- A crise da Petrobras tem caráter político-institucional, já que os números da companhia continuam robustos e sólidos
- As ações da petrolífera despencaram 25% no último mês e contribuíram para arrastar o Ibovespa para um patamar inferior aos 100 mil pontos
- A alta de combustíveis, a pressão política, a instabilidade administrativa e o risco de desabastecimento são pontos-chave para entender o cenário da estatal
A Petrobras (PETR4) está com a saúde financeira em dia. No primeiro trimestre de 2022, a companhia reportou lucro líquido recorde de R$ 44,5 bilhões. Além disso, o conselho da empresa aprovou o pagamento de mais de R$ 72 bilhões de dividendos entre junho e julho devido ao endividamento bruto inferior ao limite definido.
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No entanto, contrariando os bons números da petrolífera, a cotação das ações preferenciais caiu 25% em um mês (período entre 17 de maio a 17 de junho). A mais recente crise da Petrobras começou quando o Ministério de Minas e Energia anunciou, em 23 de maio, a troca de comando da estatal pela terceira vez durante o governo Jair Bolsonaro, na tentativa de conter a alta dos combustíveis.
A partir de então, o processo de fritura do então diretor-executivo (CEO) José Mauro Ferreira Coelho se intensificou, com ameaças de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), votação de limitação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis e até acusações diretas de chefes dos poderes Legislativo e Executivo.
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A queda livre das ações da Petrobras carregou junto o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores brasileira (B3). Mesmo com o otimismo nos mercados externos, a B3 perdeu o patamar de 100 mil pontos puxada pelos papéis da petrolífera, que têm peso de cerca de 12% na composição do indicador.
Conheça os principais pontos da crise da Petrobras e saiba o que esperar do futuro da empresa.
1. Preço dos combustíveis
Os reajustes dos combustíveis estão puxando a inflação brasileira. Desde outubro de 2016, a Petrobras adotou a Política de Paridade de Importação (PPI), que estabelece uma relação direta entre os valores cobrados pela gasolina e pelo diesel nas refinarias e as oscilações do preço do petróleo no mercado internacional.
“Naquele momento, a paridade fazia muito sentido para blindar a Petrobras das ingerências políticas, principalmente do governo”, avalia Rodolfo Coelho Prates, economista da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). No entanto, surgiram elementos que não eram previstos, como a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia.
Durante a crise sanitária, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) reduziu a produção de barris para manter o preço da commodity. Quando a demanda voltou com a retomada das atividades, a oferta não acompanhou o movimento, fazendo explodir a cotação internacional. O conflito na Europa só piorou a situação.
Apesar da alta constante dos combustíveis, as soluções adotadas pelo governo e pela gestão da empresa não surtiram efeitos no bolso do consumidor. “É preciso flexibilizar a política de preços para garantir que a Petrobras não tenha prejuízo com o subsídio nem onere a economia”, sugere Prates.
2. Pressão política
A crise da Petrobras é turbinada pela pressão política, uma vez que os indicadores financeiros e operacionais da empresa continuam sólidos. “Estamos em ano eleitoral, então o Executivo vem se preocupando com a inflação e com a possível greve dos caminhoneiros”, diz Daniel Ramos, diretor de Operações na Miura Investimentos.
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O governo é o principal acionista da petrolífera desde que ela foi criada e sempre houve o temor de interferência política na gestão da companhia. Entretanto, essa influência foi limitada com a aprovação da Lei das Estatais, em 2016, que responsabiliza os gestores por eventuais atitudes indevidas no comando de empresas públicas.
Esse dispositivo de governança corporativa está sob ameaça. O presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, anunciou que está sendo preparada uma Medida Provisória (MP) para alterar a legislação. Caso seja encaminhada pelo governo, as modificações entram em vigor por 120 dias enquanto o Congresso Nacional aprova ou reprova a MP.
A artilharia política contra a estatal ainda pode aumentar, pois os reajustes de combustíveis afetam todas as cadeias produtivas, especialmente de produtos agrícolas. “O contexto de inflação em alta faz a Petrobras ter mais pressão, porque sobre os alimentos não pode haver intervenção”, afirma Ramos.
3. Instabilidade administrativa
Se aprovado pelo Conselho de Administração da Petrobras, Caio Mario Paes de Andrade será o quarto presidente da companhia desde 2019. Todos os outros três antecessores foram demitidos após o presidente Bolsonaro demonstrar insatisfação com o reajuste dos combustíveis. Em 2022, as trocas se intensificaram, mas a política de preços não mudou.
“Qualquer instabilidade em troca de comando não é bem-vista pelo mercado”, afirma Caio Mastrodomenico, CEO da Vallus Capital. Após o anúncio de cada mudança, as ações costumam cair, mas os ânimos tendem a se acalmar. Os números da companhia são robustos e o investidor mais experiente não se deixa levar pelo efeito manada.
“Vamos viver sempre essa montanha-russa. A cotação da Petrobras cai, mas depois o investidor avalia a empresa por meio de dados e recupera a confiança”, comenta Mastrodomenico. Dessa forma, as ações voltam a se valorizar, como observado nas últimas crises e em todas as alterações na presidência da petrolífera.
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Por enquanto, a companhia está sob o comando interino de Fernando Borges, nomeado pelo Conselho de Administração.
4. Risco de desabastecimento
A Argentina está passando pelo desabastecimento de diesel, e o risco de faltar o produto não está descartado no Brasil. O País exporta petróleo, mas importa o combustível refinado para abastecer cerca de um terço do consumo doméstico. As refinarias dos Estados Unidos estão preferindo vender para a Europa, onde há interrupção do fornecimento russo.
“Essa crise veio em um momento em que a Petrobras não se recuperou totalmente dos desvios de recursos, dos maus negócios, como Pasadena, e do subsídio dos preços”, reflete Ricardo Rodil, especialista em Finanças e sócio do Crowe Macro. O equilíbrio entre demanda e oferta está frágil, e qualquer influência pode provocar um desarranjo.
Apesar do último reajuste, o valor do diesel no mercado nacional está 9% abaixo do preço internacional, segundo a Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom). Se houver controle de preços, as empresas podem abandonar as importações devido à redução da margem de lucro.
Não existe uma solução rápida e fácil, e a Petrobras pode estar perdendo uma oportunidade de reduzir a dependência externa. Mesmo com o aumento significativo do lucro da empresa nos últimos anos, não há investimentos para ampliar a capacidade de refino, o que deve levar a um agravamento de longo prazo no déficit de combustíveis.
O que esperar do futuro da Petrobras?
Existe uma demanda crescente por combustíveis, e as alternativas renováveis não são capazes de suprir o consumo brasileiro. Portanto, os derivados de petróleo têm ainda importância central na matriz energética do País.
Muitos acionistas abandonaram o papel e a ação pode até continuar caindo. Entretanto, devido à solidez da companhia e às perspectivas de mercado, o futuro é promissor para a petrolífera. “A Petrobras se recuperará e continuará a ser uma empresa brilhante como sempre”, diz Rodil.
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