- Para Marcus Zanetti, gestor da Kinea Investimentos, é praticamente certo que o governo acabará com os chamados “Juros sobre Capital Próprio” (JCP)
- Diferentemente do dividendo, o JCP é contabilizado como uma “despesa” para as companhias e, por isso, diminui o lucro líquido tributável
- Entre todos os segmentos, o de bebidas, representado pela Ambev (ABEV3), deve ser o mais afetado pela extinção do benefício fiscal - a expectativa é de redução de 22,8% no lucro em 2024
Para Marcus Zanetti, gestor da Kinea Investimentos, é praticamente certo que o governo acabará com os Juros sobre Capital Próprio (JCP) – forma de remuneração a acionistas com um pano de fundo de benefício fiscal.
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Diferentemente dos dividendos, o JCP é contabilizado como uma “despesa” para as companhias e, por isso, diminui o lucro líquido tributável. No final, a quantidade de imposto devido pelas pessoas jurídicas se torna menor após a distribuição deste provento, enquanto o investidor que recebe os valores é tributado em 15% na fonte.
Os JCPs e outros benefícios fiscais entraram na mira do governo federal, que estuda formas de aumentar a arrecadação para atingir a meta de resultado primário neutro no ano que vem, estabelecida no arcabouço fiscal. Para isso é necessário cobrir o déficit de R$ 100 bilhões contratado para este ano.
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“Acreditamos que o governo está muito empenhado em conseguir expandir essa receita”, afirma Zanetti. “Acabar com JCP é mais fácil do que tributar dividendos, já que a tributação vem também com uma redução de Imposto de Renda para pessoas jurídicas.”
A partir desta perspectiva, a Kinea fez um levantamento de quais setores da Bolsa seriam mais impactados pelo fim dos juros sobre capital próprio. Entre todos os segmentos, o de bebidas, representado pela Ambev (ABEV3), deve ser o mais afetado pela extinção do benefício fiscal – a expectativa é de redução de 22,8% no lucro em 2024.
Na sequência, aparecem os setores de telecomunicações — composto por empresas como Oi (OIBR3), Tim (TIMS3) e Vivo (VIVT3) — e bancos. As “telecons” devem ter impacto de 17% no lucro de 2024, ao passo que as instituições financeiras devem sofrer uma diminuição de 16,9%.
Zanetti reforça que o fim do JCP deve atingir de forma diferente mesmo as companhias pertencentes a um mesmo setor, ou seja, gerar algumas distorções. “Por exemplo, hoje a Ambev compete com Heineken e Petrópolis, que não possuem hoje um benefício tão grande com os JCPs. Logo, a Ambev não vai conseguir repassar esse impacto para os preços e haverá uma perda de competitividade”, diz o gestor.
Já no setor de bancos, o impacto do fim dos JCPs será mais equilibrado entre os players. “Todos os bancos terão um impacto negativo sobre o lucro. Portanto, fica mais fácil para as instituições financeiras repassarem esse impacto para o consumidor”, diz Zanetti. “Em telecomunicações, serão todas impactadas também.”
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Na outra ponta, os setores menos impactados pelo fim dos JCPs são varejo (-0,1%), alimentos (-0,5%) e infraestrutura (-0,9%), que já não possuem um histórico consistente de pagamento de proventos. Na média, as empresas listadas devem sofrer uma redução de lucro de 8% para 2024.
Gestora zera posições
Tendo em vista esse cenário, a Kinea já se movimentou para se proteger. A gestora afirma ter zerado posições em Ambev, cujo impacto do fim do JCP é bastante relevante.
“ABEV3 É um papel que ficaremos de fora por um bom tempo”, afirma Zanetti. “O valuation não está barato e ela perde competitividade no setor se ocorrer o fim da JCP, porque as competidoras não são impactadas da mesma maneira.”
A Kinea também não possui nenhuma posição em bancos. Mesmo podendo repassar o impacto para o consumidor em caso de fim do JCP, essas instituições devem ver suas ações e lucros pressionados no curto prazo. “Achamos que é hora de sair, mas claro, depois repensaremos empresa por empresa”, diz o gestor.
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A casa também reduziu posições em Renner (LREN3), que dentro do setor de varejo deve ser uma das mais impactadas, com uma redução de 6% a 7% do lucro. “Estamos alocados em construção civil, infraestrutura, shoppings e utilidades públicas”, ressalta a Kinea, em carta mensal aos investidores.
Apesar de o fim do JCP ter potencial para afetar substancialmente os lucros de determinadas companhias no curto prazo, no longo prazo a tendência é de que este “susto” se dissipe, à medida que as empresas melhorarem seus resultados.
“Existem medidas para mitigar, como o repasse aos consumidores. Já no caso da Ambev, por exemplo, a empresa é caixa líquida e opera sem dívida. Se a companhia se alavancar, poderia usar o ‘tax shield’ (dedução do lucro tributável pelos juros de dívidas)”, afirma Zanetti.
Outra reação esperada das empresas é de que haja uma avalanche de repasses em JCP, como uma antecipação ao eventual fim do benefício - medida que também pode diminuir o impacto da extinção dessa remuneração.
Ciclo virtuoso
A expectativa de fim de alguns benefícios fiscais a empresas não diminui o otimismo da Kinea com o mercado brasileiro. Para a gestora, os prêmios de ativos ligados ao mercado doméstico estão acima da média dos últimos oito anos. Paralelamente, a casa espera um retorno de fluxo para a renda variável.
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“O que a gente viu até junho eram resgates em fundo de ações o tempo todo, muito pessimismo com a economia”, diz Zanetti. “Só que pelo menos no último mês, em julho, não tivemos mais resgates em fundos de ações (FIA).”
Em junho, os FIAs sofreram R$ 6,1 bilhões em resgates. Já em julho, o montante resgatado caiu 95%, para R$ 260 milhões, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). “O fluxo negativo foi estancado”, afirma o gestor. “E outra coisa, é que a queda de juros é um negócio poderoso para o lucro das empresas. Começamos a entrar em um ciclo muito virtuoso, estamos cautelosamente otimistas.”