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![Nova administração da Rossi Residencial (RSID3) quer responsabilizar ex-diretores por desvios (Foto: Adobe Stock)](https://einvestidor.estadao.com.br/wp-content/uploads/2025/02/adobestock-969429955_110220253057.jpeg-710x473.webp)
Na última terça-feira (11), a direção da construtora Rossi Residencial (RSID3) convocou uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) para tentar aprovar a abertura de um ação de responsabilidade civil contra João Paulo Rossi e Renata Rossi, conselheiros e filhos dos fundadores da construtora, e o ex-CEO Fernando Miziara. O motivo? Alegações que vão desde o recebimento de remuneração superior ao limite anual determinado pela empresa até o desvio de imóveis. A AGE deve ocorrer em 10 de março deste ano.
A convocação foi publicada no site de Relações com Investidores (RI) da empresa sob o título de “Proposta da Administração”. O documento traz trocas de e-mails que, segundo a Rossi, mostram tentativas dos três executivos de encobrir desvios de recursos e de bens da companhia – que hoje está em recuperação judicial, com dívidas de R$ 1,2 bilhão com credores, mas que teve destaque nos anos de 1990 com o lançamento de um financiamento direto e foi pioneira em securitização de recebíveis imobiliários.
Em entrevista ao E-Investidor, Fabio Gallo, conselheiro e diretor da Rossi, comentou a investigação interna feita a partir da saída dos executivos da família fundadora de cargos-chave na empresa. “As pessoas serão responsabilizadas”, afirma Gallo, que aponta para suposto rombo de “alguns milhões de reais”, mas sem se comprometer com um valor exato.
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Agora, o primeiro passo é a ação de responsabilidade civil. Segundo Gallo, a empresa pretende denunciar o caso à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e estuda ingressar com um processo criminal.
Procurados pelo E-Investidor, João, Renata e Miziara afirmaram que o dossiê publicado pela nova gestão “tem o único objetivo de criar fatos para difamar os administradores que se opuseram à tomada hostil de controle da Rossi pelo Sílvio Tini (detentor oculto de 42% da Companhia)” e que “todas as contas da administração foram auditadas e aprovadas”. Eles dizem, ainda, que parte das questões apresentadas nesse dossiê já foi decidida pela Justiça, “sempre com derrotas para Silvio Tini”.
Silvio Tini é um dos grandes “tubarões” do mercado brasileiro, acionista de peso em empresas como Alpargatas (ALPA4) e Gerdau (GGBR4). Na Rossi, ele detém 22,78% das ações por meio de holding Lagro Brasil. No ano passado, ele foi inabilitado para exercer o cargo de administrador em empresas abertas, após ser condenado pela CVM por envolvimento em um caso de insider trading com ações da ALPA4. Procurado, Tini não respondeu às solicitações do E-Investidor.
“Cortina de fumaça” ou influência de Silvio Tini?
Os conflitos começaram após um ‘racha’ no Conselho de Administração da Rossi Residencial. O órgão era formado por João Paulo Rossi, então presidente do colegiado, Renata Rossi, conselheira efetiva, e três membros independentes, Gallo, Marcelo Torresi e Nicolas Paiva.
Contudo, a partir do meio do ano passado, a família fundadora aos poucos foi sendo afastada do negócio pelos membros independentes, que detinham a maioria. Em 16 de agosto, João Paulo Rossi foi destituído da presidência do Conselho, mas permaneceu como membro. Depois, em 8 de outubro, Fernando Miziara, então CEO e ligado à família fundadora, também caiu. Por último, no dia 18 de outubro daquele mesmo ano, Renata Rossi foi deposta da diretoria. Ela também permaneceu como parte do Conselho.
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Para os Rossi e Miziara, o que houve foi uma tomada de controle da companhia, patrocinada pelo acionista de referência Silvio Tini. Os herdeiros acusam os conselheiros Gallo, Nicolas Paiva (presidente do Conselho) e Marcelo Torresi, e a nova CEO, Maria Pia, de serem representantes dos interesses de Tini e ajudarem o megainvestidor a driblar uma “OPA” (Oferta Pública de Aquisição de Ações).
O Estatuto Social da Rossi define que todo acionista que ultrapassar 25% das ações em circulação deve realizar uma oferta para comprar o restante dos papéis. Esse tipo de cláusula é conhecida como “poison pill” (pílula de veneno, em português), um instrumento para evitar aquisições hostis e fazer com que um novo controlador precise pagar um prêmio aos demais investidores para assumir tal posição.
Mas os herdeiros da construtora acusam Tini de ocultar sua real fatia na empresa por meio de sociedades com sede no exterior – ou seja, ele estaria investindo na empresa por meio de veículos, que juntos ultrapassariam esse limite percentual, mas sem admitir que é a pessoa física por trás das entidades.
