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“Não estou convencido de que subir a Selic é o único cenário possível”, diz Dalton Gardimam

O economista-chefe da Ágora Investimentos vê uma decisão difícil na mesa do Copom em setembro

“Não estou convencido de que subir a Selic é o único cenário possível”, diz Dalton Gardimam
Dalton Gardimam, economista-chefe da Ágora Investimentos (Foto: Ágora Investimentos)
  • Em setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central terá uma decisão difícil a tomar: subir a taxa básica de juros Selic ou mantê-la em 10,5% ao ano
  • Para Dalton Gardimam, economista-chefe da Ágora Investimentos, há argumentos para ambas as decisões e o mercado está em uma “rara divisão”
  • No meio desse cabo de guerra, a Ágora está cautelosa e projeta uma alta de 0,25 p.p. na Selic na próxima reunião.

Em setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central terá uma decisão difícil a tomar: subir a taxa básica de juros Selic ou mantê-la em 10,5% ao ano. Para Dalton Gardimam, economista-chefe da Ágora Investimentos, há argumentos para justificar ambas as escolhas e o mercado está em uma rara divisão. Nesta segunda (9), o Boletim Focus do BC mudou a estimativa de elevação nos juros em 2024 para 11,25%, mas grandes assets independentes já começam a projetar a Selic em 12% até dezembro.

No meio desse cabo de guerra, a Ágora está cautelosa e projeta uma alta de 0,25 p.p. na Selic na próxima reunião. “Ainda não estou convencido de que a elevação da Selic) é o único cenário possível”, diz Gardimam. “Muita coisa pode acontecer porque os dados estão volúveis.”

De acordo com o economista, a perspectiva de que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desacelere nos próximos meses e o eventual corte nos juros dos EUA, jogam a favor da manutenção da Selic. Por outro lado, as expectativas seguem desancoradas em 2025 e 2026, o que também justificaria uma alta dos juros no Brasil.

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“É uma decisão técnica difícil. Eu vejo muita gente boa no mercado, ultracompetente, defendendo a elevação e outras do mesmo calibre que projetam manutenção”, aponta Gardimam. Para o ano que vem, outra fonte de incertezas deve voltar para o radar. Ainda que as chances de uma recessão nos Estados Unidos tenham sido afastadas pelos dirigentes do Fed, o tema não saiu do radar da Ágora. “Esse é um evento que deve ser considerado em meados de 2025. Nao dá para cravar ainda. Estamos passando a análise de ‘possível’ para ‘provável’ no ano que vem”, diz o economista-chefe.

E-Investidor – Depois de ter atingido o ponto mais baixo do ano, o Ibovespa registrou uma reviravolta, cravando máxima histórica. Faz sentido?

Dalton Gardimam – Sim. O motor principal dessa reviravolta é a determinação do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) em cortar juros. O mercado futuro está projetando 3,5% de juros para metade de 2025 nos EUA, lembrando que está 5,5% agora. Ou seja, o país tem um corte substancial para frente e uma economia que, no momento, está bem. Eu entendo que teremos o “bem-estar” do corte de juros entre 6 e 12 meses. Nesse momento, você cria um impulso muito claro para os emergentes. Da seguinte forma: os juros nos Estados Unidos vão cair, isso deixa mais atraente as moedas emergentes, porque o dólar americano enfraquece em função dos juros mais baixos. Ou seja, não tem muita surpresa. Soma-se a isso, o fato de que tivemos uma acalmada na situação fiscal por aqui. Uma suavização do discurso do Executivo para com a parte fiscal, o anúncio efetivo do contingenciamento de despesas e a meta de inflação, que está “jogo jogado” – depende muito de uma boa vontade, de um esforço, mas não é inatingível.

O que poderia provocar uma disrupção desse cenário?

