Negócios

O que explica os bilhões de Jeff Bezos e o que eles significam

CEO e fundador da Amazon viu que internet crescia a uma taxa de 2.300% em 1994 e fez previsão 'humilde' sobre sua fortuna

Jeff Bezos em evento de 2019, para celebrar os 50 anos da chegada do homem à lua: investimento em biotech. (Katherine Taylor/ Reuters)
  • A Amazon é a principal responsável pela imensa fortuna de Bezos. Mais de 90% dos R$ 204,6 bilhões que ele possui referem-se à sua participação de aproximadamente 11% na empresa
  • Em 1994, ele ficou encantado com o fato de que a Internet crescia a uma taxa de 2.300% ao ano, e aí teve a ideia de investir no ramo de vendas on-line, em uma “loja de tudo”, tendo os livros como foco principal.
  • A previsão de Bezos era de US$ 74 milhões em vendas até 2000. E foi com esse número em mente que ele tentou arrecadar dinheiro durante o primeiro ano da Amazon. A história mostra como ele subestimou a realidade, já que somente em 1999 o site registrou US$ 1 bilhão em vendas.

(Murilo Basso, Especial para o E-Investidor) –  No dia 26 de agosto de 2020, o CEO e fundador da Amazon, Jeff Bezos, alcançou uma marca histórica: tornou-se a primeira pessoa a ter uma fortuna avaliada em mais de US$ 200 bilhões (US$ 204,6 bilhões, para ser mais exato). A segunda pessoa mais rica do mundo, Bill Gates, possui cerca de US$ 90 bilhões a menos.

E a fortuna de Bezos poderia ser ainda maior se, em 2019, ele não tivesse feito o acordo de divórcio mais caro da história, quando se separou de MacKenzie Scott. Ele concordou em dar à ex-mulher 25% de sua participação na Amazon, ações que valem hoje US$ 63 bilhões.

Ainda que tenha doado US$ 1,7 bilhão em caridade no início deste ano, MacKenzie é hoje a 14ª pessoa e a segunda mulher mais rica do mundo, atrás apenas de Françoise Bettencourt Meyers, herdeira da L’Oréal. O grosso dessa gigantesca fortuna vem, é claro, da Amazon, mas o empreendedor também possui o jornal Washington Post, adquirido em 2013 por US$ 250 milhões, e a companhia aeroespacial Blue Origin, fundada em 2000.

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Este último empreendimento está ligado a um sonho de infância do empreendedor, que certa vez teria dito a uma professora e colegas de escola que “o futuro da humanidade não está neste planeta”.

Bezos tem, ainda, diversos imóveis avaliados na casa dos milhões: duas propriedades multimilionárias em Beverly Hills, na Califórnia; apartamentos em Nova York; uma casa cinematográfica à beira de um lago, com quase 3 mil metros quadrados, no estado de Washington, onde fica a sede da Amazon; uma mansão na capital Washington D.C.; e um rancho enorme no Texas.

Sobre seu processo de tomada de decisão nos negócios e na vida, Bezos já afirmou que obviamente a análise de dados e projeções é importante, mas que as melhores foram feitas com o “coração, intuição, coragem”. Em uma carta de 2018 aos acionistas da Amazon, ele escreveu que sem instinto e curiosidade a empresa teria perdido “enormes descobertas”.

Amazon

A Amazon é a principal responsável pela imensa fortuna de Bezos. Mais de 90% dos R$ 204,6 bilhões que ele possui referem-se à sua participação de aproximadamente 11% na empresa.

A história de sua fortuna, portanto, está relacionada de forma intrínseca à da companhia, que é responsável por cerca de 5% das vendas no varejo nos Estados Unidos. Somente em 2019, as vendas do e-commerce somaram US$ 222,6 bilhões no país, e a previsão para 2021 é de que o número ultrapasse os US$ 302 bilhões.

Formado na prestigiosa Universidade Princeton, Bezos foi o mais jovem vice-presidente sênior de um fundo de cobertura nos EUA, numa empresa chamada D. E. Shaw & Co. Tudo indicava que ele poderia ter uma carreira brilhante em Wall Street, se assim desejasse.

