- O aumento generalizado dos preços na economia norte-americana já era uma preocupação meses antes de o Senado aprovar o estímulo fiscal de US$ 1,9 trilhão do presidente Joe Biden
- O temor era de que, com mais dinheiro circulando, a inflação subisse e o Federal Reserve (banco central norte-americano) fosse obrigado a subir os juros
- De acordo com os especialistas, a elevação das taxas de juros nos EUA diminui o custo de oportunidade de se investir no mercado brasileiro
Se você acompanha o mercado financeiro, deve ter notado um tema recorrente nas análises de especialistas: a ‘inflação dos Estados Unidos’. O aumento generalizado dos preços na economia norte-americana já era uma preocupação meses antes de o Senado aprovar o estímulo fiscal de US$ 1,9 trilhão do presidente Joe Biden, em março.
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O superpacote de Biden tem o objetivo de acelerar a recuperação do País após a pandemia do coronavírus, que brecou a atividade econômica. Contudo, já naquela época o temor era de que, com mais dinheiro circulando, a inflação saltasse e o Federal Reserve (banco central dos EUA) fosse obrigado a subir juros para conter a alta dos preços. Atualmente, os EUA tem juros próximos a 0%.
A escalada dos juros na terra do ‘tio Sam’ resulta também no aumento do rendimento dos títulos públicos do tesouro americano, os treasures, considerados os ativos de menor risco no mundo. Com isso, muitos investidores acabam tirando capital de mercados emergentes (e menos seguros), como o Brasil e direcionando o dinheiro para os treasures dos EUA.
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“A B3 acaba sofrendo consequências, já que a elevação das taxas de juros nos EUA diminui o custo de oportunidade de se investir no mercado brasileiro”, diz José Francisco Cataldo, head de research da Ágora Investimentos. “Um fluxo de capital que poderia vir para o Brasil acaba ficando por lá mesmo. A própria renda variável americana acaba desaquecendo, assim como no resto do mundo.”
Os investidores estrangeiros são responsáveis por mais da metade do volume financeiro na Bolsa brasileira. Somente em abril eles negociaram R$ 912 bilhões, cerca de 52% do total. É principalmente esse público, além de investidores institucionais, que pode ser fortemente atraídos a tirar capital da B3 em investir na renda fixa americana.
Muito além do capital
Para além do desaquecimento da renda variável no Brasil, uma alta nos juros dos Estados Unidos pode ter reflexos em outros segmentos. Segundo Paloma Brum, analista de investimentos na Toro, a saída de capital da B3 para os títulos públicos americanos pressionaria ainda mais o câmbio e demandaria uma alta mais acelerada da Selic, a nossa taxa básica de juros.
“Com juros mais altos no Brasil, nosso mercado de ações pode sofrer maiores ajustes, embora a Selic ainda tenda a se apresentar num patamar historicamente mais baixo”, explica Brum. “Além disso, fatores domésticos contribuem para a formação de uma pressão inflacionária, principalmente no que tange à desvalorização do real face ao dólar em decorrência de um risco-país mais elevado.”
Por estas razões, de acordo com Brum, os investidores brasileiros podem esperar uma política monetária contracionista em 2021, ainda que isso não signifique a retomada de juros num patamar tão elevado como em outros momentos. “Os juros dos títulos públicos federais [brasileiros], ainda baixos, acabam tornando os papéis do Tesouro menos atrativos face ao nível de risco mais alto, incentivando a saída de capital da nossa economia”, afirma a analista.
Uma aposta arriscada
O jornal The Economist publicou matéria sobre o risco de aumento da inflação nos EUA em fevereiro, antes que o pacote fiscal fosse aprovado no Senado, e levanta as dúvidas em relação aos efeitos dos estímulos à economia.
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“Em 7 de fevereiro, Janet Yellen, a secretária do Tesouro, tentou tranquilizar os críticos do estímulo de Biden dizendo que os Estados Unidos têm as ferramentas para lidar com a inflação. Mas as taxas mais altas não são sem consequências, e se o Fed se vir jogando água fria em uma economia superaquecida os riscos de outra recessão aumentarão”, afirmou o jornal. “Em Wall Street, taxas mais altas seriam um choque. Em mercados emergentes, elas seriam angustiantes.”
E o que era só temor tornou-se mais preocupante à medida que indicadores eram divulgados. Em abril, o Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês) veio com uma alta de 0,8%, enquanto o esperado era um aumento de 0,2%.
No acumulado dos últimos 12 meses, também era esperada uma alta de 3,6%, mas houve um avanço de 4,2% – a maior variação positiva anual desde setembro de 2008, quando havia subido 4,9%.
O Federal Reserve explicou que a inflação seria temporária e fruto de gargalos nas cadeias globais de produção, como consequência da pandemia. Entretanto, a justificativa ainda não conseguiu apaziguar totalmente os ânimos e afastar as dúvidas.
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“Dados divulgados desde aquela reunião (do FED) em abril já podem ter mudado esse cenário pintado pelos dirigentes dos FED e isto é o que preocupa os agentes do mercado”, explica Brum. “Somado a isto, foi relatado pela ata do FOMC [Comitê Federal de Mercado Aberto, semelhante ao Copom, no Brasil] que alguns de seus membros já manifestaram receios de que a inflação suba para patamares indesejáveis.”