Assim, na visão da família, Tini tomou o controle da Rossi sem pagar o prêmio na OPA (leia mais sobre isso aqui). Os herdeiros instalaram procedimentos arbitrais no ano passado para tratar dessas questões.
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Gallo, que contrapõe a família Rossi, indica que as argumentações não passaram de tentativas de encobrir o motivo verdadeiro das rusgas: questionamentos de ordem contábil feitos pelos conselheiros independentes à família fundadora.
“O que se jogou, na verdade, foi uma cortina de fumaça”, disse Gallo, em entrevista ao E-Investidor. “Só falo algumas vezes no ano com Tini, não mais do que isso. A companhia não tem controlador desde 2019”. O chamariz da OPA, segundo o atual diretor, foi usado para desviar o foco dos questionamentos contábeis que estavam sendo feitos à família fundadora pelos conselheiros independentes; essas, sim, questões que seriam o verdadeiro gatilho para a “quebra” na administração.
Já os Rossi sustentam, em contestação registrada em ata do Conselho e publicada na última terça (11), que as atuais denúncias contra eles tem como objetivo mascarar a tomada do controle por Tini.
“Claramente, este é um trabalho feito às pressas, de forma negligente e irresponsável, tanto que suas conclusões sequer foram validadas por qualquer empresa de auditoria ou consultoria externa e independente. Trata-se de evidente ataque que tem por objetivo atender aos interesses pessoais do senhor Silvio Tini e da atual administração, ainda que em prejuízo direto do interesse social”, contestam os irmãos Rossi.
As acusações da nova gestão
Na versão apresentada pela gestão atual, as divergências na administração começaram após a recusa, por parte de João Rossi, Renata Rossi e Miziara, de fornecer informações financeiras sobre os investimentos realizados pela ACRO Desenvolvimento Imobiliário, uma sociedade vinculada à construtora.
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Gallo afirma que as primeiras tentativas ocorreram em meados de junho do ano passado. A ideia, segundo ele, era melhorar a governança dessa subsidiária, mas a reação negativa da família Rossi surpreendeu. “Tiveram palavrões, foi uma resposta exageradíssima. Ninguém estava achando que tivesse um problema ali. Por isso, a resposta chamou a atenção”, diz o diretor. Os Rossi e Miziara, por outro lado, não reconhecem esse episódio e ressaltam, em nota, que não há registro de que isso tenha acontecido.
A ACRO concentra ativos da Rossi, mas, fora a família fundadora, os demais membros do Conselho não tinham, segundo o comunicado da administração, acesso a detalhes sobre a situação financeira da sociedade. Diante desse impedimento, “os membros independentes do órgão passaram a suspeitar de possíveis irregularidades” e tais suspeitas resultaram no voto para destituição de Miziara, do cargo de CEO, e de João Rossi, do cargo de presidente do Conselho de Administração.
“Com o afastamento, a administração pôde ter acesso a uma série de informações, documentos e dados de pagamento que comprovaram a prática de inúmeras irregularidades pelos acusados”, diz a Rossi, na convocação para a AGE.
De acordo com Gallo, assim que assumiu a diretoria da Rossi, no final do ano passado, se deparou com uma série de arquivos que foram apagados dos computadores da construtora. O resgate dessas informações e a reorganização dos dados ainda está sendo feito pelo Instituto de Pesquisa em Som, Imagem e Texto (IPESIT) e pela empresa de cibersegurança Kroll.
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“Nós começamos a descobrir trocas de mensagens (entre os integrantes da família fundadora) e nos perguntar o que estava acontecendo dentro da empresa”, afirma o direto. “E ficou tudo registrado nos e-mails recuperados.”
Prints de alguns desses e-mails foram anexados ao documento de convocação para a AGE.
Remuneração maior e transferência de imóveis
Entre os apontamentos da nova administração, estão pagamentos feitos nos anos 2018, 2019, 2020 e 2022, supostamente superiores aos montantes aprovados pela companhia; a discrepância seria de pelo menos R$ 9 milhões, somando as remunerações do período. Essa diferença ocorre, segundo a investigação interna, por uma série de pagamentos feitos aos Rossi e ao ex-CEO, ou a CNPJs ligados a eles, em dinheiro ou em imóveis.
“Tais transferências foram realizadas a título de ‘doação em pagamento’ ou a título de ‘compra e venda’, mas sem recebimento de valores pela companhia”, diz o documento, que aponta uma tentativa de ocultar os valores, classificando-os como “prestação de serviços” ou “serviços jurídicos”, em prints de e-mails anexados à investigação.
Um exemplo trazido são os valores pagos à “N. de Mattos Cunha Junior Consultoria Empresarial”, sociedade, segundo o comunicado, 100% detida pelo pai de Miziara e que recebeu R$ 2,2 milhões da Rossi em 2022. O pagamento, entretanto, era direcionado ao ex-CEO, segundo a administração, e classificado como prestação de serviços. No caso, de auxílio na reestruturação da dívida da construtora.
