O que este conteúdo fez por você?
- Projeções pessimistas traçadas em meio ao estresse da pandemia certamente serão revisadas. Mas, com a volatilidade do cenário, ainda é difícil dizer quando a Bolsa irá superar os 100 mil pontos
- Taxa Selic com viés de baixa deve levar mais investidores brasileiros para a renda variável, o que favorece a B3
Na última semana, o mercado financeiro viveu um período cor de rosa, de um otimismo regado a muitos e muitos dólares. Com um robusto programa de estímulos monetários e fiscais a cargo de Estados Unidos e Europa, as economias desenvolvidas receberam uma bela injeção de vigor para voltar à ativa. E esses ventos de bonança acabaram contaminando a Bolsa de Valores brasileira.
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O Ibovespa teve uma alta fenomenal em um período de apenas cinco pregões: abriu a semana em torno dos 83 mil pontos e chegou a mais dos 97 mil na última sexta (5), antes de fechar a 94.637 pontos.
Diante da alta repentina e nada trivial, a pergunta que paira no ar é: vamos voltar a cruzar a barreira dos 100 mil pontos? Se 2020 abriu na casa dos 116 mil pontos e algumas casas previam terminar o ano com 140 mil, o coronavírus caiu como uma bomba no cenário e forçou revisões dramáticas. Seria hora de voltar a subir a régua?
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Ainda não, na opinião dos especialistas ouvidos pelo E-Investidor. Eles sustentam que, no frenesi da semana, a oscilação do índice mostrou um certo descolamento da realidade e que não há dados da atividade econômica brasileira que deem suporte aos picos alcançados.
“O preço está mais correspondente com as expectativas, do que com o que nós realmente somos agora”, ressalva o analista Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos. “Vimos algumas reações positivas, como no e-commerce, mas só tivemos o desempenho da indústria, que não foi tão fraco como se esperava.”
Otimismo do exterior influenciou o salto da B3
E de onde vieram essas expectativas, então? Principalmente do cenário externo, que já vê alguns países com relaxamento da quarentena e esboçando uma reabertura da economia. Isso tudo incentiva os mercados e melhora a curva de expectativa não só desses países, mas também dos demais, que esperam viver algo semelhante.
Garde Asset: Para o mercado, o coronavírus é página virada
Um dado forte que turbinou ainda mais as esperanças foi a revelação do payroll norte-americano. O Departamento do Trabalho dos Estados Unidos informou hoje que o país abriu 2 milhões de postos de trabalho no mês de maio, quando o que se esperava era a perda de vagas.
“Isso foi um momento de virada para o mercado. Os EUA mostram uma recuperação muito forte. Não em ‘V’, mas em forma de foguete”, comenta o analista Henrique Esteter, da Guide Investimentos.
Ele frisa, porém, que é muito improvável que o mercado de trabalho brasileiro desenhe um movimento desse tipo. “No Brasil, por questões legais e contratuais, é bem mais difícil demitir e contratar. De qualquer forma, o cenário tão negativo de antes não se concretizará. Fazia muito tempo que não tínhamos uma alta de 10% em uma semana.”
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Na medida em que as economias de EUA e Europa se recuperem, o fluxo comprador tende a migrar desses mercados para os emergentes, o que também beneficia a Bolsa brasileira.
“Os desenvolvidos já andaram, então o investidor vai atrás de onde ele ainda possa obter um bom prêmio”, diz o economista Rodrigo Moliterno, sócio da Veedha Investimentos. “Como o Brasil ainda tem moeda fraca e ações depreciadas, isso dá mais espaço de valorização para o investidor.”
Ao comparar o comportamento dos índices das principais Bolsas com o coronavírus, o dos EUA caiu 37% e hoje está a 10% do patamar inicial pré-crise. Inglaterra caiu 36% e hoje está a 16%, Alemanha caiu 40% e agora está a 7%, e França caiu 40% e hoje está a 16%. Já o Brasil caiu 48%, mas ainda está 20% distante do nível pré-coronavírus.
Essa queda mais acentuada se explica pela própria liquidez do mercado brasileiro. “Quando a pandemia começa, o investidor vai liquidar suas posições primeiro onde é mais fácil. Não por acaso, nossa moeda foi a que mais se desvalorizou entre as emergentes”, pontua Moliterno.
