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Comportamento

Fim do isolamento social pode causar compras desenfreadas

O consumo alto após o fim da quarentena também é conhecido como revenge spending

Fim do isolamento social pode causar compras desenfreadas
Foto: Pixabay
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  • Em abril, após meses fechada devido à pandemia do coronavírus, uma loja da grife francesa Hermès em Guangzhou, no sul da China, faturou R$ 14 mi um dia após o fim da quarentena na região
  • O episódio é ótimo para explicar a prática de revenge spending (gasto de vingança, em português)
  • E segundo especialistas, as chances de um boom no consumo no Brasil, conforme o isolamento for sendo cada vez mais relaxado, são altas

(Murilo Basso, Especial para o E-Investidor) – Em abril, após meses fechada devido à pandemia do novo coronavírus, uma loja da grife francesa Hermès em Guangzhou, no sul da China, faturou cerca de R$ 14 milhões em um único sábado, um dia após o fim da quarentena na região. A estimativa é de que esse foi o maior resultado diário já registrado pela empresa no país. O episódio é ótimo para explicar a prática de revenge spending (gasto de vingança, em português).

O conceito surgiu na China, na década de 1980, para ilustrar o acentuado aumento do consumo das famílias chinesas de alta renda a partir da abertura comercial do país, explica o professor da Escola de Gestão e Negócios da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Jorge Henrique Lopes Ferreira.

“De forma geral, essa expressão é usada para ilustrar períodos de rápido crescimento no consumo, após períodos de consumo represado. A expressão revenge shopping também é utilizada com a mesma conotação”, diz, completando que atualmente tem se falado muito sobre um período de revenge spending também no Ocidente, conforme a economia for reabrindo à medida em que a pandemia da Covid-19 é controlada.

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Isso porque em muitas circunstâncias, consumir é um ato muito mais emocional do que racional. No cenário atual, a questão pode ser ainda mais verdadeira, já que muitas pessoas estão se sentindo angustiadas e entediadas com a nova rotina, podendo lançar mão da frase “eu mereço” para justificar qualquer compra.

Essa espécie de compaixão consigo mesmo pode ser usada para celebrar uma situação, trazer um pouquinho de prazer, preencher um vazio ou, até mesmo, minimizar uma frustração.

Paula Sauer, especialista em comportamento do consumidor e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing em São Paulo (ESPM), lembra que, para muitas pessoas, o isolamento social significa meses em casa, em um isolamento que parece não ter fim, com planos que foram adiados ou cancelados. Em cenários assim, costuma-se privilegiar o presente em detrimento do futuro.

“Quanto ao tipo de compras, quando falamos das compras por vingança, elas têm como principal função dar prazer, conforto. Ter ‘utilidade’, neste caso, é secundário. Para alguém que está confinado em casa há meses, jantar em um bom restaurante e comer uma sobremesa cara pode ser uma revanche. Isso não está relacionado somente com o preço, mas, principalmente, com as proibições”, afirma.

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Em relação à pandemia de Sars-CoV-2, o revenge spending deve ocorrer porque antes os indivíduos estavam acostumados com a liberdade de ir e vir, limitada com a necessidade de distanciamento social. No longo prazo, medidas como essa tendem a deixar os sujeitos mais propensos a extravasar em uma volta à normalidade. Ferreira afirma que há uma série de aspectos que devem ser considerados nesse comportamento, como o fato de que há pessoas que consomem em conjunto com outras pessoas, então o consumo acaba sendo encarado como uma forma de interação e inserção social.

“Além disso, outras pessoas têm o costume de fazer aquelas ‘comprinhas’ rotineiras ou de renovar o guarda-roupa, e o período de restrição dificultou esse consumo. Dessa forma, ao passo em que a atividade econômica começa a se normalizar, muitos sentem a necessidade de compensar o consumo e, também, as atividades que não foram feitas durante o período de restrições”, diz.

Paula afirma que o confinamento, as mudanças na rotina e até mesmo uma “incansável coleção de lutos” acumulados durante a pandemia trouxeram uma imensa angústia aos brasileiros, e a angústia sufoca. Cada indivíduo reage a esse sentimento de uma forma, como se fosse um líquido que se adapta a diferentes tipos de frasco.

“A angústia avisa que algo precisa ser modificado e funciona como uma mola propulsora. O problema é quando o indivíduo acredita que esse ‘algo’ pode ser comprado. Momentaneamente, pode surgir até uma sensação de prazer, que é passageira. Quando a angústia voltar, além de se lidar novamente com o sufoco, haverá para muitos também uma dívida”, opina a docente da ESPM.

Consumo on-line x consumo físico

Apesar de estarem fechadas em casa há meses, as pessoas ainda tinham a opção do e-commerce, que, aliás, cresceu exponencialmente no país.

