O que este conteúdo fez por você?
- O engenheiro agrônomo Marcos Antônio perdeu quase R$ 70 mil após investir em cotas de multipropriedade em dois resorts, localizados no município de Caldas Novas, em Goiás
- Sem uma reposta das empresas envolvidas sobre os pedidos de distrato dos contratos, Antônio ingressou com uma ação judicial para resgatar o valor investido nos empreendimentos
- As cotas de multipropriedade são modelos de negócios de alto risco que oferecem aos consumidores a possibilidade de comprar um imóvel em resorts por um preço mais acessível
O engenheiro agrônomo Marcos Antônio viu o seu investimento de quase R$ 70 mil minguar após a compra de imóveis em Caldas Novas, em Goiás. Embora de empresas diferentes, os apartamentos seguem o mesmo modelo de cotas de multipropriedade, em que várias pessoas são donas de um mesmo empreendimento com o direito a usufruir do espaço em alguns períodos do ano. Fora a dor de cabeça vivenciada pelo investidor, o caso reforça os cuidados que devem ser tomados antes de fechar qualquer negócio.
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O objetivo da compra de Antônio era garantir mais uma opção de lazer para a família, em função de toda a infraestrutura de hotel com piscinas e parques aquáticos. Mas por conta de atraso nas obras e dificuldades financeiras do comprador, os sonhos se transformaram em briga judicial para tentar resgatar os valores investidos.
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O E-Investidor tentou contato com a Nova Gestão Investimentos e Participações, responsável pelo Varandas Thermas Park, por e-mail, telefone e via Linkedin dos sócios da companhia, mas não obteve retorno. Já a empresa S.P.E Resort do Lago Caldas Novas, responsável por outro resort e alvo do processo judicial, não respondeu ao pedido de posicionamento.
A reportagem também entrou em contato com a WAM Group, atual responsável pelo empreendimento. Em nota, a empresa diz que foi contratada para intermediar a comercialização das cotas do empreendimento em julho de 2023 e, por isso, não tem responsabilidade pela venda das cotas adquiridas em períodos anteriores.
O investimento que ainda não teve retorno
Durante férias com a família em Caldas Novas, em agosto de 2015, Marcos Antônio foi abordado por promotores de vendas do Varandas Thermas Park. Na época, os representantes destacaram o potencial de valorização do projeto em lançamento e afirmaram que a cota concedia direito de até duas semanas de hospedagem por ano nas unidades, além da possibilidade de disponibilizar o período da estadia para terceiros e receber parte do valor das diárias. As informações constam nos autos do processo movido pelo agrônomo.
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Os benefícios convenceram e ele comprou a sua primeira cota de multipropriedade pelo valor de R$ 41.201,25, quitado integralmente em abril de 2016. A entrega do empreendimento estava prevista para outubro de 2018 – o que não aconteceu até hoje.
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“Após seis meses do fim do contrato pedi o dinheiro de volta, mas os atendentes falaram que não poderiam devolver porque a minha unidade já estava quitada. Depois, me ofereceram uma cota de outro empreendimento”, informou Antônio, que recusou a proposta. A Nova Gestão Investimentos é a responsável pela construção do hotel e se tornou alvo de um processo judicial em dezembro do ano passado após negar o reembolso integral para o agrônomo. No total, há 222 processos judiciais movidos contra a empresa no Tribunal de Justiça (TJ) de Goiás.
Uma nova compra
Antônio tem o hábito ir pelo menos uma vez ao ano passar as férias em Caldas Novas. Em uma das passagens, no ano de 2016, comprou uma cota de multipropriedade do Resort do Lago como uma opção de lazer para a família.
Já em novembro de 2017, em uma nova visita à região, o agrônomo comprou uma segunda cota no mesmo empreendimento por avaliar o investimento com um bom negócio. Esta fração imobiliária custava em torno de R$ 32,9 mil e havia uma projeção de entrega em 2020. Atualmente, o investidor usufrui regularmente apenas da primeira unidade, já que as obras referente ao bloco de apartamentos da segunda cota de multipropriedade continuam em atraso.
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Desde fevereiro de 2018, o empreendimento tem funcionado parcialmente após a entrega de quatro blocos e de cinco piscinas. Segundo a assessoria de imprensa, um bloco ainda segue em construção, além de outras quatro piscinas. A previsão é que as obras estejam concluídas em 2026.
As circunstâncias levaram o agrônomo a entrar com uma ação judicial contra S.P.E. Resort do Lago, responsável pelo empreendimento, para conseguir a restituição integral do último investimento. No processo, Antônio alega dificuldades financeiras para seguir com o pagamento das parcelas e a ação aguarda sentença da Justiça após a ausência de defesa da S.P.E. sobre o caso.
A nutricionista Priscilla Gomes também entrou com uma ação judicial para solicitar o distrato do contrato em outubro do ano passado. Ela comprou uma cota no Resort do Lago em 2016, com uma previsão de entrega do imóvel para maio de 2021. A data já incluía o prazo de tolerância de possíveis atrasos.
