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Jane Fraser fala sobre suas prioridades como CEO do Citigroup

A executiva foi nomeada em setembro e se prepara para assumir o cargo em fevereiro de 2021

Jane Fraser fala sobre suas prioridades como CEO do Citigroup
Jane Fraser, que comandava a operação do Citigroup na América Latina assume como CEO global em 2021 (Foto: Erin Scott/Reuters)
  • Em setembro, Jane Fraser foi nomeada próxima CEO do Citigroup Inc., um dos três bancos mais importantes do mundo
  • Ela irá conduzir o banco a partir de fevereiro de 2021
  • Na entrevista, ela fala sobre sua carreira, o futuro das finanças e os planos para conduzir a empresa

(Jennifer Surane/WP Bloomberg) – Em setembro, Jane Fraser quebrou o último teto de vidro do setor financeiro ao ser nomeada a próxima CEO do Citigroup Inc., um dos três bancos mais importantes do mundo. Semanas depois, ela se viu sobrecarregada com o dever de casa regulatório do Federal Reserve dos Estados Unidos e do Gabinete Controlador da Moeda, que disse que o banco deve atualizar sua tecnologia e seus sistemas para melhor gerenciar o risco.

Nascida na Escócia, Fraser, 53 anos, chega ao trabalho com um currículo banhado a ouro: diplomas em Cambridge e Harvard e passagens pelo Goldman Sachs Group Inc. e pela McKinsey & Co. antes de ingressar no Citigroup, em 2004. Ali ela trabalhou sob três CEOs enquanto o megabanco com sede em Nova York enfrentava perdas, aportes financeiros e reposicionamentos estratégicos durante a Grande Recessão e suas consequências. Ela ajudou quando a empresa se desfez de quase metade de seus ativos e cortou dezenas de milhares de empregos, uma experiência que ela diz que a guiará na gestão de desafios futuros.

Tem tantas mulheres incríveis nos serviços financeiros. Elas formam um grupo realmente impressionante, um grupo de apoio. Todos nós temos grandes mentores e apoiadores homens. Tive a sorte de ser a primeira, mas serei a primeira de muitas.

Enquanto se prepara para assumir em fevereiro, Fraser diz que planeja investir em alguns dos maiores negócios do banco, incluindo sua extensa rede de custódia e seu crescente esforço de gestão de patrimônio. Em meados de novembro, com os casos covid-19 se espalhando rapidamente, ela falou por videoconferência de seu escritório em Nova York sobre sua carreira e o futuro das finanças.

Para começar, estou muito curiosa sobre como está sendo para você passar por essa grande mudança de carreira num momento maluco como este. Provavelmente não é o que você esperava.

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É um momento interessante, porque acho que a covid-19 mudou algumas coisas. Com certeza acelerou a digitalização. Mudou as estruturas dos setores de nossos clientes. Está mudando nosso próprio setor mais rápido do que pensávamos que aconteceria. Então você tem que tentar trazer uma nova perspectiva para aquilo em que a empresa estará focada em termos de estratégia, mas também tem que pensar no nosso pessoal, considerando o macroambiente, nessas outras dimensões. Tem sido uma espécie de confluência de bons momentos refletir sobre todas essas coisas.

Leia também: Mulheres e o mercado financeiro: a necessidade de democratizar e equilibrar esse cenário

Mas também acho que foi um período de muitas cisões. Com certeza estamos preocupados com a possibilidade de haver uma recuperação em forma de K depois da pandemia. Os bancos desempenharão um papel muito importante ajudando a impulsionar a recuperação. Prevemos que será um processo bem lento. Com certeza estamos vendo isso no consumidor [bancário]: você tem os “que tem [condições]” e aqueles que estão realmente sofrendo. Acho que vai nesse sentido: quais são os valores do setor? Como ter certeza de que somos parte da solução? Não apenas do ponto de vista do mercado financeiro. Acho que, na última crise, todos nós aprendemos muitas lições sobre o que um banco realmente é e o papel que deve desempenhar.

