- Especialistas acreditam que o mercado cometeu um erro de avaliação ao enxergar que grande parte dos deputados e senadores eleitos teria aversão ao petista
- Mario Goulart, analista de investimentos e criador do canal no Youtube “O Analisto”, faz um “mea culpa”. “Logo depois da eleição, achei que Lula seria refreado pelo Congresso, não é isso que estamos vendo”
- Francisco Levy, estrategista-chefe da Empiricus Investimentos, tem uma visão diferente. Para ele, o novo Congresso deve ser, sim, mais duro com o governo eleito
Após o primeiro turno das eleições no Brasil, o mercado reagiu positivamente a uma configuração inesperada. Apesar de o líder do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, ter vencido as eleições presidenciais, boa parte dos congressistas eleitos estava alinhada a Jair Bolsonaro (PL) e ao espectro político de centro-direita.
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O cenário traçado pelos agentes de mercado era de que, mesmo se eleito, Lula enfrentaria uma forte oposição do Congresso. Ou seja: a agenda política do petista estaria engessada, sem um “cheque em branco”. No pregão seguinte ao primeiro turno, no dia 3 de outubro, o Ibovespa subiu 5,54%, aos 116.134,46 pontos.
Agora, especialistas acreditam que o mercado cometeu um erro de avaliação ao enxergar que grande parte dos deputados e senadores eleitos teria aversão ao petista.
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Apesar de o novo Congresso ainda não ter assumido, esse equívoco já ficou bastante claro com as articulações que já estão ocorrendo para aprovar a PEC da Transição (proposta que amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões para bancar o Bolsa Família). É o que pensa Flávio Conde, analista de ações da Levante Ideias de Investimento.
“O Congresso não é majoritariamente conservador e o Congresso não é contra Lula, como o mercado chegou erroneamente a acreditar. Tirando os políticos bolsonaristas ‘raiz’, todo mundo está fazendo acordos com o novo Governo, todo mundo está disposto a conversar”, ressalta Conde.
A Proposta de Emenda à Constituição criada pela equipe de transição não enfrentou muita resistência no Senado, o que mostra certa força de articulação do governo eleito. A continuidade do Orçamento Secreto também é um “facilitador” de negócios entre o Executivo e o Legislativo. “Ou seja, só mudou para quem eles (os congressistas) estão acendendo a vela, porque eles continuam a acender velas para o santo”, diz Conde.
O analista da Levante aponta que o mercado e o “centro democrático”, que apoiava Simone Tebet (MDB), passou para o lado de Lula sem exigir contrapartidas suficientes. “Poderiam ter fechado um acordo do tipo “a PEC da Transição não pode passar de R$ 100 bilhões de déficit” ou “o PT faz o ministro do Planejamento e o centro democrático faz o ministro da Fazenda”, diz Conde.
Avaliação “pueril”
De acordo com Mário Lima, analista sênior de política e macroeconomia da Medley Advisors, quem espera que os congressistas atuais ou os eleitos para o ano que vem sejam “fiscalistas” irá se decepcionar. Na visão dele, elegeram-se personagens de direita, mas na pauta dos costumes, não necessariamente de viés liberal.
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“É uma avaliação meio pueril da política acreditar que o Congresso se tornou um grupo de ortodoxos econômicos, que vão segurar gastos. O Congresso sempre foi perdulário (que gasta excessivamente)”, afirma Lima. “Essa visão de que o Congresso iria se opor ao Lula e isso faria com que o governo fosse mais disciplinado fiscalmente, era um pouco ingênua. Esperar que do (presidente da Câmara) Arthur Lira (PP) partiria algum tipo de respeito às regras fiscais, também.”
O analista político diz que o Congresso atual aprovou várias medidas de Bolsonaro que, claramente, na visão dele, eram tentativas de “comprar” as eleições. Os próximos parlamentares eleitos também não possuem perfil de contenção de gastos, mas de conservadorismo em pautas sociais, como uma eventual Lei do Aborto.
Possíveis pautas mais “radicais” de esquerda, a exemplo de revisão da reforma trabalhista, também encontrarão resistência. Não é o caso de novos aumentos de gastos. “Colocaram Damares Alves, Nikolas Ferreira e etc. Eles não são fiscalistas, são anti-direitos civis”, explica Lima.
Mario Goulart, analista de investimentos e criador do canal no Youtube “O Analisto”, faz um “mea culpa”. “Logo depois da eleição, achei que Lula seria refreado pelo Congresso, não é isso que estamos vendo”, diz. O especialista afirma que, apesar de os próximos parlamentares serem mais à direita do que os atuais, é muito mais fácil “comprar” o legislativo por meio do Orçamento Secreto.
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Nessa situação, os freios à agenda de aumento de gastos viria, na verdade, do próprio mercado. Lima, de Medley Advisors, acredita que Lula não vai querer fazer “loucuras fiscais”, para não acabar envolto em uma crise econômica e consequentemente em uma crise de popularidade.
Lima explica que, quando governos se tornam impopulares e as condições econômicas não são positivas, a relação com o Congresso “azeda”. “Você verá uma migração gigante de bolsa para renda fixa, pela expectativa de juros altos por mais tempo ou até mesmo elevação de juros, menos capital estrangeiro entrando, uma série de restrições”, afirma.
Não tão fácil
Francisco Levy, estrategista-chefe da Empiricus Investimentos, tem uma visão diferente. Para ele, o novo Congresso deve ser, sim, mais duro com o governo eleito.
“Será bem mais complicado para Lula operar grandes mudanças. Tenho a percepção que não será esse mar de rosas em 2023”, diz Levy. “Obviamente o Centrão é mais favorável a aumento de gastos porque eles têm suas bases. Se o governo tem popularidade e projetos de despesa, o Centrão deve apoiar. O que precisa ver é se essa popularidade não começará a ruir.”
Segundo Levy, se Lula optar pelo caminho da irresponsabilidade fiscal, que deve culminar em baixo crescimento econômico, a popularidade do governo deve cair rápido. Na outra ponta, haverá ainda mais dificuldade em lidar com os opositores – e o petista sabe disso.
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“Lula é um sujeito bastante astuto, esperto, com grande inteligência política. E o jeito de contornar essa situação com o Congresso é ter uma certa razoabilidade e compromisso fiscal, não descambar”, afirma Levy. “Por isso acredito que teremos um governo com pequenos vieses, vieses mais sociais e de gastar mais, mas dentro de algo crível.”