“Eu teria duas opções: trocar a minha cota por uma unidade pronta ou pedir o distrato do contrato. Escolhi a segunda alternativa por causa da insatisfação com a administração do empreendimento”, disse Gomes ao E-Investidor. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu pela devolução integral dos valores pagos em parcela única mais juros de mora de 1%. A decisão cabe recurso.
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No TJ, há 184 processos movidos contra o empreendimento. Um deles envolve uma ação movida pela “Acorela”, associação de cotistas do Resort do Lago, contra a empresa. A entidade é formada por co-proprietários do empreendimentos e busca solucionar os problemas dos investidores.
Vale destacar que este empreendimento fazia parte do portfólio do fundo imobiliário Tordesilhas EI (TORD11), mas foi vendido “a preço de banana” devido às dificuldades financeiras para a execução das obras. Como mostramos nesta reportagem, o FII informou ao mercado que a operação possui pendências financeiras relevantes, sendo um deles na ordem de R$ 76,4 milhões em processos jurídicos trabalhistas e cíveis.
Cotas de multipropriedade: os cuidados para fazer um bom negócio
As cotas de multipropriedade se mostram como uma alternativa mais acessível para adquirir imóveis em resorts ou condomínios de alto padrão e se tornaram populares no mercado imobiliário brasileiro. Segundo informações da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADITBrasil), o setor de multipropriedades disponibilizou ao mercado cerca de 1 milhão de cotas no fim de 2023.
Já nos últimos 10 anos, cerca de 200 projetos foram lançados no País e cerca de 100 empreendimentos seguem em operação. Apesar dos benefícios de ter uma hospedagem em um local turístico, os riscos envolvendo a execução desses empreendimentos exigem dos investidores cuidados desde a primeira avaliação do projeto até a entrega das chaves dos apartamentos.
Ana Larissa Pereira, advogada da área de direito imobiliário do Silveiro Advogados, reforça que, ao decidir conhecer a proposta dos imóveis, as pessoas precisam ficar atentas aos detalhes das regras do uso dos espaços e os custos relacionados à aquisição, como as taxas de manutenção do condomínio. “Ler o contrato com atenção é indispensável, especialmente as cláusulas sobre desistência, multas e condições de transferência de propriedade, para garantir que todos os direitos e deveres estejam claros antes de finalizar a compra”, ressalta Pereira. Por isso, os consumidores devem evitar qualquer decisão no mesmo dia em que as propostas forem apresentadas.
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Segundo os especialistas, esse tempo permite que haja uma análise mais detalhada sobre o contrato para averiguar se todos os benefícios apresentados pelos vendedores constam no documento. Possibilita ainda a consulta de um advogado especializado em mercado imobiliário e uma análise das vantagens para saber se atendem os seus objetivos. “A pessoa que deseja fazer esse tipo de investimento precisa ter um perfil de viagem muito assíduo. Precisa ainda ter condições para fazer planejamentos e tenha disponibilidade fora da alta temporada”, diz Joao Coutinho, economista e diretor da RJ+ Asset.
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Atualmente, o modelo de negócio é regulamento pela lei nº 13.777 de 2018, que trouxe maior segurança jurídica ao formalizar as cotas de multipropriedade no Brasil. Um dos benefícios é o direito à matrícula individual dos imóveis que são coproprietários. A medida facilita a revenda das unidades e a transferência da propriedade para terceiros. O texto estabelece ainda regras para o distrato do contrato sem a cobrança de multas para os casos de atrasos superiores a 180 dias corridos da data estipulada contratualmente para a entrega do imóvel. Ainda assim, a condição só é concedida caso a empresa responsável pelo empreendimento não forneça uma justificativa para o atraso das obras.
O grande problema em tornos desses projetos é que as compras costumam ser feitas pelos investidores na emoção. “Os promotores oferecem almoço de cortesia, dizem que a promoção vale apenas para aquela semana ou dia na tentativa de convencer o consumidor a assinar o contrato“, afirma Marcelo Tapai, advogado especialista em direito imobiliário e sócio do Tapai Advogados.
No entanto, especialista explica que o judiciário brasileiro tem aplicado sanções às empresas para situações em que os consumidores se arrependem quando a assinatura dos contratos são feitas nestas circunstâncias. “A Justiça entende que há um vício de consentimento, quando uma pessoa toma uma decisão devido à persuasão dos vendedores”, acrescenta o advogado. Nesses casos, os consumidores podem receber 90% dos valores pagos no investimentos.
Investimento em imóveis
Agora, para quem visa a rentabilidade, o cuidado deve ser ainda maior devido ao risco do investimento. “A revenda de cotas de multipropriedade pode ser difícil, o que limita a liquidez para quem busca retorno financeiro a curto ou médio prazo”, diz Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos. Além disso, os custos referente às taxas de administração dos condomínios podem reduzir o retorno em uma eventual venda das cotas.
Já a ADIT Brasil reforçou em comunicado divulgado em junho deste ano que as cotas de multipropriedade possuem fins de lazer e não como investimento imobiliário. Ou seja, promessas de rentabilidades e ganhos financeiros por meio da compra das frações dos imóveis evidenciam, segundo a associação, um desvio da função sobre a modalidade do negócio.
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