- O E-Investidor ouviu especialistas para ponderar em que medida o desejo de viajar depende da iniciativa individual e quais são os limites práticos que as pessoas com menos dinheiro enfrentam
- Especialistas apontam para a perda do poder de compra, o desemprego e a inflação como inibidores dos gastos em turismo
Pode até ser que o dinheiro não compre a felicidade, mas ele permite viajar. Seja curtindo férias caprichadas ou levando o trabalho do escritório para outros ambientes, a vida é bem melhor em meio a novas paisagens e culturas. Mas será que esse desejo está ao alcance de todos?
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Por um lado, é comum que blogueiros viajantes usem expressões como “escolher viajar”. Por outro, há quem diga que não se trata de uma escolha quando itens básicos não estão garantidos diante de inflação, alta taxa de desemprego e perda do poder de compra.
O E-Investidor ouviu especialistas para ponderar em que medida o desejo de viajar depende da iniciativa individual e quais são os limites práticos que as pessoas com menos dinheiro enfrentam.
Quanto custa viajar?
Basta procurar o preço das passagens aéreas ou da gasolina para sentir no bolso como viajar é caro. Se o desejo de novos ares não respeita classe social, a possibilidade prática de visitar novos destinos sim.
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Mas qual o preço de uma viagem? De acordo com o educador financeiro especializado em milhas Rodrigo Góes, o valor de uma viagem varia de acordo com o destino, a duração, o tipo de hospedagem e o perfil de gastos em passeios ou compras.
Dentro do Brasil, o preço médio de uma ida de cinco dias a Recife saindo de São Paulo, entre setembro e outubro, é de R$ 3,2 mil por pessoa. Esse valor é uma estimativa considerando trechos aéreos de R$ 930, hospedagem com diária de R$ 190, alimentação de até R$ 200 por dia, com passeios e compras de até R$ 100 por dia.
Existem formas de economizar, a exemplo das milhas das companhias aéreas e de programas de pontos no cartão de crédito. Mas, para quem tem um poder de compra pequeno, até mesmo viagens com preços baixos comprometem o orçamento.
“As classes A e B conseguem viajar com mais facilidade. As famílias da classe C precisam se planejar com antecedência e, para a classe D, que ganha entre 2 e 4 salários-mínimos, uma viagem dessas precisaria ser planejada com, no mínimo, um ano de antecedência”, comentou o especialista.
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Por isso, quanto mais escasso é o dinheiro, mais o planejamento precisa entrar em campo. Para Walcir Soares Junior, doutor em Desenvolvimento Econômico e professor de Economia da Universidade Positivo (UP), deve-se evitar gastos desnecessários e planejar os maiores, como passagens e a hospedagem. “As viagens são um investimento pessoal. Planejamento e educação financeira são parte importante disso”, ele disse.
Turismo na crise
Há quem diga que viajar é uma experiência que não tem preço. Mas convenhamos: o custo é alto em um País que tem 12 milhões de pessoas desempregadas e que está enfrentando uma inflação alta.
É justamente por conta da desigualdade social que o pesquisador Soares Junior acredita que não se pode falar em escolher viajar. “O planejamento é importante, mas a grande maioria dos brasileiros têm restrições em níveis básicos de alimentação, moradia e saúde. Se você mora sozinho e ganha R$ 3 mil, já faz parte do grupo dos 10% mais ricos do país“, ele argumentou.
A desvalorização do real dificulta ainda mais para pessoas pobres se aventurarem. Prova disso é a diferença entre a participação dos estrangeiros e dos brasileiros no turismo nacional: os estrangeiros gastaram 63% mais no primeiro bimestre deste ano, mas o setor ainda não decolou.
Sonho distante
As viagens são o principal sonho não realizado por quem vive no País. Segundo estudo do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), que processa e armazena operações de crédito, 35,5% dos entrevistados querem viajar e não conseguem. O número é superior a outros desejos, como trocar de carro, que registrou apenas 11,3% da preferência. O levantamento ouviu 620 pessoas de todas as capitais do País.
Soares Junior acrescenta que o orçamento doméstico é mesmo pequeno para investir em lazer. Somente 10% da população brasileira têm uma renda per capita acima de R$ 2,6 mil. “O salário mínimo compatível com as despesas básicas de uma pessoa é de R$ 6.394,76. Então, que espaço existe para outras coisas que não as necessidades básicas?”, questiona.
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Por isso, não basta querer viajar: é preciso reunir condições objetivas para botar o pé na estrada, sobretudo quando alimentação e moradia comprometem uma fatia muito grande do orçamento.