Então é digital. É humanidade. Obviamente, existe a agenda [ambiental, social e de governança], mas de verdade mesmo – não é só uma plaquinha na parede, nem só declarações bonitas. E Mike [CEO do Citigroup Michael Corbat] me deu um grande presente em termos de um bom momento de transição. Ele tem sido um líder muito íntegro dentro do banco. Seu legado será pensado em [termos de] onde saímos da crise e onde estamos hoje – e tem sido uma coisa notável. É um padrão muito alto. O aprendizado que tive com ele nos últimos meses tem sido muito útil, porque significa que não é uma transição violenta para a empresa.

Gostaria que também pudéssemos voltar e falar sobre sua criação na Escócia. Você é apenas a segunda CEO do Citi nascida fora dos Estados Unidos, depois de Vikram Pandit, que nasceu na Índia. Isto lhe dá uma perspectiva diferente?

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Somos um banco muito global. Somos firmemente americanos, mas também somos muito globais. Escolhi vir morar nos Estados Unidos. Mas, por outro lado, venho com a perspectiva de alguém que viveu em todo o mundo e que viu o que há de bom, de ruim e de feio.

Não acho que faça uma grande diferença para o Citi, porque muitas das carreiras das pessoas no Citi se deram em negócios diferentes em todo o mundo. Vejo a equipe de gestão e, você sabe, é uma verdadeira Organização das Nações Unidas. É uma mentalidade global. A globalização anda com má reputação. Mas há coisas boas e ruins em tudo. Essa mentalidade global é positiva porque não deixa você pensar que tem o monopólio sobre a melhor maneira de fazer as coisas. Você tende a ficar muito curioso sobre a forma como as coisas estão sendo feitas em outros lugares. E este é o cerne da mentalidade da empresa, o que é ótimo.

Você poderia me explicar por que decidiu ingressar no Citi em 2004, vindo da McKinsey?

Acho que foi um conjunto de coisas. Quando virei sócia da McKinsey, durante todos os anos da minha sociedade trabalhei meio período. As crianças eram pequenas, e meu marido também estava no auge do trabalho na carreira. Ele é onze anos mais velho que eu, como sempre gosto de lembrá-lo. Ele diz que isso o torna mais sábio. Naquela época [em 2004], as crianças estavam na escola, com a vida bem organizada, e eu estava pronta para voltar em tempo integral. Eu adorava a McKinsey, mas estava pronta não apenas para aconselhar, mas também para realmente fazer. Eu queria ver se conseguiria fazer, em vez de apenas escrever a apresentação.

E o que adorei no Citi foi essa característica global do lugar. Parecia com a McKinsey – aquela mentalidade global de pessoas do mundo todo, com diferentes pontos de vista, oportunidades e problemas complicados e fascinantes para resolver para os clientes.

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É uma empresa que realmente ajudou outras empresas e indivíduos a crescer globalmente e a acessar mercados globais. O que é realmente único no Citi é que o banco faz tudo isso não apenas nos centros globais, mas também localmente, o que gera um impacto concreto.

E eu vejo isso em diferentes dimensões. Já concedemos [empréstimos] de microfinanciamento a 3 milhões de mulheres em todo o mundo. Está acontecendo no nível básico em países do mundo inteiro, e não é um número que você ouve com muita frequência, mas é um número enorme. Se você quer promover o progresso, muito disso acontece no nível da comunidade e no nível local. E adoro o fato de podermos fazer as duas coisas. Gerar os grandes impactos globais, mas também o impacto local. É um pouco mais silencioso, mas geralmente causa mais impacto em alguns aspectos.

Já concedemos [empréstimos] de microfinanciamento a 3 milhões de mulheres em todo o mundo. Está acontecendo no nível básico em países do mundo inteiro, e não é um número que você ouve com muita frequência, mas é um número enorme.

Que momentos importantes de sua carreira você acha que a prepararam para seu próximo trabalho?

Penso no mundo na época da crise [financeira]. Eu estava na equipe de Gary Crittenden [o então diretor financeiro], com [o atual diretor financeiro] Mark Mason e Sara Wechter, que é chefe de RH. Alguns de nós fazíamos parte daquela crise real em que pensávamos que o sistema estava caindo. Estávamos todos no centro corporativo tentando definir a estratégia e ajudar a conduzir a empresa nesse processo. E vivemos vários momentos seminais.

