Mercado

Ouro de tolo? Entenda por que a Enjoei (ENJU3) divide opiniões

Ações da companhia caem mais de 40% desde o início de fevereiro

O site Enjoei em destaque. Ao fundo, o cofundador Tiê Lima (Foto: Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo)
  • Em novembro do passado, a Enjoei (ENJU3), plataforma de brechó online, chegava à Bolsa com uma recepção calorosa
  • A oferta pública inicial movimentou R$ 1,1 bilhão, uma demanda que superou em três vezes a oferta
  • Contudo, desde o começo de fevereiro as ações caíram mais de 40%, devolvendo praticamente toda a alta desde o IPO

Em novembro do passado, a Enjoei (ENJU3), plataforma de brechó on-line, chegava à Bolsa com uma recepção calorosa. O IPO (oferta pública inicial) movimentou R$ 1,1 bilhão, uma demanda que superou em três vezes a oferta, segundo fontes do Estadão. As ações saíram no piso da faixa indicativa, a R$ 10,25, e alcançaram o patamar de R$ 20 no dia 4 de fevereiro.

Mas os papéis inverteram o sinal e desde aquele dia caíram 44,63% até esta quarta-feira (19). Os ativos praticamente devolveram toda a alta desde a precificação, já que atualmente a ENJU3 voltou a ser negociada na faixa de R$ 10,50. A queda foi acelerada após a divulgação dos resultados do 1º trimestre de 2021. Com a maior aposta em crescimento, a empresa registrou um prejuízo de R$ 31,7 milhões, número 2235% pior que o obtido no mesmo período do ano passado, de R$ 1,3 milhão.

Por outro lado, a receita bruta cresceu 52% em relação ao 1º trimestre de 2020, para R$ 28 milhões, e o número de vendedores expandiu 118%, para 225 mil. O Volume Bruto de Mercadorias (GMV), métrica importante para o varejo on-line, também registrou um bom crescimento, de 104%, para R$ 172 milhões.

Preencha os campos abaixo para que um especialista da Ágora entre em contato com você e conheça mais de 800 opções de produtos disponíveis.

Ao fornecer meu dados, declaro estar de acordo com a Política de Privacidade do Estadão , com a Política de Privacidade da Ágora e com os Termos de Uso

Obrigado por se cadastrar! Você receberá um contato!

Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos

“O lado operacional mostrou uma série de melhorias, como o crescimento de novos vendedores e compradores”, explica Ricardo França, analista de investimento da Ágora. “O resultado financeiro [prejuízo ou lucro] de fato veio abaixo das nossas estimativas, mas isso faz parte da estratégia da companhia de abrir mão de margem para investir em crescimento. No curto prazo, a atitude parece fazer sentido, dado que é uma plataforma de comércio eletrônico que está em estágios iniciais.”

Desde o IPO, a Ágora tem recomendação de compra para os papéis, com preço-alvo atualizado de R$ 23, um potencial de alta de 119% em relação ao patamar atual. A questão da economia circular seria um dos pontos que destacam a companhia frente aos pares.

“É uma empresa que faz intermédio entre compradores e vendedores, o que é um diferencial dose-commerces tradicionais que compram e revendem produtos”, afirma França. “E o segundo ponto é a sustentabilidade. As novas gerações estão cada vez mais antenadas e consumidoras de produtos reutilizados.”

A XP também tem recomendação de compra, com preço-alvo de R$ 15. Em relatório publicado no fim de março, a casa afirma que um dos principais diferenciais da Enjoei é sua experiência de uso, que se traduz em consumidores altamente engajados,.

Controvérsias e valor intrínseco ‘zero’

Mesmo sendo um player único no setor, a Enjoei está longe de ser unanimidade entre os analistas. A Suno Research, por exemplo, vê a empresa com ressalvas. Em relatório divulgado em outubro, a casa recomendou aos clientes que não entrassem na oferta pública inicial da companhia.

“Reconhecemos que o Enjoei possui um modelo de negócios que modernizou o famoso brechó”, afirma a Suno, no relatório. “Porém, a geração de caixa e o lucro operacional estiveram em campo negativo nos últimos três anos. Não fosse o aporte de capital de R$ 59 milhões, talvez a companhia estivesse tecnicamente insolvente [sem conseguir pagar as dívidas] neste momento.”

A Suno destacou, ainda, que entre 2017 a 2019, as despesas publicitárias da Enjoei aumentaram quase 300%, os gastos com frete e transporte em cerca de 50% e as taxas de transação em 23%. Na outra ponta, a receita teria subido apenas 60% “Pesando todos estes fatores, não conseguimos concluir se a recorrência dos usuários é capaz de remunerar de forma satisfatória todos os gastos despendidos. Os resultados, até o momento, indicam que não.”

Após a divulgação dos números do 1º trimestre, o debate acerca da empresa foi reaquecido e ganhou as redes sociais. Renoir Vieira, economista sócio da Aurora Capital, publicou em seu Twitter que o ‘valor intrínseco’ da Enjoei é zero.

Vieira destaca que uma das grandes fragilidades da Enjoei é a questão dos produtos falsificados que são vendidos na plataforma. O especialista disse ao E-Investidor que a empresa passou a fazer ‘vista grossa’ para esse tipo de comercialização ilegal dentro do aplicativo para continuar crescendo e atender os parâmetros esperados pelos fundos de venture capital que investiram na varejista antes do IPO.