Em 1994, porém, ficou encantado com o fato de que a Internet crescia a uma taxa de 2.300% ao ano, e aí teve a ideia de investir no ramo de vendas on-line, em uma “loja de tudo”, tendo os livros como foco principal. Sua família, inicialmente, achou uma loucura, mas acabou apoiando o empreendedor – tanto que seus pais foram uns dos primeiros investidores da empresa.

A previsão de Bezos era de US$ 74 milhões em vendas até 2000. E foi com esse número em mente que ele tentou arrecadar dinheiro durante o primeiro ano da Amazon. A história mostra como ele subestimou a realidade, já que somente em 1999 o site registrou US$ 1 bilhão em vendas.

Para Alexandre Marquesi, professor de pós-graduação na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo, pode-se dizer que Bezos é um visionário, não pelo nicho de mercado que ele escolheu, mas por sua estratégia de mercado.

O especialista lembra que o empreendedor não pensou somente em um portal de vendas de livros, mas em um ecossistema de empresas que é direcionado por dados, muito centrado em métricas e na mensuração dos resultados.

“A Amazon é só a casca de uma organização muito maior, que também está presente em logística, fretes e meios de pagamento. O principal diferencial da Amazon em relação aos seus concorrentes é que, apesar de ser líder no segmento de e-commerce, essa não é a atividade principal da empresa. A principal mesmo é esse ecossistema criado. No início da trajetória da companhia, foi tomada uma decisão de integrar produtos, logística e os dados. Empresas como Magalu e Via Varejo estão buscando trilhar esse mesmo caminho”, diz Marquesi.

Já na opinião de Cristiano Machado Costa, professor da Escola de Gestão e Negócios da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Bezos teve sucesso com a Amazon devido a uma visão precisa do que viria a se tornar o e-commerce.

“A Amazon foi uma das empresas que surgiram nos anos 1990 que melhor soube explorar o potencial da Internet como plataforma de vendas. Mas mais do que isso: ela se tornou pioneira em Market Place, quando outros comerciantes usam a plataforma para vender, e em logística, embasada na entrega de acordo com a necessidade do cliente. Esses movimentos a tornaram uma gigante global que encontra concorrentes à altura somente em alguns países”, comenta.

Escala

A primeira “sede” da Amazon foi, como ocorreu com muitas outras empresas norte-americanas de sucesso, uma garagem. A equipe inicial da empresa era formada por Bezos, sua então esposa e somente dois programadores. De forma um tanto irônica, muitas reuniões eram conduzidas numa Barnes & Noble da vizinhança.

Para quem não sabe, a Barnes & Noble é uma rede de livrarias que tem, obviamente, a Amazon como um de seus principais concorrentes.
Essa possibilidade de montar um negócio digital com uma equipe reduzida e menores investimentos explica o porquê de, muitas vezes, empresas online saírem à frente de companhias cujo negócio se dá, principalmente, na produção de bens físicos – e também no meio físico.

“A grande diferença entre uma empresa que produz bens físicos, como carros e eletrodomésticos, ce outra empresa orientada ao digital, caso da Amazon e das demais de e-commerce, é a escala. Empresas que lidam com produção física necessitam mais funcionários e maiores investimentos para alcançar grandes escalas. Com empresas do mundo digital não é assim, já que alta escala pode ser atingida sem grandes investimentos extras”, afirma Alexandre Marquesi, da ESPM.

O fator pandemia

Desde o início de 2020, as ações da Amazon aumentaram quase 80%, o que refletiu no patrimônio líquido de Bezos – em 1° de janeiro, sua fortuna era de “somente” US$ 115 bilhões. Não é exagero afirmar, portanto, que os novos hábitos de consumo trazidos pela pandemia do coronavírus, geraram reflexos na fortuna do empreendedor.

“Certamente que a pandemia tem uma influência no crescimento das empresas de e-commerce, mas não podemos nos esquecer das diferenças de conjuntura entre diferentes países. Nos EUA, por exemplo, a Amazon cresceu muito rapidamente pela alta penetração da Internet naquele país, aliada ao costume já difundido por lá de comprar online. Em muitos países, a Amazon chegou como um furacão, arrasando os mercados digitais onde aportou, tendo como principal drive a logística e os dados. No entanto, a Amazon não entrou no Brasil de forma arrasadora e está longe de ser o furacão que foi em outros países. Essa disputa pelos Correios entre Amazon, Magalu e outros atores  será um capítulo importante nesse processo”, opina Marquesi.