Eu diria que um deles foi com Vikram. Estávamos numa das grandes salas de conferência da sede antiga, e Vikram está lá. Olhando para o quadro branco, todo colorido de canetinha, tivemos que reconhecer que a empresa tinha falhado em muitas das suas principais missões. Tínhamos esquecido que éramos um banco. Estávamos sentados lá e dissemos: “OK, mas temos algumas coisas extraordinárias no próprio banco, nos ativos e nos negócios”. Ele basicamente disse: “Se vocês estivessem começando do zero, o que tirariam do Citi?”. E foi assim que separamos o Citi do Citi Holdings [a unidade que continha ativos que o banco não queria mais].

Começamos com a base de clientes – as multinacionais – e dissemos que é o que todo mundo quer do Citi. É uma rede sistemicamente valiosa, que fornece gerenciamento de caixa, câmbio, comércio e empréstimos. Seria quase impossível replicar essa plataforma e essa rede global. E basicamente construímos o que a empresa seria a partir daí e, portanto, do que foi para a Holdings. E o que passou para a Holdings foi bem ousado: 48% dos ativos do banco na época, 100 mil funcionários. Eram muitos negócios, alguns dos quais estavam realmente com problemas com a crise financeira, mas outros que eram apenas grandes negócios que realmente não se encaixavam na visão de Vikram sobre o que a empresa deveria ser.

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É uma coisa que sempre tentei trazer comigo – para as hipotecas, para o banco privado quando o administrei, para a América Latina e para o Citibanamex [o banco mexicano do Citi]. Você começa perguntando: qual é a visão do futuro? Como vai ser o crescimento, o retorno e o cliente? E aí você vai resolvendo o resto.

A outra coisa que me definiu foi ser ousada, ser corajosa. Você tem que ser muito decidida, e tomar decisões difíceis, então é muito melhor tomá-las de uma vez. Se não tivéssemos vendido nossa franquia para consumidor na Alemanha, se não tivéssemos vendido nosso grande negócio de imóveis comerciais – fechamos muitos negócios diferentes em 2007 e no início de 2008, e foi graças a Deus, porque, se não tivéssemos vendido, teríamos enfrentado um tempo muito mais difícil quando a crise de fato chegou. Então, aprendi a ser muito mais ousada. Quando você toma uma decisão errada, tem que tomar outra decisão logo depois. Estas realmente eram as duas coisas fundamentais: perguntar sempre qual é a visão e ser sempre ousada. Tomar decisões difíceis. Estou tentando trazer esses mesmos valores e pensamentos para a empresa daqui para frente.

Quando vejo sua trajetória no banco, noto muitas passagens recentes pelo lado do banco ao consumidor. A sua ascensão a CEO nos diz algo sobre onde o Citi está buscando crescimento?

Na verdade, passei a maior parte da minha carreira no Citi. Antes do Citi foi no atacado. Meus primeiros três anos no Citi foram no banco corporativo e de investimentos. Depois fui para o centro corporativo. Depois para o banco privado, que estava na divisão institucional. Daí fui para as hipotecas e, em seguida, para o banco de varejo, que foi minha primeira vez com consumidor. Depois disso, na América Latina, vendemos nossas franquias [de varejo] na América do Sul. Ali estávamos de fato administrando uma grande franquia institucional, embora o Citibanamex seja muito mais varejo, obviamente. Então, na verdade, tenho um foco mais no atacado e no institucional. O mesmo aconteceu quando eu estava na McKinsey. Gostei de aprender mais sobre a franquia de consumidor.

Daqui para frente, será importante observar o universo dos pagamentos. Vi isso na América Latina e em muitas outras regiões quando estávamos digitalizando os clientes de atacado. Veja o exemplo da YPF [estatal argentina], uma grande empresa de petróleo. Estávamos digitalizando o sistema de pagamento, desde a bomba de gasolina até a tesouraria. Mas para isso estávamos começando a trazer um pouco do nosso know-how do lado do consumidor, porque os pagamentos no atacado e no varejo estão convergindo.

Daqui para frente, será importante observar o universo dos pagamentos. Vi isso na América Latina e em muitas outras regiões quando estávamos digitalizando os clientes de atacado.

Então, por ter trabalhado em ambos os lados do negócio, você começa a ver onde estão os pontos de conectividade à medida que observa como a digitalização está mudando. 

