- A rede farmacêutica d1000 lançou o seu IPO na Bolsa na última segunda-feira (10). Dois dias depois, o papel já perdeu 12% de valor
- Mercado pode ter encontrado fragilidades ou distorções no valuation da empresa, que não tem uma marca forte e cuja presença é local
- Uma parte dos papéis destinados ao investidor do varejo foi gravada com lock up e não pode ser revendida imediatamente. Como os investidores institucionais não têm essa restrição, a saída deles no curto prazo pode ter derrubado a cotação do papel
(Jenne Andrade e Thiago Lasco) O Ibovespa em trajetória ascendente tem atraído novas companhias para a Bolsa, mesmo em meio à pandemia de covid-19. É o caso da rede farmacêutica d1000 (DMVF3), que lançou o seu IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) na B3 na última segunda-feira (10).
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No entanto, a abertura de capital da rede farmacêutica deixou a desejar. A empresa, que é um braço de distribuidora de produtos farmacêuticos Profarma, teve suas ações definidas em R$ 17, piso da faixa indicativa que tinha como valor máximo R$ 20,32. Destinado à amortização de dívidas, abertura de novas lojas e capital de giro, o valor total captado no IPO foi de R$ 460 milhões.
Mas os problemas não terminam aí. Dois dias após o lançamento, o papel já contabiliza queda de 12%, algo nada trivial para uma ação que acaba de estrear.
IPO protegeu o investidor institucional e penalizou o pequeno
De acordo com os termos da oferta pública, uma parte das ações ofertadas aos investidores dos segmentos de varejo e private foi vendida com lock up, um mecanismo que impede sua negociação dentro de um determinado prazo. No caso do primeiro grupo, 29,18% das ações foram gravadas com essa trava e não podem ser revendidas antes de 45 dias.
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Já para o segmento private, formado por investidores qualificados, a alocação com lock up foi de apenas 0,88% dos papéis, mas o prazo de carência é maior, de 70 dias.
Por outro lado, para os investidores institucionais não foi colocada nenhuma restrição à revenda imediata das ações. Em termos prático, isso pode ter favorecido a queda repentina da cotação dos papéis.
“Alguns investidores institucionais grandes que compraram a ação fizeram uma reavaliação da empresa que não sustentou a compra. Por isso, eles resolveram sair do papel em seguida, o que derrubou a cotação”, diz Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos.
Ela explica que IPOs recentes, como o da Via Varejo, tiveram regras diferenciadas para fracionar uma eventual saída do investidor institucional no curto prazo, justamente para evitar esse tipo de tombo.
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“A d1000 deixou a porteira aberta para esses investidores saírem. Ela deveria ter feito algo para dificultar um pouco a fuga, principalmente em um momento delicado como o atual, em que há o risco de uma segunda onda de covid-19”, afirma.
Sem marca forte, d1000 pode ter sido mal precificada
Para Simone, a hipótese mais plausível é que o mercado tenha encontrado fragilidades na precificação da empresa. “A valuation da d1000 estava distorcida e o mercado não estava preparado”, afirma. “Ela ainda não é percebida como uma marca própria forte, mas como um compilado de marcas, e sua presença é muito local.”
Dona das bandeiras Drogasmil, Farmalife, Drogarias Tamoio e Rosário, a d1000 possui 196 lojas físicas distribuídas nos estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Distrito Federal. A companhia faz parte do grupo de Profarma (PFRM3), que vem perdendo valor de mercado ano após ano na Bolsa. No início de 2008, a distribuidora tinha suas ações precificadas em cerca de R$ 30; hoje, esses papéis negociam a R$ 5,95.
“A d1000 é o braço de varejo da Profarma, que vai mal há muito tempo. Por isso, o investidor pode ter olhado com desconfiança”, explica Mario Goulart, analista do Polyface. “Considerando que o varejo tem opções muito melhores, como a RaiaDrogasil e a Panvel Farmácias, não há por quê comprar uma empresa não tão boa.”
A título de comparação, as ações da RaiaDrogasil (RADL3) estavam precificadas em R$ 114,33 às 17h33 da última terça-feira. O papel oscilou pouco no ano e já retomou os níveis pré-crise. Diferentemente da Profarma, a companhia vem crescendo. Em cinco anos, as ações valorizaram cerca de 182%. Já a Panvel sofreu mais altos e baixos, mas registra valorização de 300% e suas ações atualmente valem R$ 25,13.
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“O segmento farmacêutico na B3 foi bem resiliente na crise, mas tem bastante concorrência”, diz Goulart. “A gestão da RaiaDrogasil é inclusive apontada como uma das melhores do País.”
Para Marcio Loréga, analista da Ativa Investimentos, apesar de resiliente, o setor farmacêutico não vai ser um dos destaques na recuperação econômica, o que deve ter motivado maior cautela por parte dos investidores. “Vejo outros segmentos se beneficiando melhor, como commodities, financeiro, companhias que foram prejudicadas e devem retomar.”
Quem está com o papel na mão deve esperar – e aprender
Para o investidor pequeno que comprou a ação e está vendo seu investimento desvalorizar, não há muito a fazer no curto prazo. A ação não pode ser revendida até o fim do prazo do lock up, de 45 dias (ou 70 dias para o investidor qualificado). Os analistas ponderam, no entanto, que a ideia de se livrar do papel tão rápido nem deveria passar pela cabeça de quem compra ações.
“Curto prazo é só para quem é day trader ou especulador. Quem compra ações deve esperar e acreditar que aquela empresa vai crescer”, diz Simone, da Reag.
Ela acredita que muitos investidores pessoa física podem ter se empolgado com o IPO da d1000 e entrado sem fazer uma análise necessária da empresa.
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“Oba, um IPO! É drogaria, vende remédio, vai ficar rica com a pandemia! Mas você estudou a empresa, viu os dados financeiros? Há toda uma análise micro e macroeconômica de fluxo de caixa da companhia”, explica.
A economista diz ainda que, com a taxa Selic a 2%, muitos vão atrás de lucros rápidos com risco menor, mas isso não existe mais. “A renda variável oscila para cima e para baixo. É preciso saber ler o que a empresa significa, qual é o valor da matriz de risco envolvida no negócio. Vários fatores podem afetar o valor da companhia”, diz. “Falta educação financeira para o investidor”.