Costa pontua que algumas mudanças de hábitos de consumo trazidas pela pandemia de covid-19 são temporárias, ao mesmo tempo em que outras devem ser permanentes, mesmo quando a situação excepcional passar.

“Pessoas que nunca haviam usado o cartão de crédito para fazer uma transação na Internet foram obrigadas a fazer, o que potencializou os efeitos tanto curto prazo quanto no longo prazo. A Amazon estava preparada para essa situação e certamente grande parte do crescimento é explicado por isso. Mas não temos como precisar o quanto dessa valorização perdurará, pois depende de como os concorrentes irão responder. Nos últimos 30 dias, por exemplo, as ações da empresa caíram 10%”, ressalta o professor da Unisinos.

Para os especialistas, apesar de todas as marcas já alcançadas, a Amazon ainda tem espaço para crescer. Esse crescimento, porém, seria lateralmente, por meio do aprimoramento dos serviços que o ecossistema já construiu.

Concorrência desleal?

Uma crítica à Amazon que é comumente observada é que a empresa representaria uma concorrência desleal a pequenos comerciantes. As mais afetadas seriam as pequenas livrarias e editoras, sendo que até a hipótese de dumping – quando produtos são vendidos por valores extraordinariamente abaixo do valor que seria considerado justo – já foi levantada.

Como um pequeno empreendedor pode sobreviver num mercado onde uma gigante como a Amazon é uma das principais concorrentes?

“Bater de frente com gigantes de e-commerce é uma loucura. Creio que o segredo é o seguinte: se você quer ser uma empresa grande, deve pensar como uma empresa grande. Qual é a ideia da Amazon? É levar livros a preços competitivos para os seus clientes por meio de um modelo de negócios eficiente e baseado em dados. O segredo é encontrar esses produtos que estão faltando na vida das pessoas. A Amazon tem fama de ser uma empresa ‘ruim’, mas não avalio que seja uma organização com má índole”, opina Alexandre Marquesi, da ESPM.

No entendimento de Cristiano Machado Costa, o que a Amazon tem é uma larga escala na aquisição e poder de negociação com os fornecedores, o que acaba refletindo nos preços praticados pela empresa.

“As livrarias e editoras menores terão cada vez mais concorrentes. E não só os livros, pois há outras formas de entretenimento surgindo. O streaming vem aí com um poder cada vez maior. Podemos citar o caso da Netflix versus televisão por assinatura versus cinemas. Quem vai decidir é o consumidor. Nessa guerra do streaming, a Amazon [com a Amazon Prime] também está bem posicionada. Será uma outra guerra de gigantes”, diz.

Lições

E que lições novos empreendedores ou jovens que sonham em empreender podem tirar da trajetória de Jeff Bezos? Para Marquesi, o ensinamento que fica é que empresários não podem ter medo de testar – e, consequentemente, de falhar.

“Não tenha medo de errar. Jeff Bezos errou muito para chegar aonde chegou. E a Amazon ainda gasta muitos recursos para aprimorar o seu modelo de negócios. Para saber se um modelo é eficiente, é necessário testá-lo”, opina.

Costa, por sua vez, aponta a atração e retenção de talentos que tanto Jeff Bezos e sua Amazon como outros empreendedores de sucesso praticam. O docente da Unisinos diz que, em um setor que envolve tecnologia e vendas, uma área de Recursos Humanos bem preparada e estruturada é fundamental.

“Outros dois elementos que marcam a carreira de Bezos são o pensamento no longo prazo e a disposição para testar e inventar novos produtos. O Kindle, por exemplo, foi pensado para fidelizar o consumidor de livros. É um tablet que permite compra direta da empresa e sem concorrentes. O sonho de qualquer empreendedor. Quanto ao longo prazo, quem investiu nas ações da Amazon em 2001 e multiplicou seu patrimônio em 300 vezes teve que saber esperar. Nos primeiros oito anos, o aumento foi de ‘apenas’ dez vezes. Um resultado muito melhor do que vários setores, mas que no mundo da tecnologia representa um tempo muito longo”, crava.