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Tenho uma vantagem por ter trabalhado em diferentes regiões do mundo e em diferentes partes do negócio. Quando comecei a trabalhar com hipotecas, não sabia nada sobre o assunto. Uma das coisas que com certeza aprendi foi que você precisa ter ao seu redor uma equipe que saiba mais do que você e que seja formada pelos melhores especialistas no assunto, para depois fazer com que os membros dessa equipe trabalhem bem e floresçam juntos. Agora tenho confiança para fazer isso. Se não for assim, você não terá sucesso.

Gostaria de me aprofundar em sua experiência na América Latina, porque essa foi a função que você ocupou por mais tempo e onde você estava antes de ser nomeada presidente e entrar nesse caminho para se tornar a próxima CEO. Essa etapa parecia um risco para a carreira ou era mais estratégica? Durante um tempo você passou meio despercebida por lá…

Um dos melhores conselhos que já recebi foi: não pense em quais são os empregos que a levarão ao cargo mais alto. Pense nas experiências e nas funções que farão com que você tenha muito mais sucesso quando chegar lá. Quando passei do banco privado para as hipotecas, muitas pessoas se perguntaram por quê. Mas era porque ali iria me expor a riscos diferentes. Eu nunca tinha administrado riscos não seguráveis. Não tinha muita experiência à frente de uma organização mais focada em operações e tecnologia. Não tinha muita experiência regulatória, nem trabalhando com o Capitólio, nem trabalhando com o conselho, com visibilidade nesses lugares.

E, claro, nem com os mercados emergentes latino-americanos. Quando estive na América Latina [de 2015-19], tivemos a crise venezuelana. Não foi fácil negociar com o governo. [Tínhamos que] nos certificar de que nosso pessoal estivesse seguro. Estávamos na Venezuela havia um século e muitas multinacionais dependiam da presença do Citi no país. Superamos a crise na Argentina, que foi uma grande crise financeira. Tivemos a depressão brasileira – os brasileiros tiveram as piores condições econômicas em mais de cem anos.

Na maior parte do tempo que passei no México, o trabalho foi descobrir como pegar o que era um banco icônico, mas contestado, e trazê-lo para uma era muito mais moderna, uma cultura mais moderna, restaurar o orgulho e o propósito por trás da missão. É uma abordagem semelhante ao trabalho que estamos fazendo agora em resposta às ordens regulatórias [dos Estados Unidos]. Qual é a visão do banco? O que poderia deixar este banco muito mais moderno? Como galvanizar a organização em torno da agenda de transformação, em vez de apenas remediar os problemas das ordens? Temos muito apoio dos reguladores e do conselho em relação a isso.

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O que você vem aprendendo com o trabalho que está realizando agora?

Uma das coisas é “telefonar para um amigo”. Sempre ligo para o [CEO] Brian Moynihan, do Bank of America, e a [CEO da divisão de crédito ao consumidor] Marianne Lake, do JPMorgan. Eles passaram por transformações semelhantes. Quando se trata de segurança, solidez e todas essas questões, seremos competidores ferrenhos num negócio ou numa proposta de negócio. Mas, quando é uma coisa boa para todo o sistema financeiro, tem um propósito mais nobre aí. Conversar com eles tem sido muito útil. E ainda tem a [diretora administrativa] Karen Peetz, que vem com uma experiência de fora [como presidente do BNY Mellon Corp. e membro do conselho da Wells Fargo & Co.].

Os investimentos que precisamos fazer para cumprir ordens regulatórias, estamos colocando a régua lá em cima para lidar com eles, para que realmente nos modernizemos para uma era digital e para o mundo pós-covid, onde todas as estruturas do setor terão mudado. Então, muito trabalho em processos de negócios de ponta a ponta, muito trabalho em cultura também.

Nós só falamos em excelência e em como garantir que temos excelência no que fazemos para os clientes, no que fazemos operacionalmente, no que fazemos de uma perspectiva de risco e controle. Então é bom que a régua esteja lá em cima. Mas ela também está em sintonia com a época em que você se livra dos acessórios e se concentra apenas no básico e se certifica de que eles são realmente fortes e deixam as pessoas orgulhosas. O objetivo é este.

