- Entre os analistas de mercado, as falas de Lula não surpreendem nem devem pesar nos papéis no pregão de terça (12)
- Entretanto, o fato de a estatal ter parado de distribuir dividendos implica em uma quebra de confiança do mercado com Jean Paul Prates, presidente da estatal
Em entrevista ao telejornal SBT Brasil nesta segunda-feira (11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confirmou que conversou com a administração da Petrobras (PETR3;PETR4) sobre a questão dos dividendos – a estatal anunciou na manhã da última sexta-feira (8) um corte de mais de R$ 40 bilhões na distribuição de proventos a acionistas. Desde então, as ações desabaram mais de 11% e a empresa perdeu mais de R$ 70 bilhões em valor de mercado.
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“Nós tivemos uma conversa séria com a administração da Petrobras, porque a gente acha que é preciso pensar não só na empresa e nos acionistas, mas também no povo brasileiro. Eu tenho um compromisso com o povo brasileiro que é reduzir o preço da gasolina, o preço do combustível, o preço do gás de cozinha e o preço do óleo diesel”, afirmou Lula, durante a entrevista.
Para o líder do Executivo, não é correto a Petrobras distribuir mais do que estava previsto na Política de Remuneração a acionistas, de 45% do fluxo de caixa livre (R$ 14,2 bilhões), uma vez que a companhia precisaria fazer investimentos para beneficiar a sociedade. “Se eu for atender apenas à choradeira do mercado, não faço nada”, diz Lula. “O mercado é um rinoceronte, um dinossauro voraz, quer tudo para ele e nada para o povo. Será que o mercado não tem pena das pessoas que passam fome?.”
Quebra de confiança
Entre os analistas de mercado, as falas de Lula não são surpresas. Contudo, não há visão única sobre o nível de impacto nos papéis durante o pregão da próxima terça (12). Para Artur Horta, especialista em Investimentos da GTF Capital, as sinalizações do presidente não devem fazer preço nas ações, já que são posicionamentos já divulgados ao longo do pregão desta sexta.
Na visão do especialista, entretanto, o fato de a estatal ter parado de distribuir dividendos implica em uma quebra de confiança com Jean Paul Prates, presidente da estatal. E os posicionamentos de Lula só reforçam essa ruptura.
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“Embora Prates seja um ex-senador petista, até a semana passada vinha tendo atitudes que condiziam mais com as vontades do mercado financeiro e dos acionistas minoritários da Petrobras”, diz Artur Horta, especialista em investimentos da GTF Capital. “Depois do episódio dos dividendos, houve a quebra de confiança porque o lado do governo foi mais ouvido do que o lado dos acionistas.”
Segundo Horta, o investidor precisa estar ciente de que o Governo tem uma estratégia traçada para Petrobras. E que embora seja uma empresa que gera muito dinheiro, esse capital vai retornar para os acionistas somente depois que as prioridades do Executivo forem cumpridas.
Gustavo Cruz, estrategista da RB investimentos, por sua vez, vê as falas do presidente pesando nos papéis, apesar de também não se surpreender com o posicionamento do líder petista.
O especialista enxerga a estatal passando por um novo e delicado momento: após se tornar a empresa mais endividada do mundo durante o Governo Dilma Rousseff e passar por uma grande reorganização, agora, de fato, a estatal tem recursos para fazer mais investimentos – como sinalizado pelo presidente.
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Contudo, é preciso ter cuidado com o destino desses recursos. Se houver investimento em algo pouco lucrativo, quem acabará recebendo menos dividendos é a própria União. “Pode voltar a investir, ser mais protagonista. Só que para o investidor da Petrobras e para a sociedade brasileira, é melhor que ela vá investir onde é especialista”, diz Cruz. “Quando a Petrobras estava quebrada, era a sociedade que tinha que por dinheiro na empresa.”
Já André Collares, sócio e CEO da Smart House Investments, Lula deixou o recado claro ao mercado durante a entrevista, de que as regras comuns no mercado de capitais não valem para a Petrobras.
“Ele deixa explícito que poderá usar os recursos dos dividendos dos acionistas, que nada mais são que a divisão de parte dos lucros com quem acredita na empresa. Isto para injetar dinheiro na economia e aquecê-la com recursos que deveriam ir para os sócios que, no caso, são quase 1 milhão de brasileiros”, diz Collares. “Acredito que pese um pouco amanhã nas ações, mas não tanto, porque esses dias a Petrobras já caiu 10% em um único pregão com a questão dos dividendos.”
