- A crise de liquidez ameaça interromper cadeias de suprimentos já estressadas, alimentar a inflação e desencadear falências e resgates
- Hoje, o número de contratos ativos nos contratos futuros de petróleo dos EUA está perto do menor registrado desde 2014
- Alguns comerciantes de petróleo têm se referido ao fenômeno como "liquidez quebrada", e acreditam que a situação irá persistir, a menos que a Rússia ponha fim à invasão à Ucrânia
Em apenas um ano, o otimismo excessivo dos investidores por commodities teve um recuo espetacular. Essa é uma das maiores mudanças em relação à história do mercado de matérias primas.
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Desta vez, oscilações selvagens nos preços ajudaram a estimular uma corrida em busca de saídas do setor, resultando na retirada de US$ 129 bilhões do mercado global de commodities em meados de dezembro– um recorde para qualquer período do ano, segundo a JP Morgan. O êxodo acontece após uma quantia de dinheiro ser derramada no setor nos dois primeiros meses deste ano.
A demanda por petróleo até metais industriais explodiu mais cedo este ano à medida que o mundo saía do confinamento pandêmico e investidores procuravam se proteger contra a inflação.
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Contudo, a invasão da Ucrânia pela Rússia, além de preocupações acerca de uma recessão global, acabaram por transformar as commodities – ativos notoriamente inconstantes, atingidos por variáveis como o clima e desastres causados pelo homem – em apostas perigosas. As commodities também encerraram os anos de 2020 e 2021 com fluxos de saída de investidores.
É uma situação complicada: quanto maior o movimento do preço, mais dinheiro é retirado e as commodities se tornam mais arriscadas. As câmaras de compensação estão aumentando as exigências de garantias para proteção contra inadimplência, enquanto as taxas de juros mais altas estão elevando os custos dos empréstimos, tornando mais caro negociar.
A crise de liquidez ameaça interromper cadeias de suprimentos já estressadas, alimentar a inflação e desencadear falências e resgates.
Isso já está acontecendo na Europa, onde picos extremos no custo da energia levaram a Alemanha, a França e o Reino Unido a nacionalizar serviços públicos em dificuldades, enquanto produtores de alimentos na Holanda temem ser forçados a sair do mercado. Nos EUA, os reguladores foram instados a investigar se os especuladores estão contribuindo para as dramáticas flutuações de preços.
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“O maior problema para investidores e participantes comerciais no mercado tem sido a perspectiva macro. Com as taxas crescentes que vimos, os retornos das commodities precisam aumentar para cobrir o custo crescente de se envolver”, disse Tracey Allen, estrategista de commodities agrícolas da JP Morgan. “Quando temos uma volatilidade tão grande, administrar as margens se torna muito mais caro.”
Hoje, o número de contratos futuros ativos de petróleo dos EUA está perto do menor registrado desde 2014. O open interest no principal mercado europeu de gás natural, que enfrentou um dos picos de preços mais extremos de qualquer commodity, está próximo do menor nível em cerca de quatro anos, embora não faça parte da contagem de fluxos de saída do JP Morgan.
O open interest no trigo negociado em Chicago caiu recentemente para o nível mais baixo desde a crise financeira global de 2008, e a liquidez nos contratos futuros de níquel negociados em Londres caiu perto do nível mais baixo em quase 8 anos.
O recuo ocorre quando as câmaras de compensação de commodities aumentam os requisitos de garantia para máximos históricos para evitar que o risco fique fora de controle. As margens nos contratos futuros de petróleo dos EUA no primeiro mês subiram para US$ 12.000 este ano, igualando os extremos de 2020, quando o petróleo ficou negativo. No final de outubro, eles estavam em torno de US$ 7.500, quase 50% a mais do que no ano anterior.
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No petróleo Brent, referência mundial, as margens são 60% maiores do que no mesmo período do ano passado. As margens para contratos futuros de gás europeu de referência caíram do pico, mas ainda são mais do que o dobro do que eram há um ano.
Ram Vittal, chefe da corretora de contratos futuros Marex Group da América do Norte, lembra-se de uma época em que a Chicago Mercantile Exchange pedia quase US$ 1 bilhão em garantias para cobrir as posições dos clientes da empresa. Mas o mercado mudou tão drasticamente que, em cinco horas, a bolsa transferiu US$ 100 milhões para a Marex porque a garantia não era mais necessária.