Os concorrentes admiram a tesouraria e a rede de soluções de comércio do Citigroup, além do seu modelo de relacionamento com o consumidor nas agências nos Estados Unidos. Quais outras partes do Citi você acha que merecem mais atenção?

Acho que gestão de patrimônio é com certeza uma área que Paco [Ybarra, CEO de clientes institucionais do grupo] e eu temos observado muito de perto. Estamos olhando para a Ásia com Peter Babej, que é nosso parceiro [e CEO de negócios do Citi] na região, e observando o crescimento do patrimônio por lá. O Citi tem uma marca icônica na Ásia, uma marca que inspira as pessoas. As franquias de consumidor, especialmente em Cingapura e Hong Kong, muitas delas giraram em torno de uma proposta de patrimônio.

Temos nosso banco comercial no mundo todo, o que ajuda muito os empreendedores. Hoje existem empresas de US $100 milhões de faturamento que, muitas vezes, estão pensando em várias regiões. Para fazer isso, essas empresas precisam de nossa plataforma e de nossa rede de gerenciamento de caixa, câmbio, etc. E nós as ajudamos. Muitas vezes é onde está sendo criada a fonte de grande parte da riqueza – nos relacionamentos com bancos comerciais e também na divisão institucional. Temos um banco privado de alto nível realmente excelente. Ao olharmos para a riqueza, vemos isso como uma oportunidade de aproximar o consumidor e o negócio institucional neste espaço nos próximos anos. É uma área que consideramos subestimada. Combina com a marca, com a história, com a nossa identidade estratégica de banco. Então você ouvirá novidades sobre isso no futuro.

Outra área é a dos serviços de segurança. Eu vi isso na América Latina. Nossa rede de custódia era extraordinária na região, e muitos de nossos concorrentes usavam nossa rede em todo o mundo. É mais uma coisa pouco valorizada, na qual estaremos investindo bastante. Paco e a equipe têm uma ótima estratégia nesse ponto. O mesmo ocorre com os pagamentos, pois vemos o atacado e o varejo se unindo. Esse espaço B2B2C [business-to-business-to-consumer] é muito interessante para nós.

É interessante quanto o banco de atacado foi influenciado pelas experiências pessoais de banqueiros e clientes…

Estamos discutindo muito a maneira como os espaços estão mudando e como muitas das ligações entre as diferentes partes da empresa também estão mudando. Ironicamente, a covid ajuda. Eu com certeza imagino todo mundo de volta [ao escritório]. Acho que, do ponto de vista da cultura da empresa – aprendizagem, sentimento de pertença – você fica melhor quando está junto com as pessoas. Mas certamente aprendemos que você pode ter muita colaboração em chamadas de Zoom e coisas assim. Tivemos que pensar diferente por causa da covid. Ninguém jamais imaginou que poderíamos ter vinte operadores cuidando do pregão de Nova York cada um trabalhando da sua casa. Isso era inconcebível em janeiro. E, no entanto, era onde estávamos alguns meses depois. Realmente ajudou todo mundo a repensar o negócio, repensar onde estão as oportunidades, repensar as estruturas do setor. Foi um processo muito acelerado. Eu sei o quanto precisei mudar o meu jeito de pensar.

Somos um banco que consegue melhorar as coisas no nível local, bem como impulsionar as grandes ideias globais. Mas, quando você consegue traduzir as coisas para as comunidades locais, é aí que você pode realmente fazer a diferença.

Quem foram seus mentores mais importantes ao longo do caminho?

Vamos começar com Mike, porque ele teve o maior impacto e sem dúvida foi com ele [que eu aprendi] o que o banco representa. Ele com certeza tomou decisões difíceis para acomodar o que era desconfortável na diversidade e na disparidade salarial, e [ele escolheu ser] radicalmente transparente em relação a isso. Ele tem sido um CEO com grandes ambições para o banco, mas isso não tem nada a ver com seu próprio ego. Acho isso muito admirável. Ele faz tudo o que o banco precisa que ele faça.

Já o Vikram, você sabe, ele sempre traz a mentalidade do negociador. Não tinha preferências. Era aquela tomada de decisão objetiva, baseada em fatos sobre coisas concretas. Ele era brilhante nisso. E essa coragem eu aprendi, com certeza. Você não podia nem pensar em entrar na sala dele sem a sua [calculadora] HP-12C, porque ele fazia as contas de cabeça.

