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Lockdown e incerteza na China afetam projeções do Ibovespa. Entenda

Enfraquecimento econômico do país asiático impacta demanda por commodities e ações de empresas do segmento

Lockdown e incerteza na China afetam projeções do Ibovespa. Entenda
Xi Jinping disse que “todos os esforços” devem ser feitos para impulsionar o setor de construção civil. Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins
  • A condução da pandemia feita pelo partido comunista chinês levanta polêmica, não só pelas severas restrições, mas pelos possíveis impactos nos mercados globais
  • Para tentar manter o ritmo da economia e entregar os 5,5% de crescimento do PIB prometidos, o presidente da China adotou um novo pacote de incentivos para a construção civil no país
  • Cerca de 30% do Ibovespa é composto por empresas ligadas a commodities; desaceleração na economia da China pode impactar os resultados por aqui

(Jenne Andrade e Luíza Lanza) – Xangai é a maior cidade da China e possui pelo menos 25 milhões de habitantes – número duas vezes maior do que a população residente na cidade de São Paulo. A megalópole é um importante centro financeiro global, de onde são exportados produtos para o mundo inteiro por meio dos portos localizados na região.

Entretanto, desde o começo de abril, o núcleo comercial se tornou quase uma cidade fantasma. No dia 13, o país registrou recorde na taxa de contaminação por covid-19, com 27 mil novos casos em um único dia, de acordo com a agência de notícias oficial da China, a Xinhua. Por causa disso, cidades chinesas passaram dias sem ninguém nas ruas.

Enquanto parte do mundo encerra as restrições adotadas durante o auge da pandemia, o governo chinês, seguindo a implacável política de ‘covid zero’, voltou a impor lockdowns rigorosos aos moradores. A medida ajudou a diminuir a taxa de transmissão da covid-19 no país, mas deixou como efeito colateral o risco de desaceleração da economia e coloca o Ibovespa em uma conjuntura desafiadora pela baixa das commodities e possível menor crescimento do mundo.

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Os PMIs da China (Índices de gerentes de compras) divulgados na madrugada de sábado (3), ilustram bem o cenário. Os números mostraram uma desaceleração do setor de produção e de serviços, atingindo os menores níveis desde fevereiro de 2020.

Marcelo Oliveira, CFA e fundador da Quantzed, empresa de tecnologia e educação financeira para investidores, explica que as restrições na China podem acarretar uma desaceleração econômica global, e esse risco não deve ser descartado enquanto a situação não for normalizada por lá. “Enquanto o mercado não tiver previsibilidade de um final para isso, o ambiente vai continuar volátil e cheio de incertezas”, diz ele.

E a China também já percebeu que vai precisar se esforçar para compensar o tempo perdido e conseguir entregar – ou ao menos se aproximar – da promessa de crescer 5,5% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano.

O presidente Xi Jinping disse em reunião com autoridades no dia 26 de abril que a infraestrutura da China ainda é incompatível com a necessidade de desenvolvimento e, por isso, “todos os esforços” devem ser feitos para impulsionar o setor de construção civil. A chamada é uma tentativa do governo chinês de aumentar a demanda doméstica e manter o crescimento do país, apesar das paralisações causadas pelo lockdown, o que pode ser um ponto chave para impedir uma desaceleração econômica local.

Hsia Hua Sheng, professor da FGV EAESP, acredita que a paralisação da economia da China será algo de curtíssimo prazo e que no segundo semestre o país voltará ao caminho do crescimento. Além de estímulos ao setor de construção, o especialista acredita que a recuperação virá por meio do consumo interno, fomentado pela política de redistribuição de renda, a ‘common prosperity’ (prosperidade comum).

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Na Genial Investimentos, porém, a perspectiva é um pouco mais negativa, com a expectativa de que o resultado do PIB seja de aproximadamente 4%. “Mas se Xi Jinping realmente conseguir colocar em prática o que vem mencionando, é um bom sinal e o mercado recebe isso de braços abertos”, aponta Gabriel Tinem, analista de mineração e siderurgia.

Mesmo que a possibilidade de desaceleração econômica da China seja ruim para a economia global, há quem veja com certa desconfiança os estímulos adotados pelo governo. Roberto Dumas, economista e professor do Insper, acredita que o gigante asiático tem uma trilha mais difícil pela frente.

