- Existem fundos de previdência de renda fixa, ações e multimercados
- Risco é ampliado à medida que o fundo concentra mais ativos na bolsa
- Investidor deve manter a calma e seguir perfil de risco
A preocupação com a mudança nas regras da aposentadoria, estabelecida pela aprovação da Reforma da Previdência, resultou em um apetite maior dos investidores para planejar o próprio futuro. Em 2019, as contribuições em previdência aumentaram 23,4% em relação ao mesmo período de 2018, somando R$ 11,5 bilhões, segundo a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi). Naquele momento, o desempenho dos fundos de previdência também era motivo de empolgação: o ganho médio era de 11,1% e tudo indicava que 2020 não seria diferente. Até surgir a crise do coronavírus.
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A pandemia colocou o mercado financeiro de cabeça para baixo e o investidor que olhou sua carteira de fundos previdenciários, principalmente no mês de março de 2020, se deparou com um cenário assustador. Segundo o levantamento feito pela Magnetis Investimentos, dos 1.521 fundos abertos para captação e que já fecharam os dados do 1º trimestre de 2020, 79,7% tiveram resultado negativo e registraram quedas de até 40% na rentabilidade.
Fundos de previdência também têm risco
Um fundo previdenciário funciona da mesma forma de fundo de investimento comum: um grupo de investidores une seus recursos para realizar aplicações e acumular capital. A administração desse capital fica nas mãos de um gestor profissional que decide o risco e em quais ativos o dinheiro será aplicado.
De acordo com Gilvan Cândido, coordenador de MBA de Previdência Complementar da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a principal diferença entre eles é que as taxas de administração são menores, existem regras mais rigorosas quanto à alocação dos recursos e a visão de longo prazo, pensando na aposentadoria.
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A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostra que existem pelo menos 21 tipos diferentes de fundos de previdência, que variam conforme a estratégia dos gestores. Os tipos podem ser agrupados em 3 grandes categorias: renda fixa, em que o investimento é feito em títulos públicos ou privados, fundos de ações, em que pelo menos 67% da carteira deve ser composta por renda variável, e multimercados, que deve ter entre 15% e 67% de recursos alocados em bolsa.
“Quanto maior a porcentagem de renda variável no fundo de previdência, maior será o risco. Isso significa que a possibilidade de perda também é ampliada, principalmente em cenários de alta volatilidade”, diz Cândido.
O cenário tem fundamento. Segundo a Magnetis, dos 10 fundos de previdência com o pior desempenho no primeiro trimestre deste ano, nove são de ações e um de multimercados. O resultado é fruto da crise que confinou populações inteiras em casa, desacelerou a atividade econômica e fez as bolsas ao redor do mundo derreterem. No Brasil, o Ibovespa fechou o 1º trimestre de 2020 com queda de 30%, pior desempenho para o período na história.
“A queda do Ibovespa causada pelo coronavírus afetou praticamente todas as ações”, diz Ana Carolina Barroso, gerente de produtos da Ágora Investimentos. “Portanto, os fundos de previdência com maior concentração nesse tipo de ativo também acompanharam a queda.”
Além das ações, os fundos multimercados – que têm maior possibilidade de mesclar recursos e se proteger dos riscos da bolsa – também foram impactados e tiveram desempenho negativo no período.
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Para Barroso, o otimismo com a economia construído no final do ano passado foi o motivo que levou vários gestores de fundos multimercados a fazerem alocações maiores em bolsa. Ainda em janeiro, antes da crise estourar, o Ibovespa chegou aos 119 mil pontos. Essa também é a opinião de Vinicius Cruz, diretor financeiro da Bradesco Seguros. “Os fundos que tiveram ganhos mais expressivos no ano passado são os que mais caíram agora”, diz.
A visão dos especialistas se traduz nos números: os fundos previdenciários com queda superior a 30% na rentabilidade entre janeiro e março de 2020, tiveram, em média, 7,75% de rendimento positivo no mesmo período do ano passado.
A renda fixa também sofre
Apesar de menor exposição ao risco e performance mais estável, nem todos os fundos de renda fixa conseguiram se salvar e fechar o trimestre com bom desempenho. Mas os motivos são outros. O pânico no mercado fez os juros futuros fecharem em alta, o que fez cair o preço dos títulos prefixados, assim como os papéis ligados à inflação. Fundos de previdência de renda fixa com muitas posições em crédito privado também sofreram.
“Com o risco das empresas em alta por conta da crise, muitos investidores decidiram vender os papéis, então os títulos de crédito foram reprecificados para baixo por uma relação de oferta e demanda”, explicou Marcelo Romero, diretor de investimentos da Magnetis.
A queda dos fundos mais conservadores pegou muitos investidores de surpresa, principalmente os menos experientes. “Muitos ainda acham que é impossível perder dinheiro na renda fixa”, diz Marcelo Flora, sócio responsável pelo BTG Pactual. Entre os planos previdenciários de renda fixa do BTG Pactual, a maior queda no trimestre foi de 12,37%, em um fundo com maior parte dos ativos atrelados à inflação. A maior alta foi de 0,97%, em um fundo composto por Tesouro Selic.
Nem todo mundo se deu mal
Alguns ainda sobrevivem ao caos. O fundo com a melhor performance do trimestre foi um multimercado do Itaú, com alta de 8,73%. A carteira é 99,89% formada por títulos públicos e com posições compradas em dólar. É importante lembrar que a moeda estrangeira se valorizou 15,92% ante o real somente no mês de março. “Esse foi um dos poucos ativos que tiveram uma alta significativa no período”, diz Romero, da Magnetis.
As aplicações de renda fixa com maior investimento em pós-fixados também conseguiram manter rendimento estável. “Os gestores mais pessimistas se expuseram menos ao risco e tiveram menos prejuízo”, afirma Barroso, da Ágora.
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Diante de um ambiente recheado de incertezas, a tendência é que grande parte dos fundos que tiveram queda reavalie seus ativos. “Agora é hora de diversificar os investimentos, encurtar as posições em renda fixa e em ações e olhar para empresas que possam ter colchão de liquidez e mais capacidade de enfrentar a crise”, alerta Marcelo Toledo, Superintendente da Bradesco Asset Management (Bram).
Recomendações ao investidor
Apesar do trimestre difícil para a maioria dos fundos previdenciários, a principal recomendação é evitar desespero e decisões precipitadas. Não é o fim da sua aplicação de previdência, mas é uma boa hora para reavaliar o perfil de risco.
“Passamos por um período de crescimento e otimismo, então o risco saiu do radar do investidor comum”, diz Cruz, da Bradesco Seguros. “O problema é que o risco nunca deixa de existir, e quando ele vem, os impactos são bastante severos.”
Para Cândido, da FGV, a previdência é quase como uma poupança de longo prazo. “Os investidores não devem ficar nervosos com oscilações do mercado em períodos curtos, a tendência é que os preços se recuperem”, diz ele. Essa é a mesma recomendação do sócio do BTG. “Não é o melhor momento de abrir mão dos fundos de previdência. Eles são mais benéficos no longo prazo”, afirma Flora.