Na McKinsey, Lowell Bryan foi um mentor fantástico. Ele liderava o grupo de instituições financeiras e eu trabalhava com ele. Era um cara que realmente me empurrava para fora da minha zona de conforto o tempo todo. Já disse muitas vezes que eu queria estar 120% preparada para tudo, mas isso não gera uma pressão para correr mais riscos.

Quando você é pressionado e dá aqueles grandes saltos, é aí que você aprende mais. E quando você falha ou não faz um trabalho tão bom quanto poderia ter feito, você fica mais à vontade para se recompor e aprender com o erro. Esta é uma das coisas de que mais gosto nos Estados Unidos. Eu queria trazer meus filhos para os Estados Unidos por esse motivo. É aquele negócio: OK, isso não ficou muito bom, então se levante e vá em frente, corra atrás. Eu amo essa característica deste país.

Quando você foi nomeada CEO, veio uma grande manifestação de apoio de todo o setor e além. Houve alguma reação que se destacou para você como particularmente importante ou significativa?

Adorei os pais que dizem que tinham sido suas filhas – ou mesmo suas irmãs ou esposas, mas sobretudo suas filhas – que haviam mandado mensagem para eles dando a notícia. E, você sabe, eu sou uma mãe que trabalha. Tive um marido que me deu um apoio fenomenal – um homem muito paciente, filhos maravilhosos. Mas, apesar de tudo, sou uma mãe que trabalha. E isso só mostra que é possível fazer tudo sem ser uma supermulher. Você pode ser você mesma. E acho que isso é muito importante.

Tem tantas mulheres incríveis nos serviços financeiros. Elas formam um grupo realmente impressionante, um grupo de apoio. Todos nós temos grandes mentores e apoiadores homens. Tive a sorte de ser a primeira, mas serei a primeira de muitas.

Leia também: As mulheres conseguem retornos maiores no longo prazo, diz Órama

Mary Barra [CEO da General Motors Co.] foi ótima e me deu alguns conselhos fabulosos. Tim Ryan, da PwC, tem me dado algumas sessões de coaching nos fins de semana. E não é só porque sou mulher. Há uma certa sensação de “vamos ajudá-la com isso”, o que é um gesto bonito. Acho que isso faz você se sentir positivo sobre o capitalismo, que não se trata só de lucros.

Para encerrar, adoraria ouvir sobre o momento do qual você mais se orgulha em sua carreira.

Um momento que eu realmente amei foi quando implementamos o sistema de QR code para pagamentos no México. Tudo começou como Ernesto Torres Cantú, que era o nosso chefe mexicano na época, dizendo: “tem muita gente aqui que ficou para trás, não faz parte do sistema bancário e está muito desfavorecida”.

Olhamos para a Índia e vimos pelo exemplo de nossa parceira lá – a Paytm e outras – a rapidez com que um sistema baseado em QR code [poderia entrar em vigor]. Bastava um celular. E, naqueles anos, todo mundo já tinha um telefone celular no México, mas nem todos tinham conta em banco. Trabalhando com o banco central mexicano e, em seguida, envolvendo os outros bancos, implementamos um sistema nacional de pagamentos que funcionou muito bem para os bancos. Era uma coisa bem regulamentada. Era justo. E transparente e equitativo. E fez uma grande diferença.

Havia um engraxate que trabalhava na frente do prédio do Citibanamex. Ele foi uma das primeiras pessoas a quem mostramos como colocar o sistema no celular. E, alguns meses depois, ele disse que era roubado pelo menos uma vez por mês quando voltava para casa. Era atacado fisicamente e seu dinheiro era roubado. Mas aí ele disse: “Não sou mais roubado porque tudo está no sistema digital”.

Somos um banco que consegue melhorar as coisas no nível local, bem como impulsionar as grandes ideias globais. Mas, quando você consegue traduzir as coisas para as comunidades locais, é aí que você pode realmente fazer a diferença. E é nesses momentos mais humanos que você entende que isto é o mais importante.

(Tradução de Renato Prelorentzou)

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