- Temor de uma segunda onda de covid-19 jogou um balde de água fria nos mercados e fez com que praticamente todos os índices fechassem setembro com retrações. Já no acumulado do ano, enquanto o Ibovespa e as bolsas europeias tiveram perdas, o Nasdaq teve alta de 25,44%
- Discrepância é explicada pela composição de cada índice. S&P, Dow Jones e Nasdaq têm maior peso de empresas de tecnologia, que foram beneficiadas pela pandemia e tiveram melhores resultados
- Já na carteira do Ibovespa o maior peso fica com Vale, Petrobras e bancos, que foram penalizados pela pandemia. Tecnologia e varejo eletrônico até estão lá, mas não conseguem puxar o índice para cima
Se ainda é cedo para falar em fim da crise, a verdade é que as principais economias do mundo estão empenhadas em imprimir ritmo à retomada das atividades. A China vem apresentando uma recuperação consistente e, nos Estados Unidos, a criação de novos postos de trabalho está superando as expectativas.
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Esses movimentos provocaram reflexos positivos nas bolsas. Mas o temor do surgimento de uma segunda onda de covid-19 jogou um balde de água fria nos mercados e fez com que praticamente todos os índices fechassem setembro com retrações. Em Nova York, o Dow Jones, o S&P 500 e o Nasdaq acumularam perdas de 2,28%, 3,92% e 5,16% no período.
Na Europa, o mês não foi muito melhor: -1,43% no DAX alemão, -1,63% no FTSE 100 inglês, -2,91% no PCAC francês e -3,63% no IBEX35 espanhol. Por aqui, o Ibovespa se despediu de setembro com baixa de 4,80%.
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No acumulado de 2020, porém, os resultados dos diferentes índices apresentam discrepâncias notáveis entre si. Enquanto o Ibovespa caiu 17,90%, o Nasdaq, por exemplo, subiu 25,44%. Já o FTSE 100 registrou recuo de 22,23% e o IBEX35 perdeu 22,66%. Por que isso aconteceu?
Composição dos índices e o peso da tecnologia
Nem todos os setores da economia foram afetados da mesma maneira pela crise. Algumas empresas foram inclusive diretamente beneficiadas pela pandemia, como foi o caso do comércio eletrônico e do setor de tecnologia de forma geral.
Por outro lado, existe uma grande discrepância na composição dos vários índices locais das bolsas mundiais. Alguns são mais diversificados, outros menos. E os que apresentaram resultados mais positivos foram justamente aqueles em que as empresas de tecnologia têm peso maior.
É o caso dos citados Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq. Eles ficaram negativos em setembro, mas no terceiro trimestre tiveram ganhos de 7,63%, 8,47% e 11,02%, respectivamente, em meio a um verdadeiro rali nas ações de grandes empresas de tecnologia.
“Se você comparar o desempenho das empresas da nova economia com as da velha economia, verá que os resultados são muito diferentes”, diz Luiz Constantino, gestor de ações da Opportunity.
Já a composição da carteira teórica do Ibovespa é bem menos diversa. A presença de empresas ligadas de alguma forma à tecnologia é muito menor. As varejistas eletrônicas estão lá, mas o peso maior fica com Petrobras, Vale e bancos.
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“As instituições financeiras foram muito penalizadas pela pandemia. Os bancos tiveram que fazer provisões para créditos duvidosos e tudo isso foi precificado pelo mercado, que corrigiu para baixo o valor das ações”, diz João Guilherme Penteado, CEO e estrategista da Apollo Investimentos.
Ibovespa tem correlação com exterior, mas fatores internos pesam
Ricardo França, da Ágora Investimentos, explica que a bolsa brasileira não deixa de ser influenciada por acontecimentos externos, como as expectativas para a sucessão presidencial norte-americana. Mas essa correlação é mais intensa no curto prazo.
“Quando se abre o horizonte de tempo, a Bolsa tem comportamento distinto das outras. O Brasil segue uma agenda própria, caminha com sua pauta de reformas e ajustes. O Ibovespa tem condições de ter um movimento positivo independentemente do cenário externo”, diz.
Aliás, a importância dessa pauta interna não deve ser desprezada. A relevância do problema fiscal do País é tamanha que o Ibovespa acaba não conseguindo acompanhar os movimentos positivos do exterior. “O risco fiscal é muito alto e, em um ambiente de medo, o capital foge do Brasil para mercados mais seguros. É por isso que o preço da Bolsa daqui não se recuperou como as de fora”, explica Penteado.
Pedro Serra, gerente de research da Ativa Investimentos, ressalva que as empresas listadas no Ibovespa não são um retrato fiel da economia brasileira.
“Ali estão a Vale, uma multinacional de dar inveja, a Petrobras, que vai muito bem, bancos sólidos, as melhores empresas de varejo. Quando você olha o cenário macro, a recuperação dessas empresas, que têm uma vantagem competitiva maior, é muito melhor que a das demais”, pondera.
O que vem por aí
O rumo que as bolsas mundiais vão seguir até o final do ano depende de fatores como a descoberta de uma vacina contra a covid-19, que afaste a ameaça de uma nova paralisação das economias, e as eleições presidenciais nos Estados Unidos.
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“Os estudos para vacinas estão avançando e uma solução deve chegar em breve. A covid-19 já começa a pesar menos”, diz Constantino. “Sobre a eleição americana, o mais importante para o mercado é que o candidato democrata que venceu as primárias foi o Joe Biden e não o Bernie Sanders, que tem posições políticas mais radicais. De Donald Trump para Biden, não há uma variação tão ampla”, opina.
Penteado afirma que a valorização das empresas de tecnologia pode ser irreal, inflada artificialmente pelo excesso de liquidez do mercado. “Nem todo mundo percebeu que o mundo voltará ao normal. E, quando isso acontecer, a bolha pode estourar”, diz.
O estrategista da Apollo vê potencial para a retomada de preços da bolsa brasileira, mesmo com problemas como a questão fiscal. “O Brasil em dólar está mais barato. Até o fim do ano, vejo a Bolsa acima do preço atual. A vacina dará mais ânimo ao mercado, assim como medidas que tentem endereçar a questão fiscal para 2021”, prevê.