“A lei tem que valer, o Brasil não é uma república de bananas.  Não tem interesse em combater essas práticas dentro do site porque não querem perder receita e crescimento, dois fatores que a levaram a ser uma empresa listada”, afirma Vieira.

Um dos pontos que também foi levantado nas redes pelo perfil do Twitter @ContadorRaiz seria uma provisão (despesas ainda não pagas) de bônus de R$ 881 mil aos administradores de companhia por cumprimento de metas – mesmo com prejuízo no trimestre. Também foi questionado o aumento das provisões com a remuneração da administração em mais de 1000% na comparação com o 1º trimestre de 2020, de R$ 1,1 milhão para R$ 19,6 milhões.

O arrendamento de imóveis não só para a empresa, mas para administradores, foi outra questão polêmica. “A Companhia arrenda imóveis administrativos e para moradia de executivos. Esses arrendamentos normalmente duram 5 anos, com opção de renovação do arrendamento após este período. Os pagamentos de arrendamento são reajustados com base nos acordos contratuais, para refletir os valores de mercado”, explica a Enjoei em relatório. O saldo referente aos arrendamento é de R$ 1,5 milhão.

Segundo o setor de Relações com Investidores (RI) da Enjoei, só há um caso de aluguel de imóvel para um dos administradores da companhia, que é parte do pacote de transferência dele para São Paulo. A empresa informou que este benefício encerra-se em julho e não será renovado.

Já as provisões de remuneração aos administradoras seriam meramente um registro contábil, uma vez que a legislação e as boas práticas determinam o registro do valor econômico associado ao plano de opções de ações de fundadores e de executivos da empresa.

“Não houve qualquer pagamento adicional, sendo que os valores refletem a diferença entre o valor patrimonial dessas ações objeto do plano de opções e o efetivo preço das ações da companhia, e são absolutamente contábeis, sem qualquer efeito caixa”, explica o RI.

Na visão de Vieira, mesmo sem desembolso de caixa, trata-se de uma despesa que tem muita chance de se concretizar no futuro. “Uma hora os executivos vão querer receber esse dinheiro. Ninguém estabelece uma provisão sem a intenção de pagar”, afirma. “Então isso não é dinheiro que saiu da empresa, não são ações que foram emitidas, mas há uma possibilidade muito grande desses pagamentos ocorrerem.”

Em relação aos produtos falsificados, a Enjoei afirma tomar medidas para inibir a comercialização. “100% dos itens infratores são retirados do termo de uso da Enjoei, sendo que as denúncias dos usuários são decisivas. Há rotinas para colher, agir e dar feedback. Há rotinas automatizadas para exclusão de itens falsificados e aprimoramento constante de algoritmos com score de pontuação para anúncios. A companhia adota políticas ativas para dificultar a reincidência de maus vendedores. Além disso, a Enjoei está sempre calibrando suas ferramentas de Inteligência Artificial para identificar anúncios suspeitos. E, importante, a empresa passou a oferecer denúncias contra usuários que infringiram os termos de uso, vendendo itens falsificados, junto à Delegacia de Crimes Digitais”, explica a empresa.

Riscos

Na visão de João Daronco, analista de investimentos da Suno Research, para a empresa ‘se pagar’ e fazer jus ao valor atribuído a ela hoje, a Enjoei terá que registrar um crescimento de cerca de 60 vezes em 10 anos.

“Se formos olhar ponto a ponto, os resultados não foram ruins. Teve aumento de compradores, vendedores, sortimento de produtos, etc. E para a Enjoei, que é um case de crescimento, esses resultados operacionais são mais importantes que o resultado financeiro [prejuízo ou lucro]. Mas a companhia não cresceu tanto quanto o mercado esperava”, explica.

Para Daronco, o principal risco do negócio é a falta de barreira de entrada. Isso significa que não haveria muitas dificuldades para um outro player grande copiar a ideia e entrar no segmento de brechó on-line.

Outro ponto de atenção apresentado é a relação entre crescimento e qualidade. Segundo Daronco, a Enjoei é uma empresa que tem como proposta de valor ser diferenciada, até para conseguir reter compradores e vendedores. De certa forma, o objetivo não seria apenas ser uma plataforma em que pontualmente clientes fazem a compra e venda de produtos, mas um app que se torne ‘queridinho’ dos usuários, quase uma rede social.

“Mas se formos ver no site ‘Reclame Aqui’, a nota da Enjoei está 5.3, ou seja, ruim. O investidor tem que ficar de olho não só no crescimento, mas na qualidade do serviço”, afirma Daronco. “E se a qualidade é ruim, e temos o Reclame Aqui para provar um pouco disso, fica ainda mais fácil para um competidor surgir e tomar o market share dela. Então a companhia terá que focar, para os próximos anos, em melhorar esses indicadores em sites de avaliação.”

No site Reclame Aqui, a Enjoei possui 12.041 mil reclamações. Destas 7664 foram respondidas e 4377 aguardam resposta. Segundo o relatório publicado pela Suno em outubro, de forma geral, o valor que o Enjoei cobra de seus vendedores é o mais caro entre as plataformas de e-commerce.

“Também existe o risco de as comissões virem a cair conforme a competição se estabeleça no mercado. Como vimos, a taxa média gira em torno de 34%, podendo chegar a 50%. Vários vendedores reclamam desse nível de comissionamento. Instagram ou outras plataformas poderão entrar também neste nicho de forma mais acirrada, dispondo de muito mais capital e infraestrutura para atrair uma larga base de usuários”, explica a Suno.