- A maior demanda dos chineses por commodities metálicas e proteínas alimentou, principalmente na virada de 2020 para 2021, o desempenho de ações de grandes exportadoras na B3
- Mas o preço do minério de ferro negociado em Singapura desabou 24% somente neste mês, na esteira das restrições do governo Xi Jinping à produção de aço no país
- Paralelamente, os riscos em torno do possível calote bilionário da maior incorporada imobiliária da China, a Evergrande, alimentam receios sobre um efeito cascata na economia
Desde o início da pandemia, a China era apontada como principal benchmark quando o assunto era recuperação econômica. A maior demanda do país por commodities metálicas e proteínas alimentou o desempenho de ações de grandes exportadoras na B3, principalmente na virada de 2020 para 2021.
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“A China, como se sabe, foi a primeira a entrar na pandemia e a primeira a sair”, afirmou Mauro Morelli, estrategista-chefe da Davos investimentos. “Foi o primeiro país a colocar fortes incentivos para segurar a economia durante a pandemia e a primeira a retirar. Podemos dizer que o momento econômico da China é o futuro das outras economias, principalmente nos países europeus.”
Entretanto, a euforia inicial já mostra sinais de enfraquecimento. O preço do minério de ferro negociado em Singapura desabou 24% somente neste mês, na esteira das restrições do governo de Xi Jinping à produção de aço no país. Com isso, os papéis da Vale (VALE3) registraram queda de 13% em setembro, chegando ao patamar de R$ 85. Em maio, os papéis da mineradora atingiram o pico, aos R$ 120, e figuravam entre as principais recomendações de compra de instituições financeiras.
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O banco suíço UBS era uma delas. Porém, na última sexta-feira (17), a instituição rebaixou os ADRs (papéis negociados em Nova York) da companhia de compra para venda, tendo a diminuição da demanda chinesa pelo insumo como plano de fundo. Na última semana, mais uma notícia vinda do mercado chinês impactou as bolsas de valores: a Evergrande, segunda maior incorporadora imobiliária do país, estaria perto de dar um calote de US$ 300 bilhões em dívidas e a possível falência passou a ser mais uma grande preocupação dos investidores.
Na segunda-feira (20), o Ibovespa fechou em queda de 2,3%, aos 108.843,74 pontos, em função do temor global com as consequências de uma ‘quebra’ da companhia chinesa. Em Hong Kong, as ações da Evergrande cederam 10,24%, o menor nível em 11 anos.
Agora, o mercado segue de olho para as dívidas da companhia que vencem nesta semana e nos movimentos do Partido Comunista chinês para solucionar o caso. Na terça-feira (21), as Bolsas reagiram ao “risco China”, com os investidores confiantes em uma reestruturação dos débitos da incorporadora e no ‘socorro’ do governo chinês à empresa, enquanto os papéis da Evergrande caíram 0,44% no pregão. O Ibovespa fechou em alta de 1,29%, aos 110.249,73 pontos.
Entenda os três principais preocupações dos investidores em relação à China.
1 – Normalização da economia
Depois de um início pujante de reabertura, a economia da China volta para um ritmo menos acelerado de crescimento. “Isso já estava fazendo os mercados ficarem menos otimistas com o país”, afirma Gustavo Cruz, estrategista da RB investimentos. A desaceleração atinge em cheio as exportadoras brasileiras, que são altamente ligadas ao mercado chinês.
Além da Vale, que tem a maior fatia do Ibovespa, a CSN Mineração (CSNA3) e Usiminas (USIM5), por exemplo, estão diretamente expostas ao risco-China e pressionam o principal índice de ações de B3 para baixo. Em termos de recomendação, alguns analistas mantém a indicação de compra, mas outros especialistas já começam a mudar para a venda, afirma Fernanda Melo, sócia da HCI invest.
2 – Intervenção do governo e queda do minério
Outro ponto é que a China está interferindo mais no setor privado e regulando as empresas, em especial as de grande porte. O Partido Comunista, que controla o país, decidiu intervir nas big techs chinesas, temendo que os dados de usuários coletados por essas companhias digitais sejam repassados ao exterior ou utilizados de maneira indevida.
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Além da cruzada contra as gigantes de tecnologia, o governo chinês impôs limitações à atuação de companhias do segmento de educação. As medidas adicionaram incerteza aos mercados e fizeram as bolsas desabarem no final de julho.
Agora, os representantes chineses impõe restrições às siderúrgicas, sob a justificativa de preocupação com o impacto ambiental. Supostamente, a intenção é diminuir o uso do aço, que é altamente poluente. “A China vem fechando as plantas de produção de aço que estão fora do padrão ambiental. Além disso colocaram tarifas de exportação para o aço chinês, ou seja o aço produzido lá não pode ser exportado”, explica Melo.
Com os maiores obstáculos à atuação das companhias de siderurgia, o preço do minério de ferro (matéria-prima do aço) caiu de US$ 220, em junho, para US$ 100 a tonelada, enquanto os preços do aço sobem com a crise de oferta.
3 – Crise na Evergrande
A notícia de que a Evergrande, maior incorporadora imobiliária da China, poderia dar um calote nas dívidas de US$ 300 bilhões assustou o mercado. A possibilidade de não pagar suas obrigações foi apontada pela agência de classificação de riscos Fitch, o que levantou dúvidas sobre uma possível falência da companhia.
A Evergrande, além de ser uma das maiores do ramo na Ásia, também tem o título de incorporador imobiliária mais endividada do mundo e seu colapso financeiro poderia prejudicar todo o sistema econômico. Na prática, instituições financeiras e milhares de investidores, domésticos e estrangeiros, ficariam com grandes prejuízos caso a companhia entrasse em falência.
O esperado é que o governo chinês ajude a reestruturar a dívida da empresa, justamente para evitar uma quebra de cadeia. “Primeiro vão se encontrar em resgates de credores, principalmente empreiteiros e fornecedores não pagos, e quem pagou imóveis e ficou sem receber”, afirma Rafael Bombini, especialista em renda variável da EWZ Capital, assessoria de investimentos filiada ao BTG Pactual.
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O episódio do Evergrande trouxe de volta o fantasma da grave crise do Subprime, em 2008, desencadeada pela quebra do Lehman Brothers. Um dos maiores e mais antigos bancos de investimentos americanos até então, a instituição veio à falência quando a bolha imobiliária americana estourou.
“As preocupações são legítimas, mas comparações com a Lehman Brothers parecem exageradas. É possível que haja um problema de crédito com a empresa Evergrande, vai ter um impacto setorial importante na China, mas que não deve causar efeito colateral forte ou sistêmico, como na crise de 2008 e 2009”, explica Mauro Morelli, estrategista chefe da Davos investimentos.