fixa, também tem arquitetura “blended finance” e servirá como garantia para os empreendedores ligados ao projeto proposto pela Associação Brasileira de Biogás (Abiogás). O Guarantee Fund for Biogas (GFB) servirá de colateral em empréstimos que serão tomados por desenvolvedores de projetos de biogás.
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“O biogás é visto com ressalva na Europa porque alguns projetos utilizam insumos que poderiam ir para a produção de alimentos. Mas no Brasil, quase todos os projetos de biogás utilizam dejetos da agricultura ou urbanos”, afirma Felipe Borschiver, analista da Climate Policy Initiative.
Na fase-piloto, o fundo prevê a captação de US$ 53 milhões (aproximadamente R$ 280 milhões) e vai beneficiar 43 empreendimentos que, segundo Borschiver, não conseguem financiamento nas linhas tradicionais por não disporem de garantias para oferecer às instituições financeiras. O analista ressalta que a inovação do projeto está em ser o primeiro fundo de garantia ambiental do Brasil, sendo que a maioria dos fundos garantidores são de instituições públicas ou governamentais no País.
CDI + 6% ao ano
O fundo será fechado (prazo de dez anos), irá investir em títulos públicos e tem como estimativa preliminar de retorno CDI + 6% ao ano. Esse retorno virá da carteira de títulos mas também da taxa paga pelos empreendedores ao fundo em troca das garantias para os empréstimos, inicialmente estimada em algo perto de 2% ao ano.
O retorno também dos “investidores concessionais”, ou seja, aqueles que ingressam no fundo na condição de absorver mais risco e receber menor retorno. “Na modelagem, o ‘investidor concessional’ receberá retorno mais baixo, algo em torno de 4%, e vai tomar as primeiras perdas”, disse o analista da CPI.
Segundo ele, metade dos recursos do fundo virão do ‘investidor concessional’ e metade do investidor em geral (chamado no projeto de comercial). “Ou seja, o fundo precisa ter um ‘default’ de 50% dos ativos para o investidor sênior começar a sofrer. É uma condição de muita segurança e é o que acreditamos que vai ajudar a alavancar esse fundo”, disse Borschiver.
Potenciais investidores
Segundo a CPI, os dois instrumentos serão apresentados para investidores, financiadores e parceiros em potencial no dia 20 de outubro. No caso do projeto para biogás, o fundo ainda precisa de um gestor, que será escolhido a partir de uma concorrência. Borschiver afirma que, geralmente, os projetos de inovação financeira levam de um a dois anos após o endosso pelo Lab para viabilizarem os pilotos.
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O Laboratório Global de Inovação em Finanças Climáticas (Lab) existe no Brasil há cinco anos. Globalmente, foi criado em 2014, já lançou projetos que destinaram US$ 2,5 bilhões para ações climáticas e reúne mais de 70 investidores institucionais e instituições públicas e privadas. Além dos dois instrumentos brasileiros, o Lab endossou e vai lançar outras quatro inovações financeiras em outros países.