Esse tipo de volatilidade está mudando a maneira como os participantes do mercado fazem negócios. A maioria dos traders agora coloca posições muito menores, pois o risco de acabar do lado errado da aposta aumenta. Enquanto isso, alguns traders mudaram do mercado de futuros para o mercado de opções, que normalmente exige menos garantias.
Quando as margens atingiram seu pico no início deste ano, o open interest em algumas opções de nicho de petróleo saltou para uma alta de seis anos, e a atividade geral de opções superou a negociação de contratos futuros.
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As margens “refletem a volatilidade do mercado“, disse Peter Keavey, chefe de energia da CME. “Portanto, eles estão, em algum nível, fazendo seu trabalho, reduzindo a alavancagem geral no sistema e permitindo a participação apropriada.”
Margens mais altas e taxas de juros crescentes estão tornando mais caro para as empresas se protegerem contra as oscilações dos preços das commodities, com a Hess, produtora de petróleo dos EUA, anunciando em outubro que pode atrasar a tomada de posições este ano devido ao custo.
Entre alguns dos maiores hedgers de xisto, apenas 16% da produção de petróleo foi segurada contra oscilações de preços no próximo ano, em comparação com 39% em 2021 e 81% em 2017, de acordo com uma nota de pesquisa do Standard Chartered em novembro.
Mesmo que as empresas tenham dinheiro para apoiar seus negócios, a falta de liquidez significa que não há participantes de mercado suficientes para fechar um grande número de negócios vários meses à frente.
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“Os investidores não se sentem muito à vontade para entrar no mercado”, disse Natasha Kaneva, chefe de estratégia de commodities do JP Morgan, em um evento da Futures Industry Association em Chicago no mês passado.
Até investidores com mais dinheiro estão enfrentando riscos vertiginosos
O Trafigura Group, um dos maiores traders independentes de commodities, viu seu valor em risco – uma medida de quanto a empresa poderia perder em um dia normal de negociação – disparar este ano. No período de seis meses até março, a média da medida foi de US$ 244 milhões, mais de cinco vezes a média do ano anterior.
O valor em risco do Goldman Sachs em commodities também aumentou no segundo trimestre de 2022 – para US$ 63 milhões, o maior já registrado desde pelo menos 2001 e mais que o dobro do que era no auge da pandemia, quando os preços do petróleo ficaram negativos. Os modelos que os bancos e outras empresas usam para prever os movimentos do mercado estão se tornando menos precisos em meio à volatilidade excepcional, de acordo com a pesquisa do Goldman.
“No momento, o posicionamento e o risco parecem mais leves do que vimos historicamente”, disse George Cultraro, chefe de commodities do Bank of America. “O compromisso com o risco realmente precisa estar presente, porque temos essa volatilidade bidirecional, onde às vezes é difícil encontrar razões fundamentais para apoiar alguns desses movimentos.”
Quando um corretor de Nova York em setembro tentou comprar o spread de petróleo Brent do primeiro mês durante uma importante janela de negociação, os preços mudaram tanto ao longo de uma hora que a diferença entre o preço de compra e o preço no qual a negociação foi concluída foi mais de 20 centavos o barril – ou mais de $ 100.000 para a transação total. Embora o aumento tenha beneficiado seu cliente, a mudança surpreendeu o revendedor, que tem mais de duas décadas de experiência.
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Alguns comerciantes de petróleo têm se referido ao fenômeno como “liquidez quebrada”, e acreditam que a situação irá persistir, a menos que a Rússia ponha fim à invasão à Ucrânia. O mercado continua consistentemente em uma estrutura conhecida por contango, indicando um excesso de oferta.
No contango, a participação do mercado tende a aumentar à medida que o volume dos barris que precisam ser cobertos e rolados de mês a mês aumenta, disseram os negociantes.
“Nós esperamos ver uma reconstrução dos tamanhos das posições à medida que o pico de volatilidade da guerra comece a filtrar os modelos de risco”, afirmou Ryan Fitzmaurice, trader e líder em índices de commodities na Marex. “Porém é mais provável que isso aconteça na segunda metade de 2023”, ele complementa.
Mesmo assim, enquanto a volatilidade persistir, os requisitos de garantia provavelmente permanecerão altos e manterão o capital de lado.
“Volatilidade gera volatilidade”, disse Ilia Bouchouev, ex-trader e professora adjunta da Universidade de Nova York. “É um ciclo.”
Alex Longley, Michael Hirtzer e Michael Roschnotti, da Bloomberg, contribuíram para esta reportagem.
Tradução feita por Maria Clara Matos