“Para tentar melhorar a economia chinesa, eles vão ter que investir em infraestrutura e ativos imobiliários, mas foi justamente isso o que levou à crise da gigante Evergrande. Vão fazer de novo o errado?”, ressalta. “A China não vai crescer 5,5% como preconizado pelo partido comunista chinês”.

Os lockdowns

Em 25 de abril, a bolsa de Xangai chegou a cair 5,13%, repercutindo os temores de uma desaceleração econômica em função dos fechamentos. Foi o pior dia desde 3 de fevereiro de 2020, quando a bolsa chinesa recuou mais de 7%, no início da pandemia.

Atualmente, o porto de Xangai sofre congestionamento de containers, resultado, segundo Dumas, de uma falta de logística terrestre por conta dos isolamentos. Isso significa que existem menos caminhões circulando pelas cidades para transportar os produtos de exportação até as estações portuárias.

“E aquele caminhoneiro que consegue rodar tem que parar de cidade em cidade para fazer testagem. Fica aquela letargia no transporte dos produtos. Os containers ficam esperando no porto e os produtos não chegam. Os que chegam, por vezes, não podem ser descarregados porque o porto está fechado. Isso prejudica a cadeia de suprimentos do mundo inteiro”, explica Dumas.

Impacto global

O resultado do congestionamento nos portos chineses é o aumento da inflação no mundo, na esteira da diminuição da oferta de insumos. O enfraquecimento econômico do gigante asiático também pode fazer com que os preços das commodities caiam, uma vez que o país é um dos maiores importadores mundiais dessas matérias-primas, principalmente de produtos agrícolas e metálicos.

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É importante lembrar que o Brasil é exportador de commodities e tem a China como principal parceiro comercial; por causa disso, deve ser afetado. As empresas ligadas aos insumos primários têm participação de cerca de 30% no Ibovespa. Deste percentual, 15,03% é somente a fatia pertencente aos papéis da mineradora Vale (VALE3).

A empresa é diretamente impactada pela flutuação do preço do minério, que vem sofrendo com o temores em relação aos impactos dos lockdowns na economia chinesa.

Gabriel Tinem, analista de mineração e siderurgia da Genial, explica que não somente a companhia, mas as siderúrgicas Gerdau, Usiminas e CSN também tiveram baixas no mês passado– e as incertezas com a economia chinesa são o principal motivo.

Em abril, VALE3, GGBR4, USIM5 e CSNA3 desvalorizaram 12,88%; 9,22%; 19,04%; e 19,05% respectivamente. Neste início de maio, as empresas seguem em queda, operando perto da estabilidade no acumulado do mês até aqui: as ações da Vale caem 0,95%; da Gerdau, 1,25%; da CSN, 0,71%; e os papéis da Usiminas têm 0% de variação.

“O que fez a Vale e todas essas empresas caírem foi justamente a covid, porque o que acontece na China movimenta diretamente os preços do minério de ferro. Essa questão do lockdown gera muita preocupação, porque volta com aquele receio que muita gente teve em 2020, no começo da pandemia, com a paralisação total dos portos. Se as indústrias siderúrgicas trabalharem sem a capacidade total, não tem consumo de minério de ferro”, afirma Tinem.

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A volatilidade no preço das commodities, causada pelos receios com a economia da China, ajudou a frear parte do movimento de alta que vinha acontecendo desde o início do conflito entre Rússia e Ucrânia. Se entre fevereiro e março os preços de insumos como minério de ferro e petróleo dispararam, em abril o cenário foi mais contido.

Esse movimento pode ser percebido, inclusive, com as variações do Ibovespa no período: o índice de referência da bolsa de valores brasileira fechou fevereiro e março com alta de 0,89% e 6%, respectivamente.

Já em abril, o resultado do mês foi de queda de 10,1% – o pior resultado mensal desde março de 2020, quando, no mês de início da pandemia, o Ibovespa tombou 29,9%.

