- No Brasil, a incerteza fiscal e mudanças nas metas de superávit primário aumentaram a volatilidade do câmbio e juros
- Setores sensíveis a juros, como educação, varejo e transporte, foram mais afetados no primeiro semestre
- Ações de tecnologia e exportadoras, como BRF e Embraer, são vistas como promissoras devido à valorização do dólar e crescimento global em tecnologia
O Ibovespa caiu quase 8% em termos reais e cerca de 20% em dólares no primeiro semestre deste ano, colocando a bolsa brasileira entre as piores do mundo, analisam os especialistas ouvidos pelo E-Investidor. A combinação de fatores globais e domésticos foi responsável por esse desempenho negativo, mas o que os investidores podem esperar para agosto nos investimentos na Bolsa, Fundos Imobiliários (FIIs) e dólar?
Leia também
“Não há como o investidor se programar para o outro mês sem considerar os meses que já passaram em busca de uma perspectiva do todo”, diz o analista financeiro Paulo Godoi Filho. No cenário global, as expectativas em relação ao ciclo de cortes de juros pelo Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos tiveram um grande impacto na renda variável. O ano começou com otimismo, com o mercado precificando entre seis a sete cortes de juros para este ano.
No entanto, uma inflação mais resistente nos EUA fez com que essas expectativas fossem ajustadas para apenas um ou dois cortes. Essa reprecificação dos juros, explicam os analistas, afetou negativamente os mercados emergentes, incluindo o Brasil. No cenário doméstico, a incerteza fiscal e as mudanças nas metas de superávit primário para 2025 adiante geraram ruídos que impactaram o câmbio, que chegou a R$ 5,70 no início de julho, e os juros, que subiram significativamente.
Publicidade
Além disso, o ciclo de cortes de juros da Selic, inicialmente visto como uma tese de desinflação, foi pausado e as expectativas de uma taxa terminal de um dígito foram revisadas. A credibilidade do Banco Central (BC) também foi questionada após dissensos nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), aumentando a volatilidade no mercado.
A estrategista de ações do Research da XP, Jennie Li, afirma que a performance do Ibovespa no primeiro semestre foi fraca, especialmente em comparação à dos últimos 20 anos. “A média de desempenho da bolsa em reais para o primeiro trimestre foi de 2,1% e para o segundo trimestre de mais de 1%, enquanto que em 2024 a gente viu uma queda de 0,4% no primeiro trimestre e de quase 4,5% no segundo trimestre. De fato, houve um desempenho fraco em relação à média histórica da bolsa, quando se olha para um prazo um pouco mais longo”, diz.
Segundo ela, setores sensíveis a juros, como educação, varejo e transporte, foram os mais afetados, enquanto setores ligados ao dólar e commodities, como petróleo e saneamento, tiveram um desempenho melhor.
Para o professor da Fia Business School, Marcos Piellusch, os investidores também enfrentaram desafios adicionais devido ao cenário político instável no Brasil, incluindo intervenções governamentais em empresas estatais como a Petrobras (PETR4). A interferência na distribuição de dividendos da petrolífera, conforme Piellusch, elevou a percepção de risco entre investidores e resultou em uma fuga de capital estrangeiro.
O professor explica ainda que a política monetária do Fed, com juros elevados, também atraiu para os EUA um capital que poderia ter sido investido em mercados emergentes, reduzindo a liquidez na B3 e impactando negativamente o desempenho da bolsa brasileira. Outro ponto de destaque é a tecnologia e inteligência artificial. “Enquanto mercados externos se beneficiaram do boom em tecnologia e inteligência artificial, o Brasil não acompanhou esse ritmo, resultando em uma performance inferior de seu mercado acionário. Empresas globais de tecnologia, como Apple e Nvidia, lideraram o crescimento nos EUA, enquanto o mercado brasileiro ficou estagnado”, analisa Piellusch.
Publicidade
Já o sócio e assessor da One Investimentos, Pedro Caldeira, analisa que o Ibovespa vivenciou um cenário de crescente entrada de capital estrangeiro em julho, o primeiro mês desse feito no ano. De janeiro a junho, porém, houve um caminho inverso: a saída de capital internacional. Esse movimento, segundo o assessor, sugere uma atratividade renovada do mercado brasileiro para investidores estrangeiros, especialmente em comparação com o cenário de juros globais.
Caldeira também pontua que a economia brasileira mostra sinais de estabilidade e crescimento, fatores que contribuem para a confiança dos investidores. No entanto, diz ele, a política monetária do BC, que será definida na “super quarta” desta semana, é um elemento chave a ser monitorado. Para Caldeira, a decisão do BC sobre a taxa de juros pode influenciar diretamente o mercado de ações, os FIIs e o câmbio.
Política monetária afeta diretamente os FIIs
Jennie Li, da XP, acredita que os investidores devem ficar atentos a alguns catalisadores importantes em agosto, como o possível início de cortes de juros nos EUA, que pode trazer de volta o apetite por risco dos investidores globais. Ela reforça que julho já mostrou sinais positivos com a entrada de investidores estrangeiros após seis meses consecutivos de saída.
