A medida provisória (MP) 1.227, que limita o uso de crédito do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), gerou surpresa entre advogados tributaristas. Para especialistas consultados pelo E-Investidor, a MP oferece margem para contestações na Justiça – o Ministério da Fazenda foi consultado e até a publicação da matéria, não houve resposta. O texto foi anunciado pelo Ministério da Economia na última terça-feira (4), como medida de ajuste fiscal para aumentar a arrecadação sem aumentar impostos.
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Os setores de Agricultura, Alimentação, Distribuição de Combustíveis e Farmacêuticos devem ser os mais afetados pela nova regra, segundo avaliam os analistas do Bradesco BBI. “Empresas que exportam café, laranjas, carne suína, aves e carne bovina provavelmente serão mais impactadas pela MP”, afirmam os analistas Thiago Pereira e Francisco Navarrete, em relatório enviado a clientes. De acordo com o Ministério da Fazenda, o impacto da medida, neste ano, está estimado em R$ 26,3 bilhões, sendo a maior parte, R$ 15,8 bilhões, para empresas.
Para a XP, as mudanças devem afetar mais as exportações, com efeitos limitados para os consumidores brasileiros. Tiago Sbardelotto, economista da Casa, diz que a MP pode ter algum impacto nos preços de carnes e outros produtos que utilizam grãos na produção. O efeito, no entanto, será diluído ao longo da cadeia, de modo que o bolso do consumidor não sofra.
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Quais são as alterações propostas pela MP 1.227:
- Não-cumulatividade do PIS/Cofins. Com isso, créditos serão utilizados apenas como débito dos mesmos tributos, sem compensação com outros tributos ou de forma “cruzada”;
- Restrição ao ressarcimento de crédito presumido de PIS/Cofins.
Questionamento jurídico da MP de PIS e Cofins
Antônio Carlos Morad, especialista em direito tributário do escritório Morad Advocacia Empresarial, afirma que a MP é inconstitucional e prevê uma “avalanche de ações judiciais” pelas empresas prejudicadas. “O governo aperta cada vez mais as pessoas jurídicas que detenham benefícios fiscais com regulamentações advindas da Receita Federal, impondo mais dificuldades para as empresas” afirmou.
Ele detalha que o ponto no qual a MP é problemática, na sua visão. “A MP fere a Constituição Federal no que diz respeito ao princípio da não cumulatividade, no art. 155, parágrafo 2º”, afirma. O artigo determina o imposto não-cumulativo, “compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
Fernando Aurelio Zilveti, mestre, doutor e livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP, afirma que a MP cria um obstáculo ao direito do contribuinte de compensar seus débitos fiscais com créditos administrados pela Receita Federal do Brasil. Zilveti avalia que as empresas que exportam com suspensão, crédito presumido ou alíquota zero foram prejudicadas com a medida restritiva da não cumulatividade. “O impacto imediato para o contribuinte se dá no fluxo de caixa, que perde algo que contava em sua previsão orçamentária anual. Afeta-se a segurança jurídica das empresas que contam com a previsibilidade para projetar seus negócios”.
Para outro especialista, as alterações da MP, em si, não são inconstitucionais, mas o prazo de vigência sim, o que também abre espaço para as empresas questionarem a medida na Justiça. A MP foi publicada no Diário Oficial e passou a valer no dia do anúncio. Mas o advogado Salvador Cândido Brandão Jr. explica que, nesse caso, deveria haver um período de 90 dias antes da vigência. “O Supremo Tribunal Federal (STF) tem como jurisprudência que, quando um benefício fiscal é revogado, isso representa uma majoração de tributos e é preciso observar a anterioridade de 90 dias. Então, estas medidas não poderiam ter entrado em vigor em 4 de junho, mas ter efeitos apenas a partir de 5 de setembro”, afirmou o sócio especialista em direito tributário do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.
Ainda de acordo com Brandão, o pequeno produtor rural pode ser prejudicado. Isso ocorre pois a indústria conseguia utilizar os créditos presumidos no caso de fornecedores pessoa física. Agora, as empresas podem ter que ajustar a cadeia de fornecimento, utilizando fornecedores pessoa jurídica, que tem crédito normal, não presumido.
Impacto da MP nos combustíveis
Para os especialistas, as empresas agroexportadoras e as dos setores de medicamentos e petroquímica são as mais prejudicadas pela MP. O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) já se manifestou afirmando que as medidas impactam o caixa das companhias, que terão que utilizar outros recursos para pagar seus impostos que não os créditos de PIS/Cofins. Considerando o repasse total dos custos adicionais às empresas de logística (distribuição de combustíveis), a associação prevê um impacto de R$ 10 bilhões na economia. Nas estimativas do IBP, a gasolina deve ter aumento de 20 a 36 centavos no preço ou variação de 4 a 7%, e o Diesel de 10 a 23 centavos no preço, ou variação de 1 a 4%.
O Ministério da Fazenda foi consultado para comentar as declarações dos juristas entrevistados para a reportagem, no entanto, o E-Investidor não teve retorno até a publicação ir ao ar. O espaço segue aberto e será atualizado caso haja manifestação por parte da pasta.