

O Ministério Público Federal do Ceará (MPF/CE) abriu duas investigações para apurar a origem de um documento enviado pelo e-mail oficial de um servidor, e com o timbre do próprio órgão, que determinava ao Estadão retirada do ar de uma reportagem sobre o envio de de R$ 88 milhões da Gafisa (GFSA3) para o Banco Master, transferência que teria impossibilitado o pagamento de dívidas do grupo do ramo imobiliário com credores.
O MPF trata o documento como falso, fraudado, diz que não foi enviado por ninguém de seu quadro e destaca que o procurador que aparece como suposto signatário do ofício, de Fortaleza (CE), não tem qualquer relação com o caso de São Paulo. A Gafisa pontua que “desconhece qualquer procedimento em curso no MPF/CE” e que, como uma das maiores construtoras e incorporadoras do País, historicamente aplica parte de seus investimentos em diversos produtos, “sempre observando normas contábeis e regulatórias aplicáveis” (leia mais abaixo).
O ofício, de 7 de fevereiro de 2025, foi enviado por um endereço de e-mail corporativo, existente, de Bruno Roberto Evangelista, um assessor de gabinete no MPF/CE, e indica na assinatura o procurador da República Samuel Miranda Arruda. A correspondência eletrônica, com o assunto “Ofício MPF – Solicitação Urgente de Retirada de Conteúdo”, foi destinada à equipe do E-Investidor que publicou a reportagem.
Publicidade
Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos
O documento, entretanto, não apresenta os motivos legais que embasaram a medida nem menciona qual seria a relação do MPF do Ceará com o caso Gafisa, que tramita no Poder Judiciário em São Paulo. O ofício é desprovido de códigos de verificação e de assinatura eletrônica, mecanismos que permitem verificar a autenticidade de documentos do sistema de Justiça.
Além disso, o cabeçalho não especifica de qual departamento do MPF/CE ele teria partido. Samuel Miranda Arruda é o atual Procurador Regional Eleitoral do Ceará. Bruno Roberto Evangelista é um servidor lotado em gabinete de procurador e atua em regime de teletrabalho. Procurados para comentar o caso, o procurador reiterou que não tem qualquer relação com o caso de São Paulo e que o documento é falso. O servidor disse que foi orientado a recomendar o acionamento da assessoria de comunicação.
O texto enviado no corpo do e-mail leva na assinatura o nome do assessor Bruno Roberto Evangelista, titular do e-mail corporativo remetente, e o aviso de que se trata de uma “requisição de remoção de matéria jornalística” publicada dois dias antes. Tem, ainda, uma solicitação de “confirmação do recebimento” e “envio de resposta formal” em 24 horas.
O ofício, de duas páginas, pede a “remoção imediata da matéria do ar, de forma permanente, de todos os meios de divulgação sob controle do veículo”. Além disso, requisita um “compromisso formal de não divulgar novas informações sobre o caso, sob pena de adoção de medidas cabíveis”.
Publicidade
“O não atendimento poderá resultar em medidas judiciais emergenciais, incluindo a remoção compulsória do conteúdo e a responsabilização do veículo e de seus representantes”, diz o documento que chegou à redação por um e-mail oficial do MPF. O expediente não é comum, muito menos se adotado por um procurador da República.
A partir de pedidos de esclarecimento do Estadão, o MPF no Ceará abriu dois procedimentos de investigação.
Em 25 de fevereiro, o procurador-chefe da Procuradoria Regional do Ceará, Marcelo Mesquita Monte, determinou a instauração de uma sindicância para apurar os fatos. Um relatório conclusivo deve ser apresentado por uma comissão composta por dois servidores dentro de 60 dias. Essa apuração é administrativa.
Em paralelo, foi instaurado um processo investigatório criminal, no último dia 13 de março. A apuração tem prazo previsto de 90 dias, prorrogáveis. Diligências já foram solicitadas. Em contato com integrantes do Estadão, servidores do MPF disseram que o teor do e-mail deveria ser desconsiderado por se tratar de fraude.
Publicidade
A Coordenadoria de Tecnologia da Informação e Comunicação da Procuradoria Regional do Ceará requisitou acesso à correspondência de e-mail recebida pelo Estadão para as investigações. O documento deve passar por perícia.
No fim de 2023, foi encontrado somente R$ 0,01 na conta corrente da Gafisa depois que a Justiça determinou o bloqueio de bens para pagamento de dívida com herdeiros da Klabin.
A reportagem revelou a transferência de R$ 88 milhões da Gafisa para o Banco Master por meio do fundo Bergamo Multimercado Crédito Privado. Representantes de credores afirmam que tratou-se de manobra para blindar o patrimônio do grupo.
Procurada pelo Estadão para comentar o caso do ofício, a Gafisa informou que “desconhece qualquer procedimento em curso no MPF do Ceará”. Com relação à transferência para o Banco Master apontada na reportagem anterior, a construtora reiterou que as informações seriam inverídicas, sem apontar quais.
Publicidade
“Como uma das maiores construtoras e incorporadoras do País, a companhia historicamente aplicou parte de seus recursos em diversos produtos financeiros, fundos de investimento e instituições do mercado financeiro, sempre observando as normas contábeis e regulatórias aplicáveis, tudo devidamente registrado em suas demonstrações financeiras”, frisou.
/COLABOROU DANIEL ROCHA