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“O momento sugere retomar alta dos juros no Brasil”, diz XP Asset

Para Fernando Genta, economista-chefe da XP Asset, o Banco Central subestimou a piora do quadro fiscal no Brasil

“O momento sugere retomar alta dos juros no Brasil”, diz XP Asset
Fernando Genta é economista-chefe da XP Asset e possui passagens pela Verde Asset e pelo governo durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (Foto: XP Asset)
  • O especialista pontuou que o mercado acompanha de perto a capacidade do governo em contigenciar gastos para cumprir a meta de superávit
  • Com as incertezas sobre essa capacidade, a tendência é que a inflação fique mais distante da meta de 3%, o que sugere a necessidade de uma retomada gradual da alta da Selic
  • Mesmo com essa possibilidade no radar, Genta acredita que o momento apresenta oportunidades de investimentos na bolsa de valores diante do "desconto" excessivo das ações brasileiras

O mercado inicia a semana com a expectativa para a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), que vai decidir nesta quarta-feira (31) a trajetória dos juros no Brasil. No último encontro, que ocorreu em junho, a autoridade monetária decidiu interromper o ciclo de queda da Selic e manteve a taxa básica de juros a 10,50% ao ano. A expectativa dos investidores é que o colegiado repita a decisão a fim de garantir que a inflação e as suas expectativas fiquem próximas da meta de 3%.

No entanto, as incertezas sobre a capacidade do governo em contingenciar os gastos para alcançar o superávit fiscal nos próximos anos estão endossando discussões sobre a possibilidade de uma retomada da alta dos juros no Brasil. Segundo Fernando Genta, economista-chefe da XP Asset, o BC pode estar subestimando a piora do quadro fiscal no Brasil que pode levar a uma alta da inflação no médio prazo, e a manutenção dos juros em 10,50% por mais tempo pode não ser suficiente para evitar a materialização desse quadro inflacionário. Caso essa medida não seja bem sucedida, BC pode ser obrigado a fazer uma elevação da Selic ainda mais agressiva no futuro.

“É uma inflação que está piorando, mas o pior ainda está por vir. O momento atual em tese sugere que seria pertinente uma discussão de alta dos juros. O plano B que já vem sendo tomado é ‘jogar parado’. Até o momento, a estratégia não tem sido bem sucedida”, diz Genta. Dado esse contexto, ele espera que a reunião do julho do Copom mostre um reconhecimento sobre a piora no prêmio de risco no Brasil – ou seja, elevação do retorno exigido pelos investidor ao risco do investimento. Para ele, essa avaliação já dá o primeiro passo na discussão sobre se há espaço para manter a atual política monetária nos próximos meses ou se existe a necessidade de uma elevação gradual da Selic.

“Nas próximas reuniões, vamos ter mais insumos para debater o que vai acontecer com a política monetária norte-americana, o que aconteceu com o dólar frente aos pares e como está a política fiscal do Brasil com o envio do orçamento para o ano que vem”, diz o especialista. Ou seja, até o momento, a retomada da queda dos juros parece estar fora de cogitação, o que favorece a permanência dos títulos do Tesouro Direto indexados ao IPCA entregarem ganhos reais de 6% por mais tempo.

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Mesmo com essa possibilidade do mercado voltar a vivenciar um período de ciclo de aperto monetário e de títulos públicos ainda mais atrativos para o investidor de renda fixa, o ambiente parece oferecer uma luz para a indústria de fundos de investimentos e para a Bolsa. Para o economista-chefe da XP, as ações de algumas companhias de capital aberto estão sendo negociadas a um patamar de preço bem abaixo do seu valor considerado ideal. Essa realidade traz oportunidades para os investidores estarem posicionados em boas companhias a um preço mais baixo. “O preço de algumas companhias parece aguentar mais desaforo”, comenta Genta.

O ambiente tem feito com que os fundos de investimentos voltem a entrar no radar dos investidores pessoa física, enquanto os gestores buscam aproveitar ao máximo as oportunidades disponíveis na renda variável.

Ao E-Investidor, Fernando Genta que tem passagens pela Verde Asset Management e pelo Ministério da Economia, quando exerceu o cargo de secretário adjunto da pasta, falou ainda sobre as expectativas do dólar nos próximos meses com o atual cenário macroeconômico. Confira.

E-Investidor – O Ibovespa deve encerrar julho com uma alta mensal acima de 2% e temos visto uma retomada do capital gringo. O segundo semestre pode ser positivo para a indústria de fundos?

