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Analistas listam riscos políticos que podem afetar ações da Petrobras

A Petrobras entrou na mira de Brasília, mas é preciso separar o ruído político da tese de investimentos

Analistas listam riscos políticos que podem afetar ações da Petrobras
Para o presidente Jair Bolsonaro, a Petrobras pode "mergulhar o Brasil num caos”. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
  • A empresa entrou de vez no radar da agenda política de Brasília e não deve sair das discussões até o fim do período eleitoral. A companhia está no centro de um furacão que vai das trocas do comando, tentativas de mudança na política de preços, até a instauração de uma CPI
  • Para situar o investidor nessa toada de instabilidades, o E-Investidor conversou com especialistas que explicam como o mercado está acompanhando toda essa movimentação
  • Apesar de todo o risco político, analistas veem oportunidade de investimento na estatal para quem conseguir separar o ruído da tese de investimentos da companhia

Os últimos dias têm sido difíceis para os acionistas da Petrobras. A empresa entrou de vez no radar da agenda política de Brasília e não deve sair das discussões até, ao menos, o fim do período eleitoral. Desde a última semana, a companhia está no centro de um furacão que vai desde novas trocas no comando da empresa e tentativas de mudança na política de preços dos combustíveis, até a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

De um lado, a pressão na petroleira vem de um cenário que não é exclusividade do Brasil. Até as grandes economias mundiais estão acompanhando uma escalada do nível de inflação, causado em grande parte pelos efeitos dos estímulos concedidos durante a pandemia e, agora, pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Este último fator tem um impacto especial no preço das commodities, principalmente o petróleo, que atualmente é negociado perto dos US$ 110 o Brent.

A alta do petróleo no mercado internacional é sentida diretamente pelo consumidor brasileiro. Isso acontece porque a atual política de Preço de Paridade Internacional (PPI) da Petrobras, instituída no governo Temer em 2016, calcula os reajustes do mercado doméstico com base no preço de aquisição do combustível e os custos de sua entrega do exterior. Por causa do PPI, variações no dólar ou no Brent de petróleo, por exemplo, fazem a Petrobras reajustar os preços para as distribuidoras de combustíveis.

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Este é um dos principais fatores que pressionam a inflação no Brasil atualmente. No acumulado de 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chega a 12,20%. E é aqui que entra o fator político: com os preços em alta e a população vendo seu poder de comprar desaparecer, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem visto aumentar a rejeição à ideia de sua reeleição.

“O governo federal realmente está decidido a colocar um fim nessa história da Petrobras, porque essa acaba sendo a principal pedra do sapato do presidente Jair Bolsonaro para a reeleição. Existe um senso na população de culpar o governo federal por conta dos aumentos nos preços dos combustíveis, que, na verdade, são fruto de uma de uma política de mercado”, explica Frederico Nobre, líder da área de análise da Warren.

Na sexta-feira (17), a Petrobras anunciou um reajuste de 5,2% no preço da gasolina e de 14,2% no preço do diesel – o primeiro em 39 dias. Pelo Twitter, o presidente Bolsonaro disse que “a Petrobras pode mergulhar o Brasil num caos” e que “o Governo Federal como acionista é contra qualquer reajuste nos combustíveis”.

Esse inclusive foi um dos motivos que levou José Mauro Ferreira Coelho a renunciar do comando da estatal na última segunda-feira (20), após cerca de dois meses no cargo. A saída já tinha sido decidida pelo governo desde o final de maio, depois que o executivo alertou o Ministério de Minas e Energia sobre a possibilidade de desabastecimento de diesel no País.

Para situar o investidor nessa toada de instabilidades, o E-Investidor conversou com especialistas que explicam como o mercado está acompanhando toda essa movimentação, quais devem ser os próximos passos e a que é preciso estar atento quando o assunto é Petrobras e, portanto, PETR3 e PETR4.

O que está em jogo

José Mauro Ferreira Coelho é o terceiro presidente da Petrobras a deixar o comando da estatal durante o governo Bolsonaro por causa da pressão vinda dos preços dos combustíveis.

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“É muito clara a insatisfação do executivo, o acionista majoritário da companhia, quanto à forma como os preços derivados no País vêm sendo praticados ao longo dos últimos anos. Isso inclusive culminou na saída do Castello Branco, do Silva e Luna, agora também do Coelho”, explica Ilan Arbetman, analista de Research da Ativa Investimentos.

Agora, o sucessor indicado pelo governo deve ser Caio Paes de Andrade, atual secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital e nome próximo ao ministro da Economia, Paulo Guedes. O mercado aguarda com atenção a assembleia que vai aprovar ou não o sucessor de Coelho, que, conforme afirmou o presidente Bolsonaro, deverá trocar toda a diretoria da estatal quando assumir o posto, podendo inclusive alterar a PPI.

