Campanha da Havaianas gerou reação política nas redes sociais e provocou volatilidade pontual nas ações da Alpargatas na B3. (Foto: Adobe Stock)
As ações da Alpargatas (ALPA4) operam em queda nesta sexta-feira (26), recuando 0,34%, a R$ 11,86 por volta de 10h05, em um movimento que reflete o rescaldo dos ruídos políticos e de mercado provocados pela polêmica envolvendo a Havaianas na semana passada. O episódio, que começou no campo publicitário e rapidamente migrou para o debate ideológico, expôs como temas extrafinanceiros seguem capazes de gerar volatilidade pontual nos preços dos ativos na B3, a Bolsa de Valores do Brasil.
A controvérsia teve como estopim uma nova campanha da Havaianas, principal marca da Alpargatas, estrelada pela atriz Fernanda Torres. No vídeo, em tom leve e bem-humorado, a artista subverte a expressão popular “pé direito” e deseja que as pessoas iniciem 2026 “com os dois pés” – “na porta, na estrada, na jaca, onde você quiser”.
Em um dos trechos mais comentados, ela afirma: “Desculpa, mas eu não quero que você comece 2026 com o pé direito. Não é nada contra a sorte, mas vamos combinar: a sorte não depende de você.”
O conteúdo rapidamente ganhou conotação política nas redes sociais. Parlamentares e influenciadores ligados à direita passaram a criticar a peça publicitária e a incentivar um boicote à marca.
O episódio mais emblemático veio do deputado Eduardo Bolsonaro, que afirmou que deixaria de usar Havaianas, apesar de considerá-las um “símbolo nacional”, e publicou um vídeo jogando os chinelos no lixo.
Na mesma linha, a deputada Bia Kicis (PL-DF) declarou que, se a marca “não os quer”, eles também não querem a Havaianas, enquanto o deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM) escreveu que não compra “de quem nos ataca”. Já Nikolas Ferreira (PL-MG) ironizou o slogan da empresa ao sugerir que “nem todo mundo agora vai usar” Havaianas.
O mercado reagiu de forma imediata. Na segunda-feira (22), as ações da Alpargatas caíram 2,39% e encerraram o dia a R$ 11,44. Durante o pregão, a pressão foi ainda maior, com os papéis tocando a mínima de R$ 11,26, queda de 3,92%. Em uma única sessão, a companhia perdeu cerca de R$ 152 milhões em valor de mercado, segundo cálculos da Elos Ayta Consultoria.
No dia seguinte, porém, o movimento foi de recuperação. Na terça-feira (23), os papéis avançaram 4,02%, fechando a R$ 11,90. Com isso, o valor de mercado da Alpargatas chegou a R$ 7,747 bilhões, um ganho de R$ 455 milhões em relação ao pregão anterior.
Na comparação com a sexta-feira (19), antes do início da polêmica, a empresa passou a valer R$ 303 milhões a mais, alta de 4,07%, o que indica que parte do mercado tratou o episódio como um ruído pontual.
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Analistas avaliam que o impacto tende a ficar restrito ao curto prazo. Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, episódios como esse são comuns em períodos de maior polarização política e raramente se traduzem em mudanças estruturais nos negócios.
“No ciclo seguinte, esses movimentos não se traduziram em efeitos estruturais sobre os negócios”, afirma.
Na avaliação de Cruz, a reação costuma se concentrar em grupos mais vocais e em nichos específicos, gerando barulho intenso no calor do momento, mas sem alterar os fundamentos da companhia.
“Isso pode gerar algum ruído negativo pontual, mas não uma mudança estrutural”, diz. O estrategista também destaca que a Havaianas não enfrenta hoje um concorrente direto com força suficiente para capturar uma eventual insatisfação passageira dos consumidores.
Além disso, o foco estratégico da Alpargatas está cada vez mais direcionado à expansão internacional. No mercado brasileiro, a marca já apresenta nível de penetração próximo da saturação, o que tende a limitar o impacto econômico de boicotes episódicos ou controvérsias conjunturais.
Mesmo assim, o debate respingou em concorrentes. Nas redes sociais, alguns usuários afirmaram que migrariam para a Ipanema, marca da Grendene (GRND3).
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Do outro lado do espectro político, parlamentares de esquerda saíram em defesa da campanha e da marca. O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) publicou fotos usando Havaianas e afirmou que compraria novos pares no Natal. Rogério Correia (PT-MG) ironizou o boicote, enquanto a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) classificou a reação como mais um capítulo da “guerra ideológica” aplicada a temas cotidianos.
A polêmica ganhou ainda contornos de sátira com a entrada do humorista Fábio Porchat. Em um vídeo gravado na Embaixada do Brasil em Roma, na Itália, para o canal Porta dos Fundos (informação confirmada por fontes que trabalharam no local), Porchat interpreta um suposto especialista em gestão de crise.
Em conversa fictícia com Fernanda Torres, o personagem ironiza a ideia de que a campanha seria um complô político e sugere acenos à direita.
“A gente tem que te trocar de bilionário, trocar você dos Moreira Salles e jogar para o Elon Musk”, diz o humorista, em tom sarcástico.
O desempenho de ALPA4 nesta sexta-feira (26) mostra que o mercado ainda digere os desdobramentos do episódio. Por ora, a leitura predominante entre analistas é de que o caso deve permanecer como um ruído pontual, mais relevante para o noticiário e para o debate público do que para os fundamentos de longo prazo da companhia.