Fernando Genta – A indústria de fundos é boa em capturar tendências, mas falta uma tendência de investimentos no momento. Olhando para o cenário internacional, vemos a economia dos Estados Unidos sobrevivendo bem para um cenário de patamar de juros elevados em que as pessoas, no início, falavam que poderia impor uma grande desaceleração. Agora, o cenário caminha para que o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) venha gradualmente reduzir as suas taxas de juros.

No Brasil, continuamos com uma dificuldade de antecipar grandes tendências, mas os preços de ativos mostram que algo deu muito errado. Olhamos para as inflações implícitas e estão muito acima da meta. Temos uma curva de juros que precifica o início do ciclo de alta já neste ano e com continuidade para o ano que vem. Ou seja, estamos em um país de juros mais altos, mesmo nesse ambiente de corte de taxas nos Estados Unidos. Pelo menos, o cenário vai ficando mais “claro”.

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Podemos ver uma recuperação na captação dos fundos de investimentos ou o período vai continuar desafiador para a classe de ativos?

Há alguns pontos que precisam ser considerados. Em primeiro lugar, vemos uma grande saída de estrangeiros. A indústria de fundos teve muita dificuldade em termos de cenário. Por exemplo, os multimercados tiveram meses difíceis, mas voltaram a performar bem. Eu acho que, no caso da Bolsa, sentimos que, mesmo com um cenário macroeconômico desafiador, alguns preços parecem excessivamente descontados. No caso do mercado de crédito, vivemos em um período com taxas de juros altas no Brasil e no mundo. Não temos um cenário de descontrole inflacionário, embora a inflação esteja distante da meta. A transição do Banco Central não deve ser desastrosa, mas deve ocorrer em um movimento suave. O nome de Gabriel Galípolo é bem recebido por todos do mercado.

Vejo uma combinação de iminência de corte de juros nos EUA, preços muito descontados na Bolsa brasileira e um momento bom para o mercado de crédito que garante uma boa captação.

Dado esse contexto, como a XP Asset está trabalhando com os seus fundos?

O track record (histórico) dos fundos é algo que os investidores sempre ficam atentos, mas vejo que a indústria parece estar vivendo um momento interessante agora. Acompanhando a exposição dos fundos da XP Asset e o quanto os fundos podem comprar papéis, vejo que está no seu limite máximo (de exposição e de compra). Na minha visão, isso reflete um otimismo da equipe com uma retomada da Bolsa de Valores que vai além da dificuldade do cenário macroeconômico. É um quadro macroeconômico desafiador, mas o preço de algumas companhias parece aguentar desaforo. E estou falando de bons papéis.

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Há uma expectativa no mercado em torno do nome que será indicado pelo governo para a presidência do Banco Central. Por que você avalia que será uma transição suave?

A lei da autonomia do BC dá ao presidente e ao colegiado a sua independência. Eles têm a liberdade para fazer o que acham correto. E os nomes cogitados, até agora, tiveram uma postura técnica. Podemos até achar que o Banco Central poderia ter cortado mais juros ou ter sido mais duro no discurso, mas é inegável que tenha sido uma decisão baseada em uma análise técnica.

Eu conhecia muito pouco as visões de Gabriel Galípolo, antes do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ele tem uma posição de destaque no Ministério da Fazenda, como secretário executivo, e teve uma interlocução muito boa com o Congresso Nacional. Acho que o mercado deve receber muito bem o nome do Gabriel Galípolo caso ele seja indicado para a presidência do BC. O governo também vai indicar mais três diretores para o Copom. Se os três nomes forem da mesma qualidade dos últimos, acho que teremos uma transição suave.

A questão é: quem assumir a presidência vai enfrentar um quadro desafiador. Se o BC soubesse que os mercados estariam na situação que se encontram hoje, não teria feito um ciclo de juros que levasse a Selic para 10,50%. Se o BC vai subir os juros a partir de agora, já é uma outra discussão, mas me parece que o BC subestimou os riscos. É curioso porque o Banco Central estava muito atento ao processo de juros dos EUA e sobre as dificuldades do campo fiscal e, mesmo assim, parece ter subestimado o ritmo de cortes acelerado.

Quais foram os riscos subestimados?

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Tivemos uma surpresa altista da inflação (dados do IPCA-15  de julho) concentrada em passagens aéreas e seguros. A inflação está correndo acima da meta, mas ainda sob controle. Olhando só para a dinâmica da inflação do curto prazo no Brasil, as coisas estão indo bem. Quando olhamos para o mercado de trabalho, vemos um aumento do salário real crescendo acima do PIB produzido por trabalhador. Então, está crescendo acima da produtividade.

