A recente mudança na presidência da Vale (VALE3) começa a gerar especulações no mercado sobre possíveis alterações na estratégia de distribuição de dividendos da companhia. Com Gustavo Pimenta assumindo a liderança no lugar de Eduardo Bartolomeu, em 1º de janeiro de 2025, investidores e analistas estão atentos para entender se o novo comando trará mudanças na política financeira da empresa.
Segundo Victor Bueno, analista da Nord Investimentos, ainda é cedo para qualquer conclusão definitiva. Até o momento, não houve nenhum pronunciamento oficial de Gustavo Pimenta ou de outros membros da companhia sobre possíveis impactos na política de dividendos ou nos investimentos.
A política atual de dividendos da Vale estabelece a distribuição de 30% do Ebitda ajustado, que representa o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, pelos investimentos correntes, uma estratégia que a empresa vem mantendo de forma conservadora nos últimos tempos.
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Desde 2021, Pimenta atua como vice-presidente executivo de finanças e relações com investidores na Vale. Nessa função, ele também é responsável por temas estratégicos como suprimentos, energia e descarbonização. Entre os principais desafios que enfrenta em seu cargo atual estão a definição e implementação de estratégias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, tanto diretas quanto indiretas, em 33% até 2030.
Além disso, Pimenta lidera iniciativas para melhorar a eficiência e a produtividade da Vale, com o objetivo de garantir a melhor alocação de capital e o sucesso dos negócios da empresa. Ele também gerencia um portfólio global que inclui mais de oito mil fornecedores, assegurando a continuidade e a sustentabilidade das operações da mineradora. “A princípio, até por ser um rosto conhecido dentro da empresa, a gente acredita que não vai ter nenhum tipo de mudança”, diz Bueno.
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No entanto, o analista alerta para possíveis variações no montante final dos dividendos da Vale distribuídos aos acionistas, que podem ser influenciadas por alterações nos resultados financeiros da empresa. “Se a Vale adotar uma postura um pouco mais agressiva em termos de investimento, principalmente em aumento de produção, não só em minério de ferro, mas também em metais de transição energética, como cobre, a gente poderia ter impactos no montante final da distribuição de proventos”, explica.
Além disso, o estrategista ressalta que o resultado financeiro da Vale, vinculado ao preço do minério de ferro, também pode afetar o valor distribuído. “Se o resultado cair, principalmente por conta do que pode acontecer com o preço do minério de ferro, teríamos alterações no montante, mas não necessariamente na política de dividendos”, afirma.
Para que haja uma mudança na política de distribuição de dividendos, seria necessária, segundo ele, uma modificação de rota consideravelmente agressiva por parte da Vale. “É uma política conservadora, que a companhia está conseguindo manter nos últimos tempos. Não vejo mudanças significativas, seja em dividendos, seja em investimentos. E, caso aconteça alguma mudança, os executivos se pronunciariam a respeito”, finaliza Victor Bueno.
A opinião é compartilhada por João Daronco, analista da Suno Research, que acredita que o perfil do novo CEO não deverá alterar significativamente a estratégia de dividendos da Vale. “Eu acho que o perfil do Gustavo Pimenta não deve fazer a Vale pagar mais dividendos. Isso é uma questão muito mais estrutural do que conjuntural”, comenta Daronco, enfatizando que a companhia já vinha adotando uma postura mais conservadora antes mesmo da mudança de liderança.
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Daronco aponta também para a falta de uma demanda robusta que justificasse uma expansão significativa da produção, o que reforça a manutenção da política atual. “Acho que não tem tanto espaço assim para expandir produção, principalmente por conta da demanda. A demanda não está tão pulsante”, observa.
Diante desse cenário, a expectativa de Daronco é de continuidade na estratégia de dividendos da Vale. “Na minha visão, a companhia deve continuar pagando os dividendos como ela já vinha fazendo. Então, nada muda dentro da Vale na questão de dividendos. A companhia deve continuar distribuindo boa parte dos seus lucros”, conclui.