Como cerca de 30% da composição do índice é de empresas ligadas a commodities, a bolsa brasileira é muito impactada pela volatilidade na China. “O primeiro trimestre foi muito forte com as commodities subindo, o que justamente levou o Ibovespa a ser uma das melhores bolsas do mundo no período. Agora, dependendo de como o preço das commodities vai se sustentar ao longo das próximas semanas e meses, isso vai ser bastante importante para ditar como que a bolsa brasileira vai se comportar”, afirma Jennie Li, estrategista de ações da XP.

Garimpar oportunidades

A crise na China deixa em aberto as projeções para a bolsa brasileira. Ilan Arbetman, da Ativa, afirma que ainda é cedo para apontar a direção do Ibovespa nos próximos meses. Até porque existem dúvidas quanto à confiabilidade dos dados chineses sobre o surto de coronavírus.

“São números muito baixos quando comparado a outros países. Isso suscita, por parte de especialistas, a opinião de que possivelmente os dados da China não são os mais transparentes. E quando falamos de expectativas, projeções, precisamos muito do dado, o que por si já traz incerteza”, diz Arbetman.

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Outros fatores também devem trazer volatilidade ao mercado brasileiro ao longo do ano. A inflação nos Estados Unidos, que já chega aos 8,5% em 2022 – a maior em 41 anos –, deve provocar um aumento de juros mais agressivo e prejudicar os ativos de risco, principalmente em mercados emergentes. Nesta quarta-feira (4), inclusive, o Fed (banco central americano) se reúne para acelerar o aperto monetário por lá.

No cenário doméstico, o Brasil também atravessa uma conjuntura desfavorável, de juros e inflação alta, com uma eleição presidencial que se aproxima. Nesse ambiente incerto, Arbetman ressalta que, mais do que nunca, é fundamental para o investidor ir atrás de ‘boas histórias’.

O analista chama a atenção para os resultados de NeoEnergia e Equatorial, companhias do setor elétrico, que foram positivos neste primeiro trimestre. “A gente via que o setor de distribuição de energia é mais cíclico, ou seja, ele sofre mais com a alta dos juros, com a inadimplência e perda de poder de compra. Ainda assim, os resultados foram muito bons”, afirma Arbetman.

No setor de mineração, Arbetman afirma que ainda é cedo para avaliar, visto a influência que a China tem nas empresas listadas na B3. Mas, ainda assim, o analista é otimista quanto aos resultados da Vale. “Mesmo a gente vendo a produção sendo afetada pelas chuvas no sudeste nesse primeiro trimestre de 2022, já vamos ver maiores prêmios. Os preços de realização de minério também estão acima do que prevíamos no começo de ano. Em termos de dividendos, a Vale vai bem”, afirma.

Na Genial Investimentos, a recomendação é de compra para a VALE3, com preço-alvo em R$ 115 por ação. “Alto preço do minério favorece resultados da empresa, bem como remuneração ao investidor”, diz Gabriel Tinem.

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Na siderurgia, a recomendação também é de compra para os papéis da Usiminas, com preço-alvo de R$ 19; e neutra para os ativos da CSN, com preço-alvo de R$ 26. “Ambas bastante dependentes de aço plano, mas CSN tem o apoio de aço longo com o setor de construção civil aquecido e de cimentos, enquanto Usiminas enfrenta desafios em relação ao setor automotivo” explica o analista da Genial.

No setor de petróleo, os papéis da PetroRio (PRIO3) são recomendações de compra, enquanto as ações da Petrobras (PETR3) são mais indicadas para quem está focado em dividendos. No final do ano passado, a estatal anunciou o pagamento de proventos trimestrais ao longo de todo o ano de 2022.

“A demanda de petróleo tem na China um vetor fundamental, mas essas petrolíferas têm mais clientes. As empresas têm um arcabouço operacional para se desvencilhar dessa questão”, afirma Arbetman. “Estamos tendo uma oferta de petróleo pressionada por conta da troca por fontes renováveis. Então a absorção da oferta é muito rápida e dinâmica, não faltarão compradores para as companhias brasileiras”.

O cenário é de inflação global, gatilhos de oferta que pressionam as commodities, risco de desaceleração na China e, ainda, uma eleição presidencial no radar. Para Arbetman, essa é a mensagem: os problemas que atingirão a Bolsa estão muito claros. Agora, o investidor precisará achar caminhos para passar por essa fase.

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