Essa também é a visão de Flávio Conde, analista da Levante Ideias de Investimentos. “Já pesou e pode pesar mais amanhã. Porém, Lula falou o que já tinha falado na campanha eleitoral de 2022 e, portanto, ninguém pode dizer que a fala foi novidade. De toda forma, as ações devem cair mais.”
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Lula também voltou a criticar a condução monetária feita pelo Banco Central e responsabilizar a autarquia pelos juros altos, além de reforçar a necessidade de baixar os preços da conta de luz e dos alimentos. No final, os analistas veem o líder petista voltando para as promessas de campanha, enquanto vê sua popularidade cair.
“Parece que Lula está mais uma vez vestindo a capa do populismo, ao criticar a “choradeira do mercado” e enfatizar que a Petrobras deve se preocupar mais com os brasileiros do que com os acionistas”, afirma Fábio Murad, sócio da Ipê Investimentos. “Continuar com essa retórica pode aprofundar a distância do Brasil em relação ao resto do mundo, prejudicando oportunidades de investimento e colaboração internacional.”
Virada de chave
A desvalorização das ações da Petrobras ainda repercute a decisão da companhia de não pagar dividendos extraordinários aos acionistas neste ano, anunciada na quinta-feira (7), junto com o balanço do quarto trimestre de 2023.
Com perdas em torno de 10%, a estatal passou na última sexta-feira (8) pelo seu pior pregão desde 22 de fevereiro de 2021, no caso das ações ordinárias (PETR3). Já as ações preferenciais (PETR4) não tinham um desempenho tão ruim desde outubro de 2022, segundo levantamento feito por Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria.
A tensão continuou na segunda-feira (11) com a reunião de Lula com o presidente da Petrobras e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Integrantes da equipe econômica do governo defendem que o pagamento dos proventos pode auxiliar no esforço para cumprir a meta de déficit zero, visto que a União é o principal acionista da petrolífera.
O que aconteceu com a Petrobras
A companhia decidiu distribuir somente o mínimo estabelecido pela Política de Remuneração aos Acionistas. Ou seja, 45% do fluxo de caixa livre, um montante de R$ 14,2 bilhões. Outros R$ 43,9 bilhões da reserva estatutária serão represados. A decisão deve ser oficializada na Assembleia Geral Ordinária (AGO), prevista para 25 de abril de 2024.
Em carta divulgada junto ao balanço, o presidente da estatal afirmou que os dividendos de R$ 72,4 bilhões distribuídos nos últimos meses, referentes ao exercício de 2023, “é um valor que se reverte para a sociedade brasileira”. De acordo com Prates, além dos dividendos, o País também se beneficia com a arrecadação de impostos, com a estatal em 2023 pagando R$ 240 bilhões em tributos, e os sucessivos recordes de valor de mercado desde que assumiu a gestão da companhia, em janeiro de 2023.
O mercado, no entanto, não entendeu assim. Frustrados, os investidores venderam os papéis e a petroleira perdeu R$ 54,3 bilhões em valor de mercado na sessão de sexta-feira. Em dois dias, a desvalorização chegou a R$ 70 bilhões – agora, a empresa está avaliada em R$ 474,7 bilhões (sem contar os movimentos dos papéis desta segunda-feira (11).
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A surpresa negativa em relação aos dividendos alimentou os temores de uma reviravolta na empresa. No final do mês passado, Prates já havia sinalizado para um corte no volume de distribuição de proventos. A diminuição vem para suprir os investimentos em uma transição energética entre 2024 e 2028. O objetivo é que a estatal do petróleo deixe de ser dependente de combustível fóssil e passe a prover também energia renovável – uma guinada que provoca dúvidas e não agrada a todos.
O temor aumentou quando o presidente Lula, na noite da segunda-feira (11), atacou o mercado financeiro, em entrevista ao SBT, e defendeu a decisão da estatal em reter os dividendos extraordinários. “A Petrobras não é uma empresa de pensar nos acionistas que investem nela. Ela tem que pensar nos investimentos e nos 200 milhões de brasileiros. O mercado é um dinossauro voraz. Ele quer tudo para ele e nada para o povo”, afirmou o presidente.
Ele, inclusive, levantou a questão da paridade do preço dos combustíveis com o mercado internacional ao dizer que tem compromisso com a redução dos preços. “Não tem por que ter preço equiparado ao internacional”, disse.