- Famílias de mais baixa renda têm acesso a financiamentos subsidiados por programas como o Minha Casa Minha Vida
- Dificuldade de a classe média acessar crédito é expressa na restrição adotada pela Caixa, que ampliou a exigência de poupança para aprovar financiamento imobiliário
- Imóveis ficaram 12,42% em 12 meses, mostrando um crescimento real nos preços. Variação do IPCA no período é de 4,42%
Embora a renda média do brasileiro tenha subido nos últimos anos e o financiamento imobiliário tenha crescido, a sensação da classe média é de que está mais difícil comprar um imóvel. Alguns levantamentos confirmam o sentimento ao apontar que menos pessoas estariam dispostas a encarar esse desafio. Relatório Raio-X FipeZAP mostra que a participação de compradores em potencial caiu para 35% no 2º trimestre de 2024,
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O responsável pela sondagem, Coriolano Lacerda, gerente de Pesquisa e Inteligência de Mercado do Grupo OLX, diz que o aumento dos preços dos imóveis supera a inflação e o crescimento da renda das famílias. “Um imóvel que custava quase 200 salários médios em 1995, hoje pode representar até 400 salários.”
Apesar disso, há uma aparente contradição, com a alta do crédito imobiliário e a redução na intenção de compra. Isso acontece porque as famílias de mais baixa renda têm acesso a financiamentos subsidiados em programas como o Minha Casa Minha Vida – e até regionais, como o Entrada Moradia, no Ceará. Enquanto isso, a classe média está espremida num cenário de juros mais altos e bancos mais restritivos na concessão de crédito.
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“Essa movimentação impulsiona o mercado de habitação econômica, voltado para as famílias de menor renda, onde a demanda é incentivada por subsídios e condições mais acessíveis”, diz Lacerda. “Por outro lado, o público de entrada do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), com rendas um pouco acima do limite dos programas sociais, enfrenta dificuldades para financiar imóveis devido às altas taxas de juros”, comenta.
Essa dificuldade é expressa na recente restrição adotada pela Caixa Econômica Federal (CEF), maior agente financiador da casa própria no Brasil. No dia 1º de novembro, o banco implementou novas regras para crédito imobiliário com recursos da poupança (SBPE) e passa a financiar até 70% do valor do imóvel, exigindo uma entrada mínima de 30%, na tabela de amortização crescente. Antes, o mutuário precisava dar uma entrada mínima de 20%. Na tabela Price o financiamento foi reduzido para metade do valor do imóvel, que também não poderá ter um valor acima de R$ 1,5 milhão nas duas tabelas.
Diferente de outras linhas de crédito voltadas para o consumo, os juros para financiamento imobiliário não costumam ter uma reação imediata ao aumento da Selic, porque contam com uma captação mais barata através da poupança. As instituições financeiras têm que direcionar no mínimo 65% da aplicação na caderneta para o crédito imobiliário.
Com a Selic em alta (11,25% ao ano) e o Banco Central sinalizando novos aumentos, os investidores passaram a retirar recursos da poupança, buscando alternativas mais rentáveis.
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Os bancos, por sua vez, terminam apertando condições de financiamento, exigindo entradas maiores. "Para um imóvel de R$ 1 milhão, estamos falando de uma entrada de R$ 300 mil para fazer um financiamento. Mesmo tendo essa poupança, não quer dizer que a pessoa vai ter o crédito aprovado. Os bancos estão muito seletivos", diz o diretor-executivo de estudos da Anefac, Miguel José Ribeiro de Oliveira.
Na prática, menos pessoas ficam com acesso ao crédito. Estudo da FGV sobre o setor imobiliário estima que a cada variação de 2,5% na Selic, há um aumento de 1 ponto percentual no Custo Efetivo Total (CET) de um financiamento. “Isso significa que, a cada aumento de 1 ponto percentual no CET, cerca de 1 milhão de famílias perdem a capacidade de financiar um imóvel”, diz Lacerda da OLX, reforçando que o repasse é feito de forma gradual e com impacto diferenciado ao longo do tempo.
Além de enfrentar maior dificuldade para aprovar crédito, a classe média também sofre com preços maiores. Os estímulos ao setor terminam encarecendo toda a cadeia, como mostra o Índice Geral do Mercado Imobiliário Residencial (IGMI-R), calculado pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Esse indicador registra uma alta de 12,42% em 12 meses, mostrando um crescimento real nos preços dos imóveis residenciais, já que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou 4,42% no mesmo período. "A demanda está aquecida, o MCMV puxa essa dinâmica, mas a média e alta rendas também têm desempenho favorável", diz a Coordenadora de Projetos de Construção do FGV Ibre, Ana Maria Castelo. Segundo ela, esse contexto influencia o preço dos imóveis cujos preços estão subindo acima da inflação.
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O professor titular de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Écio Costa, argumenta que o aumento na demanda por imóveis ainda é um reflexo das condições favoráveis criadas durante a pandemia. Num ambiente de juros mais baixos, muitas famílias passaram a comprar mais imóveis. Em 2022, a taxa Selic foi elevada para 10,75% ao ano, marcando o retorno dos juros de dois dígitos, após um período de quatro anos.
Agora o cenário mudou, justamente num contexto de maior crescimento econômico, embalado por gastos e estímulos do governo. Na visão do professor, será necessário o que os americanos chamam de "hard landing", uma desaceleração na economia para haver um equilíbrio no mercado imobiliário. "Uma hora o governo vai ter que reduzir esses gastos porque a relação dívida/PIB está crescendo drasticamente. E, quando isso acontecer, você vai ter uma acomodação do crescimento econômico, o que poderá ajudar até para que o preço de alguns imóveis pare de crescer tanto", avalia.
Para o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França, o comprador deve manter sua decisão de compra, considerando a crescente valorização dos ativos. “Compensa comprar o imóvel agora por meio de financiamento imobiliário. Afinal, o comprador já vira proprietário do bem e ganha com a valorização patrimonial”, defende. Ele lembra que a portabilidade possibilita a renegociação de taxas menores no futuro, num eventual ciclo de queda.