A possibilidade de alterar a política de preços parece ser uma prioridade da base aliada do governo, dizem os analistas. Para isso, dois movimentos foram feitos: o pedido de instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar supostas irregularidades na definição de preços da Petrobras; e uma mudança na Lei das Estatais.

A Lei das Estatais impede que a União tenha prejuízos aos cofres públicos em função das estatais, instituindo, por regimento, que para qualquer alteração na política de paridade de preços dos combustíveis seria necessário também uma mudança de legislação.

“Esse foi o tema que mais assustou o mercado financeiro, tendo em vista que a proposta foi apresentada pelo presidente da Câmara de Deputados por volta de 22h de segunda-feira. Isso causou uma certa expectativa negativa, no sentido de que poderia vir uma medida provisória mudando a Lei das Estatais e consequentemente mudando a política de preço da Petrobras”, afirma Erich Decat, analista de risco político da DKPG.

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O especialista explica que, como não houve uma evolução nessa discussão, os ânimos se acalmaram com o início da compreensão de que esse não seria o caminho a ser utilizado pelo governo para tentar reduzir os preços do combustível. Em relação à CPI, mesma coisa. “Muito barulho, mas nada ainda de concreto”, diz Decat.

Arbetman, da Ativa, acrescenta que mesmo que instaurada a CPI os membros da diretoria e do conselho da estatal teriam pouco a temer, visto que todos que ocuparam o cargo deram continuidade ao trabalho que deveria ser feito, afastados das interferências políticas. “No papel, as gestões passadas seguiram a lei, as normas e por isso os membros da companhia tem muito pouco a temer de forma corporativa. Não vejo sequer muito espaço para discussão nessa CPI”, diz.

São necessárias 171 assinaturas para que a CPI seja instaurada, e o governo ainda não reuniu o apoio necessário. “Das conversas que tive dentro do Congresso, há um sentimento por parte de integrantes da base aliada de que uma CPI agora não teria o efeito que o governo quer, que é justamente abaixar o preço dos combustíveis e, assim, dar a sensação ao eleitor de que o governo fez alguma coisa ao que tange à inflação”, explica Erich Decat, da DKPG.

Até aqui, tanto uma mudança na Lei das Estatais quanto a CPI, apesar de terem causado bastante barulho no mercado, ainda não conseguiram evoluir.

“Se o Congresso realmente tivesse apetite para fazer uma mudança na política de preços da Petrobras, já teria sido feito. Vontade por parte do governo não falta, mas não existe ainda uma forma clara de como fazer isso. E acredito que até o final deste mandato não vamos ver uma mudança na política de preços”, diz o analista da DKPG.

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Nessa mesma movimentada segunda-feira, surgiu ainda uma outra discussão: a possibilidade de aumentar a tributação sobre os lucros das petrolíferas, alterando a alíquota da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL). A discussão foi liderada pelo presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP), que também endossa duras críticas à política de preços da Petrobras.

“Essa medida de aumento da tributação, em comparação com a CPI ou a mudança direta na política de preços, me parece mais viável do que as outras duas. Mas ainda assim é uma medida que enfrenta muita resistência principalmente do mercado”, destaca Frederico Nobre, da Warren.

Erich Decat explica que, para além da resistência do mercado, a alteração na CSLL tem outro fator jogando contra: o tempo. Mesmo que aprovada, a proposta precisa passar por uma “noventena”, ou seja, um período de 90 dias até que a determinação passe a valer – até lá, as eleições já vão estar acontecendo. “A taxação dos dividendos da Petrobras chegou a ser colocada de maneira bastante estridente, mas pode ser que não avance por um fator temporal. Os congressistas estão pensando em qualquer alternativa de curto prazo, que os ajudem na reeleição”, diz o analista.

Nessa corrida contra o tempo, no último dia 15, a Câmara já havia aprovado o projeto que determina a redução das alíquotas de ICMS para produtos e serviços essenciais, incluindo os combustíveis. Até então, essa foi a única das alternativas apresentadas pelos congressistas para tentar segurar os preços que avançou em votação. Mas isso não significa que ela vai gerar o efeito esperado pelo governo, afirma Decat.

“Isso ainda deve judicializar e ninguém sabe quando isso terá um desfecho no judiciário. Tem uma outra etapa que há uma confusão muito grande com algumas pessoas dizendo que precisaria de assembleias estaduais darem o aval no projeto. Temos 27 estados, será que todos vão tomar a mesma decisão ao mesmo tempo?”, questiona o analista da DKPG.

Guerra de discurso

Não foram poucas as movimentações vistas nos últimos dias para tentar encontrar alguma forma de segurar o avanço dos preços dos combustíveis. Alguma delas vai sair do papel? Ainda não dá para dizer.

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“Mesmo com tudo isso que o estamos vendo, até agora, não foi possível alterar a política de preços da companhia. Não é simples e fácil fazer isso na base da canetada, tanto é que o governo não conseguiu ainda”, destaca Frederico Nobre, da Warren. Mas isso não significa que a pressão vá diminuir.