- Leia mais: Julho marca volta de dinheiro estrangeiro na Bolsa. O que mudou para convencer os gringos?
“O governo brasileiro tem dado sinalizações mais positivas em relação à sustentabilidade fiscal, mas a credibilidade da implementação do novo arcabouço fiscal ainda é questionada. Notícias favoráveis podem melhorar o sentimento do mercado. A reunião do Copom de junho indicou consenso, e a expectativa é de que a trajetória de juros comece a aliviar. Uma redução na taxa Selic pode beneficiar ativos de risco no Brasil”, diz.
Na mesma linha, Caldeira, sócio da One Investimentos, explica que a política monetária afeta diretamente os FIIs porque os fundos podem se beneficiar de um ambiente de juros baixos. Afinal, a redução das taxas de juros pode diminuir os custos de financiamento, aumentar a atratividade dos FIIs para os investidores e apresentar uma performance positiva se o BC do Brasil adotar uma postura mais dovish, ou seja, que favoreça a redução das taxas de juros para estimular o crescimento econômico.
Caldeira pontua ainda que o possível ciclo de flexibilização monetária pelo Fed pode impactar a força do dólar, beneficiando mercados emergentes e afetando a moeda brasileira. Para se dar bem em agosto, a recomendação é que os investidores fiquem atentos às mudanças nas políticas monetárias para ajustar suas expectativas em relação ao câmbio e suas estratégias de investimento.
O professor da Fia, Marcos Piellusch, destaca que os FIIs de logística têm se beneficiado do aumento contínuo do comércio eletrônico, que demanda mais centros de distribuição e armazéns. Ele aponta os fundos XP Log (XPLG11) e BTG Pactual Logística (BTLG11) como boas opções devido à sua resiliência e potencial de crescimento. “Esses fundos têm atraído capital por sua capacidade de gerar retornos estáveis, aproveitando a necessidade crescente de espaços logísticos”, diz.
Publicidade
No setor de shopping centers, a retomada econômica pós-pandemia e o aumento da circulação de pessoas têm impulsionado o desempenho dos FIIs. Fundos como o HSI Malls (HSML11) e o XP Malls (XPML11) mostram-se promissores, diz o professor, com potencial para crescimento nas receitas de aluguel. A recuperação das atividades de varejo e a reabertura dos centros comerciais contribuem para a valorização desses fundos.
Embora o trabalho híbrido e remoto tenha impactado o setor de lajes corporativas, Piellusch lembra que há oportunidades em fundos que possuem ativos bem localizados e contratos longos com inquilinos de qualidade. Fundos como o Vinci Offices (VINO11) e o Kinea Renda Imobiliária (KNRI11), segundo ele, são destacados por sua estabilidade e renda consistente, resultante da localização estratégica e da qualidade dos contratos de locação.
Os FIIs de recebíveis imobiliários também são considerados atraentes, conforme o professor, especialmente em um cenário de alta de juros. Fundos como o Kinea Rendimentos Imobiliários (KNCR11) e o XP Crédito Imobiliário (XPCI11) apresentam rendimentos atrelados a taxas de juros e índices de inflação, oferecendo proteção contra a inflação e uma renda previsível.
Perspectivas para agosto na Bolsa, FIIs e dólar em três pontos:
- O possível início nos cortes de juros pelo Banco Central americano pode trazer de volta o apetite por risco dos investidores globais. Julho já mostrou sinais positivos com a entrada de investidores estrangeiros após seis meses consecutivos de saída.
- O governo brasileiro tem dado sinalizações mais positivas, mas a credibilidade da implementação do novo arcabouço fiscal ainda é questionada. Notícias favoráveis podem melhorar o sentimento do mercado.
- A última reunião do Copom indicou consenso, e a expectativa é que a trajetória de juros comece a aliviar. Uma redução na taxa Selic pode beneficiar ativos de risco no Brasil.
Fundos Imobiliários (FIIs) e dólar
- Os FIIs, assim como outros setores sensíveis a juros, foram pressionados pela alta nas expectativas de juros. No entanto, com a perspectiva de cortes de juros nos EUA e uma possível estabilização da Selic, o setor pode ver uma recuperação.
- No mercado de câmbio, o dólar tem sido influenciado por fatores globais e incertezas fiscais domésticas. A trajetória do dólar em agosto dependerá em grande parte das decisões do Fed e das sinalizações do governo brasileiro sobre a política fiscal.
Ações promissoras em agosto:
- Empresas de tecnologia e exportadoras: ações de empresas ligadas à tecnologia e exportadoras, como BRF (BRFS3) e Embraer (EMBR3), são vistas como promissoras devido à demanda global e à valorização do dólar.
- Tecnologia: o crescimento global em inteligência artificial impulsionou ações de tecnologia, especialmente no exterior. Especialistas dizem que vale a pena investir em empresas como a Nvidia.
Ações que não são promissoras em agosto:
- Empresas aéreas e educação: a alta nos custos, volatilidade cambial e sensibilidade às taxas de juros afetaram negativamente esses setores.
- Varejo: enfrenta desafios devido a margens reduzidas e volatilidade da moeda, o que exige cautela por parte dos investidores.