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Mas a nova gestão alega que não há indícios de que os serviços foram efetivamente prestados. Além disso, foram identificadas — segundo a investigação –, inúmeras transferências de imóveis de propriedade da Rossi, suas controladas e investidas, inclusive a ACRO, para terceiros relacionados aos acusados. Principalmente Fernando Miziara e Renata Rossi.
“Apenas em relação a Fernando Miziara, no ano de 2022, a administração identificou a transferência de três imóveis de propriedade da companhia para Jaqueline Catena, cônjuge de Fernando Miziara. Embora as transferências dos imóveis da companhia sejam lançadas como ‘compra e venda’ no respectivo registro de imóveis, indicando pagamento prévio dos valores, não há qualquer registro na companhia do efetivo recebimento desses valores”, aponta o documento.
Em 2024, foi identificada a negociação para entrega de um imóvel a Miziara, por valor “abaixo do mercado”. Para Renata Rossi, quatro transferências de imóveis foram identificadas, diretamente para ela ou para pessoas próximas: três desses empreendimentos foram transferidos para a Onix Gestão Imobiliária, segundo o levantamento feito pela nova gestão. Uma delas, como “doação em pagamento”, quando um credor aceita que um bem seja doado no lugar do pagamento de uma dívida, e outros dois, que juntos valiam R$ 197,1 mil, como “compra e venda”.
Entretanto, o mesmo valor havia sido enviado anteriormente pela Rossi a “Pena Branca Consultoria Administrativa e Financeira”, sociedade que pertence ao marido de Renata. “Ou seja, a própria Rossi transferiu os recursos que a Onix utilizou para aquisição de tais imóveis”, diz a empresa, no comunicado. “A preocupação é o que estava sendo feito, por que estava sendo feito e onde se queria chegar com isso”, ressalta Gallo.
“Versão inventada” – o que dizem os Rossi
Os irmãos João e Renata Rossi afirmam que o dossiê apresentado pela nova gestão da Rossi é um “evidente ataque que tem por objetivo atender aos interesses pessoais do senhor Silvio Tini e da atual administração”.
Sobre as sociedades vinculadas a Rossi, como a ACRO, os irmãos alegam que, na verdade, o que houve foi uma “tentativa frustrada de um sócio oculto da empresa, Silvio Tini, condenado diversas vezes pela CVM por diferentes irregularidades, de se apossar de um investimento estratégico”. Eles indicam que há atas de “dezenas de reuniões mensais” da empresa, com a participação de Nicolas Paiva, atual presidente do Conselho, atestando a transparência na governança de SPEs, “com total e irrestrito compartilhamento das informações”.
Os ex-diretores da família fundadora também apresentam alguns pontos incongruentes nas acusações. Por exemplo, citam que não há comprovantes que demonstrariam a remuneração maior. A acusação, segundo eles, é feita com base em uma única tabela produzida “unilateralmente” e sem a descrição das premissas ou comprovantes de transferências.
“A administração está contabilizando pagamentos de outras naturezas como remuneração global dos administradores para fins de alegação de que houve um suposto excesso. Há imputações de atos em face de acusado em período que sequer era membro da Diretoria da Companhia. Há propositada confusão entre pagamento de serviços efetivamente prestados por terceiros e remuneração variável de administradores”, dizem os irmãos, que declaram não terem tido acesso aos e-mails na íntegra, o que impede a “verificação da veracidade” dos arquivos.
Os irmãos Rossi ainda contestam a auditoria interna feita pela Kroll Brasil, já que não foi publicado relatório conclusivo a respeito, assim como o suposto apagamento de arquivos pelos irmãos Rossi e Miziara. “Todos os documentos da companhia estão armazenados nos servidores e arquivos da própria companhia”, dizem, em nota.
Em posicionamento enviado ao E-Investidor, os conselheiros Paiva, Gallo e Torresi reforçam a independência na atuação como conselheiros e que as “provas apresentadas” atestam a gravidade da situação.
E como fica a Rossi Residencial agora?
Segundo Gallo, o suposto rombo descoberto nas contas da companhia não vai interferir na recuperação judicial da Rossi Residencial (RSID3).“Nós estamos com dinheiro para pagar os fornecedores e os credores todos. Nós vamos cumprir isso. Responsabilizar as pessoas é o caminho para isolar a companhia do ‘mal feito’”, diz o diretor.
Já os irmãos Rossi sustentam que a empresa foi tomada de “assalto” por Silvio Tini, que se esquiva de realizar a OPA junto à nova gestão. “Essa série de alegações absurdas, infundadas e sem qualquer lastro se levadas adiante poderão causar enormes prejuízos à companhia.”
No 3º trimestre de 2024, a Rossi reportou um prejuízo líquido de R$ 64,9 milhões, com um patrimônio negativo de R$ 973 milhões.