Além disso, temos um quadro fiscal muito desafiador. A equipe do ministro Fernando Haddad foi muito bem sucedida no plano de voo na agenda de aumento de receita, mas sofre agora com o esgotamento dessa agenda e com um otimismo excessivo. Vemos a dissonância do Ministério da Fazenda e a percepção que indicam os preços de ativos no momento. Parecem duas realidades distintas. A Fazenda sugere que o problema trata-se de um ruído de comunicação, enquanto o mercado vê um diagnóstico de uma realidade bem mais difícil.

Quando eu junto o ritmo de crescimento da economia, a dinâmica do mercado de trabalho e as incertezas fiscais, o resultado direciona para uma inflação alta. Ou seja, trata-se de uma inflação que está piorando, mas o pior ainda está por vir. O momento atual em tese sugere que seria pertinente uma discussão de alta dos juros. O plano B que já vem sendo tomado é “jogar parado”. Até o momento, a estratégia não tem sido bem sucedida e, se insistir em uma estratégia malsucedida, o custo será maior lá na frente.

Com a piora do prêmio de risco no Brasil, podemos esperar uma retomada de alta da Selic?

Na reunião do Copom desta semana, seria razoável o colegiado reconhecer que o quadro piorou e ver o que será necessário fazer. Nas próximas reuniões, vamos ter mais insumos para debater o que vai acontecer com a política monetária norte-americana, o que aconteceu com o dólar frente aos pares e como está a política fiscal do Brasil com o envio do orçamento para o ano que vem. Então, são nas últimas três reuniões do ano que vamos saber se os juros sobem ou não. Qualquer discussão sobre corte de juros no curto prazo parece ser uma realidade distante. Ou seja, o Copom tem duas saídas: ficar com a Selic parada e correr o risco de ter sido otimista para depois subir mais os juros ou reage a um ciclo gradual em algum momento. Não espero uma alta de juros para a reunião de julho, mas será para onde a discussão tem que ir.

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O governo anunciou um corte de R$ 15 bilhões no orçamento. A medida conquistou a confiança do mercado sobre o compromisso do governo com as contas públicas?

Ninguém questiona que se o governo vai ou não estourar o teto de gastos neste ano. O que se discute é o cumprimento da meta de superávit primário. A sensação que se tem é que há claramente uma superestimação em relação às medidas de arrecadação. Hoje, o mercado questiona a capacidade do governo em contingenciar alguma coisa. Ou seja, por mais que o arcabouço fiscal fale que o governo precise contingenciar até R$ 55 bilhões, o governo apresentou uma leitura alternativa e, no fim, o relator (o deputado federal do União Brasil) Danilo Forte colocou na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) um limite de R$ 23 bilhões.

A dúvida do mercado hoje é se o governo vai contingenciar esses R$ 23 bilhões além do que vai bloquear para o cumprimento do teto. São duas coisas no processo orçamentário. De um lado tem a necessidade do bloqueio para não estourar o teto e do outro o contingenciamento para cumprir a meta de superávit primário. Então, o governo não vai estourar o teto de gastos, isto está claro para o mercado. Agora, o cumprimento do superávit primário atual que permite um déficit de até R$ 28 bilhões corresponde à dúvida do mercado. Se o governo respeitar o teto de gastos neste ano e puder contingenciar até R$ 23 bilhões, mesmo que não cumpra a meta, acho que a reação do mercado será muito positiva.

Então, até quando a janela de IPCA+6% pode durar?

Se os títulos públicos norte-americanos subirem um ou dois pontos porcentuais no que paga, vamos ter que elevar também os prêmios para capturar essa demanda, porque a preferência dos investidores vai ser os títulos dos EUA devido ao risco ser bem menor. O risco fiscal vai conseguir impor uma agenda necessária de cortes de gastos e o prêmio de risco parte desse questionamento do cumprimento da meta fiscal. Acho que vai durar. Os nossos fundos multimercados não estão aplicados no juro real. Não temos NTNB (títulos indexados ao IPCA). Eu acho que essa é uma dinâmica muito diferente do investidor pessoa física porque conseguimos comprar e vender, fazer análises mais completas. Eu acho que dificilmente haverá uma redução substancial e duradouro do juro real. Pode-se ter oscilações, mas não vejo uma tendência favorável no curto prazo.

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Como o dólar pode se comportar com esse cenário de incertezas?

No cenário do dólar contra todas as outras, fica difícil ver um enfraquecimento substancial do dólar, mesmo com um Fed estando em vias de começar a cortar juros. Quando olhamos para os fundamentos da economia brasileira, a questão é mais complexa diante do quadro fiscal. Então, vemos um real um pouco mais depreciado frente aos pares do que víamos há seis meses. Podemos ter uma apreciação em relação aos patamares atuais, mas não será como pensávamos no início do ano quando projetávamos o dólar entre R$ 4 a R$ 4,50.

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