- Para Paolo Di Sora, CIO e sócio fundador da RPS Capital, os investidores devem acompanhar de perto a economia chinesa. Este será um tema determinante para os mercados globais
- Caso a economia chinesa realmente desacelere, a tendência é que o Ibovespa não reviva os bons momentos do primeiro trimestre de 2022
- Segundo Di Sora, as principais oportunidades estão nos setores defensivos e menos dependentes de uma economia pujante
Em abril, o mercado brasileiro passou por uma mudança de cenário. O Ibovespa desceu a ladeira e perdeu o patamar dos 119 mil pontos para os atuais 107,8 mil pontos, uma desvalorização de 10,1%. O saldo de investimento estrangeiro também sofreu correção. Depois de um primeiro trimestre de entradas recorde, os gringos retiraram R$ 5,3 bilhões da B3 até a última quarta-feira (27), último dado disponível.
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Paolo Di Sora, CIO e sócio fundador da RPS Capital, afirma que o fraco desempenho é reflexo de duas grandes variáveis. “Dúvidas sobre a China e a queda no preço de commodities. Os dois fatores explicam 90% do movimento”, diz.
Nas últimas semanas, os lockdowns rigorosos anunciados pelo governo chinês assustaram os investidores. Além da preocupação sobre a extensão do surto de coronavírus, os mercados temem que a economia chinesa desacelere de forma substancial- o que provocaria uma baixa importante nas commodities e na retomada econômica global.
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As bolsas de países que exportam esses insumos, como o Brasil, também podem ser afetadas. “As commodities têm peso de pouco mais de um terço do índice brasileiro e a China é responsável por cerca de 50% da demanda de insumos no mundo”, afirma. Segundo Di Sora, empresas como Vale, Petrobras, Usiminas, Gerdau e Suzano são as mais impactadas.
Apesar da derrocada em abril, o mercado acionário brasileiro segue positivo no acumulado de 2022. Os aportes gringos somam R$ 63 bilhões e o principal índice de ações da B3 ainda está em alta de 3%. A dúvida é sobre qual será o cenário daqui para frente, sem definição quanto ao que acontecerá em Pequim.
“Se essa reversão de cenário for estrutural, vamos viver o pior dos mundos: o investidor doméstico vai seguir preferindo renda fixa nesse momento de incerteza eleitoral, inflação e juros altos. E o gringo, que estava segurando o nosso mercado, vai começar a tirar o Brasil do radar”, explica Di Sora.
O CIO da RPS Capital vê uma bolsa brasileira pouco atrativa fora de setores defensivos. “Em termos de ativos de risco, é mais barato você comprar um juro prefixado do que uma bolsa doméstica”, afirma. “A bolsa doméstica está mais cara do que a renda fixa.”
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E-Investidor – O Ibovespa fechou abril em queda de 10,1%. O que fez o índice inverter o sinal e interromper a fase de altas do primeiro trimestre?
Paolo Di Sora – Dúvidas sobre a China e queda no preço de commodities. Esses dois fatores explicam 90% do movimento. A bolsa chinesa operada nos Estados Unidos está caindo 13% no mês. As commodities sofreram baixas importantes também, com Vale caindo 20% em dólar, a Rio Tinto caindo 15%, a BHP caindo 15%, todo esse complexo em forte realização em abril.
Essa situação está muito associada à história da desaceleração da economia chinesa. Em função da forte onda de covid-19 que está rolando por lá, o governo está fechando várias cidades. Há rumores não confirmados de que há mais de 12 cidades em lockdowns rigorosos na China.
O mercado esperava que o governo chinês desse sinais de estímulos na sua economia, via corte de juros, algum pacote fiscal de crédito, e não anunciaram nada disso ao longo de abril. O mercado começou a ficar com mais medo de que a economia chinesa entre, no curto prazo, em uma desaceleração ainda maior do que já estava vindo.
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O governo chinês tinha soltado um guidance (projeções) para o ano com um PIB de 5,5% que, considerando os dados desse primeiro trimestre, está muito longe de ser alcançado. Teriam que vir estímulos para eles conseguirem entregar essa meta e isso não aconteceu.
Como os acontecimentos na China afetam a B3?
Di Sora – As commodities são um pouco mais de 1/3 do índice brasileiro. A situação do país impacta as ‘Vales‘ e ‘Petros‘ da vida, Usiminas, Gerdau, Suzano e etc. A China é responsável por mais ou menos 50% da demanda de commodities no mundo. Só em relação ao minério de ferro ela responde por cerca de 70%.