Uma recessão americana. No discurso do simpósio de Jackson Hole, o presidente do Fed, Jerome Powell, deu duas mensagens. A primeira é de que iria cortar juros, mas isso todo mundo sabia. A segunda mensagem foi de que ele esperava um “pouso suave” da economia americana, o que foi até mais surpreendente que todo o restante. Ou seja, cortes de juros, mas sem crise financeira. Isso é muito favorável para preços de ativos. No passado, em praticamente todos os ciclos, toda vez que você teve um corte de juros, aquilo foi um prenúncio da recessão nos EUA. Um prenúncio de que o Fed está vendo uma fraqueza pela frente e vai tentar minimizar os efeitos. Quando você tem a hipótese de que não vai ter recessão, se tem o melhor dos dois mundos. Existe claramente um ambiente favorável para a tomada de risco nesse cenário.

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Mas qual a chance real de uma recessão?

Acho que e um evento que deve ser considerado em meados de 2025. Não dá para cravar ainda. Estamos passando a análise de “possível” para “provável” no ano que vem. Caso ocorra, terá efeito negativo nas ações nos EUA. Os efeitos no Brasil dessa provável recessão dependerão muito das políticas domésticas. Se perseverarmos em melhorar a política fiscal e ancorarmos a inflação, devemos passar bem por isso.

Mesmo com o corte de juros nos EUA, no Brasil temos um cenário de algumas casas já apontando uma necessidade de subir a taxa Selic para 12%. Qual a sua visão?

O que eu posso dizer é o seguinte: é uma decisão técnica difícil. Eu tenho uma preferência por uma elevação da Selic nesse momento, só que não estou convencido de que é o único cenário possível. Tenho dificuldade em acreditar que é o cenário que o Banco Central vai perseguir, porque existem argumentos para os dos dois lados (para manter ou subir a Selic). Por isso, o cenário-base da Ágora, por enquanto, é uma não elevação da Selic. Estamos fazendo um julgamento baseado em vários fatores e é interessante enfatizar que podemos mudar de ideia. Não estamos comprometidos com o processo, porque os dados estão volúveis.

E quais são esses os argumentos de cada lado?

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Pelo lado da manutenção, tem a questão do Fed entrar em um grande processo de corte de juros, a economia americana enfraquecer, o dólar também e o real se apreciar. Portanto, subir a taxa aqui pode não ser a melhor decisão nesse cenário. Outro ponto é que fatores fiscais, como a PEC da transição de 2022 e a decisão dos precatórios de 2023, não vão existir de 2024 para 2025. Ou seja, o fiscal vai ter uma redução boa de expansão no ano que vem. Além disso, tem um período de hoje até meados de setembro e outubro que os IPCAs vão melhorar, chegando muito próximo de zero nas leituras seguintes, ou até negativo.

Entendo que o IPCA e o Fed estão jogando a favor da não elevação. O discurso do BC, através dos membros do Copom, foi de que “estamos preparados para elevar juros”. Mas eles não se comprometeram com a elevação. Por outro lado, as expectativas pra a inflação em 2025 e 2026 estão fora da meta. Se eu fosse votante do Copom, eu teria uma preferência por resolver essa questão de maneira mais imediata. Só que eu também teria o cuidado de avaliar os dados até o último dia da minha decisão. Eu não acho que a única decisão possível é votar pela elevação da Selic.

E no meio dessas incertezas sobre a Selic, para onde vai o Ibovespa?

O Ibovespa vai para cima. Por um motivo muito simples, que é o fluxo de capital vindo do estrangeiro. Se tivermos um aumento de juros no Brasil, talvez seja um dos menores e talvez o mais curto aumento de juros que teremos em décadas. A Bolsa está com um valuation (processo que analisa qual o valor de determinado ativo) super barato. Se aumentar um ponto nos juros, ainda está ok. Por isso que eu acho que juros caindo nos EUA, fluxo entrando, juros subindo um pouco aqui, teremos um ambiente bem favorável para a Bolsa. Isso eu não tenho dúvida.

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