O fator Selic: se a renda fixa chora, a B3 sorri
Um fator que torna o ambiente muito favorável para a Bolsa brasileira é a atual taxa de juros, a menor da história. E o viés é de baixa, com novos cortes pelo Comitê de Política Monetária esperados até o final do ano. Isso traz um fluxo maior de capitais da renda fixa para a variável.
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“Nesse quadro, o investidor não tem mais o que fazer com o dinheiro: se quiser obter retorno, terá que ir para a Bolsa. Haverá um fluxo comprador mais forte, que ajudará a catalisar a retomada”, prevê Esteter, da Guide.
O analista aposta em uma mudança na cultura do investidor brasileiro, que tende a ficar mais confiante nesse tipo de aplicação. “Muitos tinham medo. Mas várias corretoras mostram que comprar ações não é um bicho de sete cabeças e que a Bolsa não é loteria”, diz o analista.
E o coronavírus? Há quem diga que subiu no telhado
Enquanto no Hemisfério Norte as pessoas voltam (de máscara) a ocupar os parques e as varandas dos restaurantes, a crise sanitária ainda assombra o horizonte por aqui. O Brasil registra mais de uma morte por minuto causada pela covid-19, e o pico da pandemia nem sequer chegou.
Mesmo lá fora, a área médica vê o relaxamento das restrições com apreensão. O temor é de que uma reabertura precoce possa levar a uma segunda onda de contágio. “A curva da doença tem que permanecer no radar, pois esse pode ser um limitador da retomada”, alerta Moliterno. “Se vier uma segunda onda forte, isso fechará todas as economias novamente.”
Por outro lado, para Fernando Borges, gestor de ações da Garde Asset, o coronavírus já saiu do radar do mercado financeiro, que não se preocupa mais com o assunto.
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“Para o mercado, isso é página virada”, decreta. “O mundo já está em processo de reabertura, ainda que o Brasil esteja atrasado. O que temos visto lá fora não tem trazido preocupação quanto a uma segunda onda do vírus. Se esse risco aparecer, aí o mercado responderá a ele”, conclui.
Devagar com o andor: é cedo para projeções
Se a intensa alta prosseguisse no mesmo ritmo, a B3 certamente cruzaria a linha dos 100 mil pontos já na próxima semana. Os especialistas até confiam que a marca será atingida em algum momento, mas dizem que não é razoável esperar que o ritmo desta semana se mantenha.
“Podemos ter uma acomodação ou recuo dos preços agora, para depois haver uma segunda fase mais forte”, acredita Moliterno. Ainda tem muita coisa para acontecer nos próximos seis meses.”
Borges, da Garde, conta que boa parte do fluxo comprador das bolsas na baixa foi de pessoas físicas, tanto aqui como lá fora. Os investidores institucionais, no entanto, ainda estão bastante cautelosos. “Eles continuam posicionados em papéis defensivos no contexto do coronavírus, como as empresas exportadoras, beneficiadas com o dólar apreciado, e as que exploram o e-commerce”, diz Borges. “O movimento de readequação dos portfólios para o pós-pandemia ainda está começando.”
A Ativa começou o ano prevendo que a B3 encerraria 2020 aos 135 mil pontos. No auge do estresse da pandemia, revisou para 85 mil. A corretora aposta na recuperação além dos 100 mil, mas entende que, com o atual nível de volatilidade, ainda é cedo para fazer novas projeções.
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“Um piso na casa dos 90 a 92 mil me parece razoável, mas, em termos estatísticos e computacionais, precisamos de mais tempo para cravar uma projeção para o fim do ano”, diz o analista Ilan Arbetman.
Ele destaca, porém, que mais importante que atingir os 100 mil pontos é fincar os pés nesse nível. E, para isso, o andamento das reformas pelo governo será crucial. “Tivemos um calendário de reformas muito fraco, para não dizer nulo. Não demos passo algum nessa direção desde o início da pandemia”, ressalta.
“A dúvida é o que será feito em termos de política e economia para manter o patamar dos 100 mil. A simples expectativa de retomada não será suficiente, é preciso colocar a mão na massa”, diz.