Se as commodities vão bem, a economia brasileira se beneficia da maior entrada de reais por conta da pauta exportadora. O Brasil passa a ter uma receita mais forte de exportação por conta do aumento do preço das commodities, o fiscal melhora e por consequência as contas públicas ficam melhores.
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Dessa forma, entramos em um ciclo virtuoso, como foi o de 2003 a 2007. Naquela época, vimos uma China mais forte, o que impulsionou as commodities e o fiscal brasileiro. Ou seja: estimulou a nossa economia. Aqueles anos do primeiro e segundo mandato do Lula foram muito positivos e tudo muito puxado pelo ciclo de commodities.
Só que agora a informação (mais importante) do momento é de que China está mais fraca e não estimulou como se esperava, o que provocou essa realização. Nós paramos de ver entrada de gringos, na verdade no mês tivemos saída líquida. Está tendo uma reversão de trade, com realização das commodities e busca por “safe haven” (porto seguro) nos EUA.
O saldo de investimento estrangeiro na B3 ficou negativo em R$ 5,3 bilhões em abril. É o “início” do fim desse fluxo gringo ou apenas uma correção mais pontual?
Di Sora – Vai depender muito se a China realmente entrar em uma trajetória de desaceleração mais forte, o que vai jogar as commodities para baixo de forma estrutural (longo prazo). Se estivermos vendo uma coisa mais conjuntural (passageira), a tendência é que daqui um ou dois meses o governo chinês anuncie estímulos para voltar a acelerar o PIB. Em um mundo que não tem commodities do lado da oferta, o ciclo de commodities volta a ser uma tese mais positiva nesse segundo cenário.
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O dólar vinha cedendo fortemente sobre o real no ano. Contudo, a moeda norte-americana voltou a apreciar bastante. Qual a explicação para essa volatilidade no câmbio?
Di Sora – Antes, os termos de troca estavam ficando muito positivos. O que nós exportamos estava ficando cada vez mais caro, estava entrando dinheiro pela conta comercial e por portfólio. Isso aliado a um juro em um patamar bem alto construía uma tendência positiva para o real e outras moedas de países exportadores de commodities.
Na última semana houve uma pequena reversão dessa tendência, porque a pauta de commodities começou a perder preço. O minério, petróleo, cobre e celulose caíram e o apelo das moedas de países exportadores de commodities diminui. Paralelamente, estamos vendo uma apreciação do dólar frente a uma cesta de moedas fortes.
O dólar está ficando forte porque o banco central americano está falando ‘grosso’, isto é, falando em aumentar juros mais rápido e mais do que se esperava. E o dólar vai ficando forte versus os outros desenvolvidos e emergentes não-exportadores de commodities. Temos vivido uma onda de dólar forte no mundo.
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O real não estava sendo afetado antes porque somos exportadores de commodities, mas agora com dúvidas sobre a China há dúvidas também sobre o real.
Nesta semana teremos reunião do Copom para definição da Selic. Ainda há incertezas sobre quando terminará esse ciclo de aperto monetário. Como você vê esse cenário de inflação e de juros no Brasil?
Di Sora – Temos que continuar vendo se os dados de inflação mais fracos se materializam. Por enquanto, toda semana os dados de inflação vêm mais salgados, o que dificulta o trabalho do BC. A inflação está muito disseminada. A verdade é que ela não está cedendo como o esperado. Os dados de IPCA, do Focus e IGPM, por exemplo, seguem muito pressionados.
Isto tem feito com que os juros no Brasil não cedam tanto quanto se imaginava. Então as curvas de juros futuros seguem bastante pressionadas porque a inflação corrente não cede – o que tem sido uma força negativa para o Ibovespa. O gringo comprou Bolsa no Brasil, mas nós continuamos vendo resgates em fundos domésticos e busca por renda fixa, que está com rentabilidade muito boa.
Estamos vivendo uma dinâmica doméstica mais difícil. Juro alto não combina com bolsa valorizada, mas nós estávamos sendo carregados pelos gringos e a visão positiva de commodities. Se essa reversão de cenário for estrutural, iremos viver o pior dos mundos: o investidor doméstico vai seguir preferindo renda fixa nesse momento de incerteza eleitoral, incerteza de inflação e com juros altos. E o gringo, que era o que estava segurando o nosso mercado, vai começar a tirar o Brasil do radar.
A bolsa brasileira continua barata e atrativa para o investidor estrangeiro, excluindo o setor de commodities?
