- A fraude bilionária na Americanas (AMER3), descoberta pelo mercado em janeiro de 2023, agora é caso de polícia
- Ex-diretores da companhia foram surpreendidos na manhã desta quinta-feira (27) pela Polícia Federal em uma operação que está investigando a suposta participação deles nas fraudes contábeis de R$ 25,3 bilhões
- Relembre a história, que explodiu em 2023, levou a companhia a um processo de recuperação judicial e deixou um rastro de perdas financeiras irreparáveis na Bolsa
Ex-diretores da Americanas (AMER3) foram surpreendidos na manhã desta quinta-feira (27) pela Operação Disclosure, da Polícia Federal (PF) em colaboração com o Ministério Público Federal (MPF) que está investigando a suposta participação dos antigos executivos da varejista nas fraudes contábeis de R$ 25,3 bilhões descobertas em janeiro de 2023.
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Os agentes vasculharam 15 endereços ligados a ex-dirigentes da companhia no Rio de Janeiro e tinham ainda duas ordens de prisão preventiva, contra o ex-CEO Miguel Gutierrez e a ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali. Os mandados, no entanto, não foram executados em razão de os alvos estarem no exterior. Veja detalhes da operação nesta reportagem do Estadão.
O rombo bilionário nas contas da Americanas é considerado uma das maiores fraudes em uma empresa de capital aberto da história do Brasil. A história veio a tona na noite do dia 11 de janeiro de 2023, após o fechamento do mercado, quando a companhia publicou o seguinte fato relevante:
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“Americanas S.A. vem comunicar aos seus acionistas e ao mercado em geral que foram detectadas inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta fornecedores realizados em exercícios anteriores, incluindo o exercício de 2022. Numa análise preliminar, a área contábil da Companhia estima que os valores das inconsistências sejam da dimensão de R$ 20 bilhões na data-base de 30/09/2022. A Companhia estima que o efeito caixa dessas inconsistências seja imaterial”, informava a empresa, em fato relevante assinado por Sérgio Rial e André Covre, que haviam sido empossados há dez dias como CEO e diretor financeiro da companhia. No documento, os executivos também anunciavam suas renúncias após cerca de dez dias nos cargos.
O problema identificado estava no descasamento de operações de risco-sacado não registradas ou registradas incorretamente. Também conhecido como “forfait”, trata-se de uma operação em que uma empresa recebe os produtos ou serviços de um fornecedor de forma antecipada ao pagamento. Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), nessa modalidade de antecipação de recebíveis a companhia vendedora emite uma fatura que contempla o prazo a ser financiado pelo banco, porém não reconhece em sua contabilidade a venda pelo valor presente – com isso, consegue apresentar um Ebitda maior.
Quando o rombo bilionário foi informado ao mercado, na noite do dia 11 de janeiro de 2023, esse descasamento já estaria ocorrendo há pelo menos sete anos.
O buraco nas contas da companhia levou a Americanas ao precipício: a varejista foi obrigada a entrar em um processo de recuperação judicial para renegociar as dívidas com os credores, enquanto viu suas ações dissolverem na Bolsa até valerem os atuais poucos centavos. E, nessa, levou todos os seus investidores junto.
Quem tinha AMER3 na carteira naquele janeiro de 2023 viu o portfólio derreter para não voltar a se recuperar. Nesta reportagem especial premiada feita pelo E-Investidor, mostramos como a fraude na varejista introduziu acionistas ao risco de ruína financeira. Um investidor, um barman que tinha Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira – que juntos eram os acionistas controladores da Americanas – como “gurus”, perdeu mais de R$ 91,9 mil com a derrocada das ações. Um outro, que opera no mercado financeiro de forma autônoma há 15 anos, perdeu R$ 158 mil.
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Até hoje, o mercado vê as ações da companhia com ceticismo. Como mostramos nesta reportagem, quando a fraude completou 1 ano, todos os analistas que cobriam a companhia colocaram a recomendação sob revisão.