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Além dos dividendos: os desafios para o novo CEO
Além da questão dos dividendos, a Vale enfrenta desafios estratégicos importantes sob a nova liderança de Gustavo Pimenta. Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, destaca que um dos principais desafios é resolver as pendências financeiras relacionadas ao desastre de Mariana. “O primeiro desafio agora é Mariana. A Vale se propôs a pagar R$ 140 bilhões em 20 anos, enquanto o governo apresenta 64 bilhões em 2 anos. Acho que esse é o desafio 1 para tirar da frente”, afirma Arbetman.
Outro desafio mencionado por Arbetman é a adaptação da Vale à nova realidade econômica da China, um dos principais mercados da companhia. “A China está mudando seus drivers de crescimento, saindo de uma economia de real estate, infraestrutura, para o terceiro setor. Isso demanda uma forma diferente de atuação para as mineradoras. Não adianta crescer a qualquer custo”, explica.
Arbetman também menciona que a escolha de Pimenta como CEO sugere uma continuidade na estratégia que a empresa vinha adotando, sem uma guinada brusca na direção. “A Vale tinha três caminhos para seguir. Ela poderia continuar o trabalho que vinha sendo feito, escolher um nome alinhado ao governo, ou trazer alguém de fora. A escolha por Pimenta, um membro que já estava na empresa desde o final de 2021, sugere continuidade”, analisa.
Quem é Gustavo Pimenta?
O conselho de administração da Vale escolheu Gustavo Pimenta, de 46 anos, na segunda-feira (26), para ocupar a presidência da mineradora, substituindo Eduardo Bartolomeo. Pimenta, que era o vice-presidente financeiro da companhia, foi eleito por unanimidade.
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Essa decisão encerra um processo de sucessão marcado por controvérsias, que incluiu tentativas de influência política por parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pressionou para a nomeação de Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda. A seleção de Pimenta foi resultado de uma análise de uma lista com 15 candidatos, fornecida pela consultoria internacional Russell Reynolds, contratada pela Vale para ajudar na escolha do novo presidente.
Apesar de não estar originalmente na lista, Pimenta foi considerado devido à possibilidade de nomeação interna. Ele disputava o cargo com Marcelo Spinelli, vice-presidente de Soluções de Minério de Ferro. “Estamos muito satisfeitos e confiantes com a escolha de Gustavo Pimenta para liderar a Vale”, afirmou Daniel Stieler, presidente do conselho de administração, em nota oficial.
Stieler destacou que Pimenta possui as qualificações necessárias para iniciar um novo ciclo de crescimento para a empresa, alinhado com os objetivos da Vale e com potencial para gerar valor para todas as partes interessadas.
A preferência por uma solução interna foi apoiada por alguns membros do conselho, incluindo André Viana, representante dos trabalhadores, que negociou com outros conselheiros e agentes externos, incluindo representantes do governo.
Pimenta ingressou na Vale em 2021, após passagens pela empresa de energia AES e pelo Citigroup. Ele é economista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais e possui mestrado em finanças e economia pela Fundação Getulio Vargas.
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Entre os desafios imediatos de Pimenta estão a conclusão do acordo de reparação às vítimas do desastre de Mariana (MG), que tem sido fonte de tensões com o governo. Ele assume a Vale em um momento difícil para o mercado de minério de ferro, que registrou uma queda de um terço em seu valor neste ano.
Para o futuro, a Vale planeja expandir suas operações em metais básicos, concentrando-se na mineração de matérias-primas como cobre e níquel, essenciais para a transição energética.
Na nota divulgada pela Vale, Eduardo Bartolomeo afirmou que Pimenta tem competência reconhecida e está comprometido com a empresa. “Acredito que, sob a liderança de Gustavo Pimenta, a Vale continuará sua trajetória rumo à liderança em mineração sustentável e na criação de valor para todos os stakeholders.”
O mandato de Bartolomeo terminaria em maio, mas foi prorrogado em março para permitir a escolha de um novo presidente. Inicialmente, ele ficaria na empresa até dezembro para facilitar a transição.
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Bartolomeo tentou ser reeleito, mas enfrentou oposição de conselheiros próximos ao governo. Na reunião que decidiu sua saída, apenas dois dos 13 membros do conselho votaram a seu favor.
Durante o processo de sucessão, a Vale enfrentou críticas do governo e de aliados. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou a afirmar que a empresa estava “sem liderança” e ameaçou com sanções caso não fosse concluído o acordo de Mariana (MG).