Di Sora – Não, achamos que a bolsa doméstica está mais cara que a renda fixa. Em termos de ativos de risco, no Brasil de hoje é mais barato comprar um juro prefixado, do que uma bolsa doméstica. Continuamos gostando de NTN-B (Tesouro IPCA+). Achamos que o juro real no Brasil ainda é atrativo, gordo. Para nós, faz muito sentido esse investimento. Se você tiver títulos incentivados, nesse momento de incertezas, está fazendo mais sentido a renda fixa.
Nos últimos meses, o fluxo estrangeiro carregou a Bolsa. Mas como o Brasil está hoje em fundamentos econômicos e balanços?
Di Sora – Estamos vendo um PIB um pouco mais forte do que se imaginava no início do ano, puxado por commodities e um fiscal um pouco melhor, que está suscitando o governo a fazer políticas um pouco mais de transferência de renda. Estamos vendo o Auxílio Brasil, a Caixa Econômica liberando mais crédito, FGTS, antecipação do 13° e etc.
De fato, a economia está um pouco mais forte do que se imaginava no início do ano. Nada maravilhoso, mas se projetava um PIB zerado no ano e hoje já estamos falando de um PIB mais próximo de 1% ou 1,5% no ano. A atividade econômica e o fiscal estão melhores justamente por conta das commodities e da inflação, que estão aumentando bastante a arrecadação.
Entretanto, não significa que nós passamos a ser um país que vai crescer bastante, que vai voar, isso nem de longe.
Qual o impacto de um possível fim da alta de juros na Bolsa?
Di Sora – Terminando o ciclo, você entra em uma fase de entender quando cortar. Se a inflação ceder bastante, terão cortes maiores e aí você tem um gás na bolsa de valores.
Entretanto, acredito que isso vai ficar para o pós-eleição. Teremos que ver quem será eleito no Brasil, qual será o plano fiscal desse novo governo. São muitas incertezas no horizonte para sanarmos e aí, sim, ficarmos mais otimista com a política monetária. Vão começar a mexer mesmo (na Selic) após a eleição.
Quando falamos de eleições, o que o mercado mais teme?
Di Sora – Hoje o mercado vê zero probabilidade de uma terceira via, mas ainda tem muita coisa para acontecer. Se uma terceira via se aglutinar, conseguirem escolher um nome só, talvez comece a ganhar alguma tração.
Não aparecendo uma terceira via que dê algum ânimo, vai ficar entre o Bolsonaro e Lula. No geral, o estrangeiro gosta mais do Lula do que o investidor local, pelo histórico dele no primeiro e segundo mandato. E o investidor doméstico tem uma inclinação a preferir o Bolsonaro por uma questão de ele ter uma política econômica que não é maravilhosa, mas que ainda é mais liberal do que a de um governo do PT.
Na prática, entretanto, parece pequena a diferença entre um governo Bolsonaro e um governo Lula na parte econômica. Populismo de esquerda ou de direita não deixa de ser populismo, sem grandes diferenças de plataforma.
O Bolsonaro provavelmente mantém a PEC do Teto, o que dá um conforto fiscal mais forte. Já o Lula falou que vai rever o teto. Qual será o novo arcabouço fiscal ninguém sabe, mas o Brasil tem instituições fortes e um Congresso muito atuante e reformista. Dificilmente o governo Lula será muito agressivo para a esquerda.
O gringo acha o Lula melhor que o Bolsonaro por causa da agenda da ESG, enquanto o investidor brasileiro prefere o Bolsonaro, por conta de toda essa agenda liberal.
Como gerir o risco da carteira em um ambiente incerto, com grandes solavancos da Bolsa?
Di Sora – Aqui nós seguimos com uma cabeça de uma bolsa defensiva, investindo em setores que tem menos a ver com a economia como um todo. Menos a ver com questões como renda, crédito e confiança. Seguimos gostando de commodities, que achamos que estamos diante de um ciclo mais alto por mais tempo e acreditamos que a China vai estimular sua economia.
O valuation das empresas de commodities segue muito barato. Também gostamos do setor elétrico, estamos otimistas com a privatização da Eletrobras. A eleição de Tarcísio de Freitas aqui em São Paulo (para governador), também poderia suscitar uma privatização de Sabesp.
Acreditamos que a agenda de privatização envolvendo Eletrobras e Sabesp é boa. São setores defensivos, que dependem menos do PIB. Gostamos do setor de atacarejo, como o Assaí, um segmento de supermercado de baixa renda, que tende a sofrer menos em momentos de crise.
Vemos com bons olhos o setor de telecomunicações, com a consolidação da Oi pela Tim, Vivo e Claro, temos uma posição em Tim. Estamos preferindo coisas mais defensivas nesse momento.