Cronologia: da descoberta da fraude ao início da recuperação judicial da Americanas
11 de janeiro de 2023
A companhia comunica ao mercado, via fato relevante, a descoberta de “inconsistências contábeis” na casa de R$ 20 bilhões. A notícia veio acompanhada dos pedidos de demissão de Sérgio Rial e André Covre, CEO e CFO da companhia, que tinham assumido o cargo logo antes, no dia 1 de janeiro.
12 de janeiro
No primeiro pregão após a divulgação do fato relevante, as ações da Americanas cedem 77,33%, saindo de R$ 12 para R$ 2,72. Naquele dia, a varejista perdeu R$ 8,37 bilhões em valor de mercado.
13 de janeiro
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A Americanas vai à Justiça solicitar uma “medida de tutela de urgência cautelar”, declarando que as dívidas não eram de R$ 20 bilhões como anteriormente anunciado, mas de R$ 40 bi. A medida suspendia a possibilidade de um bloqueio, sequestro ou penhora de bens da empresa, assim como adiava a obrigação de pagamento de dívidas até que um pedido de recuperação judicial seja feito.
17 de janeiro
A Americanas anuncia a contratação de Camille Loyo Faria como nova CFO (Diretora Financeira) e DRI (Diretora de Relações com Investidores) da empresa. Na Oi (OIBR3), a executiva atuou na elaboração e aprovação do plano de recuperação judicial da empresa.
19 de janeiro
A companhia entrou com o pedido de recuperação judicial na Quarta Vara Empresarial do Rio de Janeiro, declarando dívidas na casa de R$ 43 bilhões.
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20 de janeiro
Em reação ao pedido de recuperação judicial, a AMER3 bate os R$ 0,79 na Bolsa, deixando a composição da carteira teórica do Ibovespa.
17 de maio
A Câmara de Deputados instala uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as inconsistências contábeis na Americanas.
13 de junho
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A Americanas admite, via fato relevante, a fraude na companhia. Uma investigação conduzida internamente pela empresa apontou que diversos contratos de verba de propaganda cooperada (VPC), que são incentivos comerciais utilizados no varejo, foram artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais da varejista.
No total, essa manobra reduziu em R$ 21,7 bilhões a dívida da empresa com fornecedores.
A investigação interna aponta ainda a participação da antiga diretoria na fraude. Sete pessoas foram identificadas: o ex CEO Miguel Gutierrez, os ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, além dos ex executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.
No mesmo dia, o trio de acionistas de referência da varejista, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, fecham um acordo para ficar sem vender as ações da empresa por três anos. Por causa disso, a AMER3 disparou 12% na Bolsa.
21 de julho
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No último dia do prazo, o BTG Pactual (BPAC11) e o Santander Brasil (SANB11) apresentaram objeções ao plano de recuperação judicial da Americanas (AMER3), na justiça do Rio de Janeiro.
As defesas dos dois bancos argumentam que o plano não garante a viabilidade das operações da companhia e questionam o valor do aporte proposto pelos três acionistas de referência.
27 de setembro
Chega ao fim a CPI das Americanas, aberta para investigar uma possível fraude na empresa. O relatório final, com 18 votos favoráveis e 8 contrários, foi aprovado sem indicar possíveis culpados pelo rombo contábil da empresa. Na Bolsa, as ações reagiram mal, cedendo 4,17% no pregão.
09 de novembro
A B3 suspende por tempo indeterminado a Americanas (AMER3) da listagem de Novo Mercado, uma listagem de empresas da Bolsa com o mais elevado padrão de governança corporativa. Esta é a primeira vez que uma sanção nesta categoria é aplicada a uma companhia brasileira de capital aberto.
No mesmo dia, a B3 ainda multou 22 membros da Americanas, considerados responsáveis por não demonstração da existência da área de auditoria interna.
19 de dezembro
Plano de recuperação judicial da companhia é aprovado pelos credores com mais de 90% de apoio. Ficou acordado um aumento de capital total de R$ 24 bilhões. Desses, R$ 12 bi devem vir do trio de acionistas de referência, composto por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira; a outra metade será em conversão da dívida com demais credores, incluindo os bancos, em ações da Americanas.
20 de dezembro
As ações da Americanas sobem 5,56% no pregão, apoiadas na aprovação da RJ.