Decat, da DKPG, explica que os congressistas já entenderam que a inflação vai ser um fator decisivo no pleito deste ano e que, com a reeleição em jogo, vai haver uma guerra de discurso tentando jogar a responsabilidade dos altos preços na conta somente da Petrobras. “Vamos ver reações muito mais baseadas em discurso do que efetivamente questões práticas. Há uma dúvida muito grande também se alguma dessas medidas traria um impacto na bomba de combustíveis. Ninguém sabe”, diz.

Para os especialistas, dificilmente algum desses projetos realmente vai ser implementado; ao menos, não a tempo da eleição. “Mês que vem já começa o recesso parlamentar e logo depois começa oficialmente o período eleitoral. Tem uma série de medidas que não podem ser implementadas por causa disso”, destaca Leandro Saliba, head de renda variável da AF Invest.

Até lá, a companhia segue no olho do furacão e, claro, na boca dos pré-candidatos. “Como o preço do combustível está atrelado a um elemento que vem do exterior, há uma chance de que ocorra um novo reajuste em plena campanha. Isso vai ter uma reação muito forte contra a Petrobras, que vai ser o foco por parte dos políticos, seja do governo, seja da oposição”, explica Erich Decat, analista da DKPG.

Apesar do ruído, vale investir?

A Petrobras é a maior empresa em valor de mercado da Bolsa de valores brasileira e suas ações, tanto a PETR3 quanto a PETR4, costumam ser figurinhas brilhantes na carteira de investidores. No primeiro trimestre de 2022, a companhia registrou um lucro líquido recorde de R$ 44,5 bilhões – o que garante o histórico de boa pagadora de dividendos da estatal.

Um levantamento feito por Einar Rivero, da TC/Economatica, feito com as 25 empresas do setor de petróleo com valor de mercado superior a US$ 10 bilhões e ações listadas em bolsas da América Latina, USA ou com ADR (American Depositary Receipts) em Nova York mostra que a Petrobras é a campeã na remuneração do investidor. O dividend yield da ação preferencial da estatal em 12 meses chega a 40,97%. O levantamento mostra ainda que, dentre as empresas analisadas, a Petrobras é a que negocia no menor múltiplo de preço/lucro, de 2,2 vezes.

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“É uma ação extremamente barata olhando qualquer métrica de valuation, incluindo múltiplos históricos e pares internacionais”, destaca Leandro Saliba, da AF.

Se a companhia brasileira distribui um bom patamar de proventos e está barata na Bolsa, por que o mercado parece receoso com as ações? A resposta é o risco político. “Mesmo com toda essa questão política que está acontecendo agora, no ano a Petrobras está subindo 12%, enquanto o Ibovespa está caindo 6%. Mas tem que acompanhar muito a eleição e o risco de mudar a gestão da empresa”, diz o head de renda variável da AF.

Para Heitor de Nicola, assessor de renda variável da Acqua Vero, antes de comprar Petrobras, o investidor precisa analisar o cenário tentando separar o que é apenas ruído, daquilo que poderia efetivamente alterar a tese da empresa.

“Se de fato for decidido uma mudança na política de preços, isso alteraria a tese de investimentos da empresa. Mas apenas esse ruído político, no fim do dia não muda o que a Petrobras faz e tem planejado para os próximos anos; e portanto não altera a tese do investidor”, explica.

A Acqua Vero é um escritório do BTG Pactual, onde a recomendação para Petrobras segue neutra. “O banco reconhece que o ciclo é de alta para o petróleo e que a Petrobras está sim negociando a múltiplos descontados, mas, por conta de todo esse ruído político, o BTG prefere outros players do setor, como Petrorio e 3R Petroleum”, afirma de Nicola.

Mas tem quem veja o cenário com mais otimismo. Na Ativa Investimentos, o analista Ilan Arbetman explica que, dado o nível de preços atual das ações da companhia e as perspectivas de uma continuidade na alta do petróleo no mercado exterior, vale a pena montar posições na Petrobras. “Mesmo com maiores dúvidas quanto à demanda global, desencadeadas pelo aumento da inflação e pela necessidade das autoridades monetárias ajustarem suas economias, ainda existe um desarranjo grande entre os níveis de oferta e demanda de petróleo. E isso segue gerando uma assimetria risco-retorno que a nosso ver cria possibilidades de ganhos para o investidor”, explica.

Na Warren, a recomendação também é de compra visto que, por mais que a discussão política tenha impactos, a companhia segue entregando bons resultados. E, inclusive, tem margens para o caso de alguma das medidas do governo ser aprovada. “Por exemplo, caso alterem a CSLL e as empresas tenham a tributação dobrada. Sairia de 9% para 18%, o que teria um impacto de cerca de US$ 2 bilhões nos dividendos pagos pela Petrobras. Ainda assim, a empresa pagaria dividendos de dois dígitos”, destaca Frederico Nobre, líder da área de análise da casa.

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