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Dados da 42ª edição do Webshoppers, estudo sobre o varejo on-line brasileiro elaborado semestralmente pela Ebit|Nielsen em parceria com a Elo, demonstraram as lojas digitais nacionais registraram crescimento de 47% no primeiro semestre de 2020, maior alta em 20 anos. Por que, então, a reabertura das lojas físicas faria o consumo crescer, já que mesmo com o isolamento ninguém ficou impedido de comprar?

Porque consumir em uma loja física é, para muita gente, um momento de lazer, de socializar e de alimentar a vaidade. Quase como se fosse um “ritual”. Há também quem prefira comprar presencialmente porque gosta de ter um contato com o produto, experimentá-lo, antes de arrematá-lo. Por isso é que ainda que o comércio eletrônico possa ser, muitas vezes, mais barato e mais prático, ele não permite esse envolvimento social proporcionado por uma ida à loja ou ao shopping.

Existe, aqui, um fator psicológico relevante; não se trata apenas de um fator econômico ou financeiro. Além disso, segundo Paula, comprar pela internet pode ser confortável, mas não traz a sensação “aconchegante” da normalidade. Como agora não é possível encontrar a família e os amigos, ninguém vê a compra – e se ninguém a vê, é quase como se ela não tivesse acontecido.

“Tem um outro lado mais pragmático: algumas compras pela internet simplesmente não funcionam. Não se tem a noção exata do que se está comprando e o pós- venda pode ser insuficiente, transformando a experiência do consumidor num pesadelo. Um outro aspecto que se deve levar em conta sobre o revenge spending é a experiência do consumidor. Em muitas ocasiões, o atendimento, o cheiro da loja, o ambiente, é tudo
o que o cliente quer. Em outras, é até mesmo a realização de um sonho”, diz.

Como fomentar o consumo

Apesar de as chances de um boom no consumo no Brasil serem altas conforme o isolamento for sendo cada vez mais relaxado, Ferreira diz que é difícil afirmar que esse movimento dará conta de “salvar” o comércio nacional, já que alguns impactos do período de restrição são permanentes. Ele lembra que muitos negócios, em especial os pequenos, precisaram fechar suas portas.

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“Além disso, quando tudo isso passar, uma parte do comércio ainda deve ter um saldo líquido negativo, uma vez que, durante o período em que as pessoas estiveram em casa, elas gastaram menos com e também utilizaram menos itens como calçados, roupas e acessórios, o que poderá se refletir na demanda imediata por esses bens”, opina.

Aos varejistas, caberá pensar em estratégias que possam fomentar ainda mais o consumo. Nesse sentido, o professor da Unisinos diz que campanhas de vendas serão fundamentais para que as lojas possam conquistar uma atenção maior de clientes em potencial. Devem ser utilizadas promoções, condições diferenciadas de pagamento e campanhas organizadas pelas associações comerciais.

Leia também: Magazine Luiza: o favoritismo no varejo eletrônico e as principais competidoras

Ao mesmo tempo, os consumidores precisam ter a consciência de não gastar mais do que realmente têm, para que não caiam em dívidas e a situação ruim vire uma bola de neve. Esse comportamento de comprar como se não houvesse amanhã, alerta Paula Sauer, pode, em pouco tempo, ocasionar uma quebra nas finanças de muitas famílias brasileiras.

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“É preciso lembrar que, apesar de ser um comportamento para muitos, extremamente prazeroso, consumir não resolve problemas. Ainda estamos vivendo um cenário grave de desemprego, queda na renda e de muitas incertezas econômicas. Comprar no ‘modo piloto automático’ pode ser fonte de mais angústia, pois o prazer gerado pelo consumo tende a acabar antes da dívida” pontua.

Manter os “pés no chão” neste momento é crucial. Algumas dicas que podem ajudar na hora das compras são: pesquisar preços, barganhar descontos e não acumular parcelas demais para serem pagas nos próximos meses. Refletir sobre a real necessidade do bem que se está comprando ou querendo comprar também é uma boa.

Novos hábitos de consumo

Sobre quais devem ser os novos hábitos de consumo no pós-pandemia, Jorge Henrique Lopes Ferreira acredita que deve haver um aumento na demanda por bens e serviços não essenciais, como calçados e vestuário, alimentação fora de casa, viagens, hotéis e
shows, para citar alguns.

“Durante a restrição de circulação, o consumo das famílias foi voltado para a compra de produtos essenciais. Nesse período, uma série de atividades que as pessoas eram acostumadas a fazer, como sair para jantar fora, ficaram muito restritas. Assim, entendo que o consumidor deverá dar uma maior atenção para as atividades que não puderam ser realizadas durante a pandemia”, finaliza.

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