- Analistas enxergam que dados do PIB no primeiro trimestre não devem trazer grandes impactos para a Bolsa no médio e longo prazo
- Títulos atrelados à inflação continuam sendo os preferidos da renda fixa
- Dados do PIB do segundo trimestre podem trazer volatilidade para o mercado
O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 0,8% no primeiro trimestre de 2024 na comparação com o quarto trimestre de 2023. O número ficou em linha com as expectativas dos analistas consultados pelo Projeções Broadcast, que esperava um crescimento de 0,7%. Segundo os economistas e analistas ouvidos pelo E-Investidor, o resultado mantém as premissas e as expectativas do mercado para o fim do ano em relação à Bolsa de Valores e aos rendimentos dos títulos do Tesouro Direto.
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Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que os impactos do crescimento do PIB brasileiro estão diretamente relacionados ao mercado de juros, podendo influenciar os investimentos da renda fixa. Todavia, como não houve nenhuma surpresa, as estimativas devem se manter.
“Para que houvesse alguma mudança nas taxas de juros, o resultado do primeiro trimestre teria que ficar muito acima do esperado. Isso causaria uma pressão para o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) não cortar a Selic. De qualquer forma, a expectativa do mercado é que os juros tendem a se manter próximos do patamar atual”, diz Vale, que esperava um PIB com uma alta de 0,9% no primeiro trimestre de 2024 em relação ao quarto trimestre de 2023.
O que o PIB tem a ver com a Bolsa e os juros do Tesouro Direto?
É importante lembrar que o dado do PIB serve de balizador para o Banco Central sobre o momento de subir, cortar ou manter a taxa básica de juros da economia, a Selic. Se o dado viesse muito abaixo do esperado, o Banco Central (BC) poderia ser pressionado a cortar os juros – atualmente em 10,50% ao ano – para elevar a atividade econômica, o que reduziria a atratividade dos títulos da renda fixa.
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A Selic tem forte influência nos rendimentos do Tesouro Direto. O Tesouro Selic está 100% correlacionado à taxa básica de juros, que a replica para o investidor. Os demais títulos sentem a Selic indiretamente: um exemplo fica com o Tesouro IPCA, visto que quanto maior for o juro real no Brasil mais esse título tende a pagar o investidor.
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A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 3,69% em 12 meses até abril, dado mais recente do indicador. Ao descontar a inflação da Selic atual (10,50%), chega-se a um juro real de 6,81% ao ano. Já se comparar este rendimento com o esperado pelo mercado no mais recente Boletim Focus, o juro real deve encerrar o ano a 6,37%. Isso porque a Selic caminha para a faixa dos 10,25% e a inflação tende a terminar 2024 a 3,88%.
Atualmente, o Tesouro IPCA, título público que paga um juro real mais a inflação, entrega um retorno real de 6,16% para o investidor que aportar no ativo com vencimento para 2029. A taxa de juros – que sofre influência do PIB – são essenciais para a tomada de decisão dos investimentos de renda fixa, como nos títulos do Tesouro Direto.
O mesmo acontece com a Bolsa, embora o impacto seja menos direto. Se o resultado do PIB viesse abaixo do esperado, o corte de juros para acelerar a economia poderia causar uma fuga de capital da renda fixa para a renda variável, o que seria positivo para os investimentos de risco, como a Bolsa.
Com o número muito acima do esperado, a Bolsa tenderia a ser negativamente impactada, visto que o Copom poderia cogitar de encerrar os cortes de juros ou, na pior das hipóteses, subir a Selic. Esta última possibilidade, de alta de juros, não está no radar mercado neste momento, como dizem os analistas a seguir.
Para onde vão os juros?
Dalton Gardiman, economista-chefe da Ágora Investimentos, acredita que o corte de juros está próximo do fim, com o Banco Central reduzindo a Selic apenas em 0,25 ponto porcentual em 2024, deixando a Selic em 10,25% no fim do ano.
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Ele lembra que somente um número do PIB muito forte ou muito fraco mudaria essas projeções. “Somente um número um mais forte do PIB poderia levar o Banco Central a parar de cortar os juros, assim como qualquer outra notícia negativa no campo fiscal. Nesse caso, a Selic encerraria o ano nos atuais 10,50%”, comenta Gardiman.
No entanto, o economista acredita que mesmo que o PIB viesse abaixo do esperado seria pouco provável que o Banco Central cortasse juros além dos 0,25 ponto porcentual. O especialista diz que uma das premissas para a equipe liderada por Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central do País, cortar a Selic além do esperado, seria uma redução dos juros nos Estados Unidos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) em setembro, o que para ele é pouco provável.
Vale lembrar que o juro dos EUA segura o juro brasileiro. Isso porque se a distância entre a taxa de juros brasileira e a americana diminuir, o investidor prefere aportar nos EUA ao invés do Brasil. Tal situação provoca fuga de capital do País, reduzindo consequentemente a presença de dólar no mercado brasileiro e deixa, portanto, a moeda americana mais cara – que, por sua vez, causa inflação na economia do Brasil.
Justamente para evitar essa inflação provocada pelo câmbio, o BC tende a não cortar os juros além dos 0,25 ponto porcentual. Sendo assim, a estimativa é que a Selic encerre 2024 em 10,25% ao ano.
Como os títulos do Tesouro devem encerrar o ano?
Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, também descarta qualquer corte de juros devido aos dados do PIB, visto que para isso o indicador teria que vir muito abaixo do esperado, por volta de 0,4% na comparação entre o primeiro trimestre de 2024 e o último de 2023. Como isso não aconteceu, a expectativa é que os juros fiquem onde estão, o que também não deve mudar os rendimentos da renda fixa.
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“Os títulos públicos já foram muito castigados recentemente devido à precificação de juros feita pelo mercado recentemente. Então, vejo como pouco provável que as taxas subam mais do que o ponto atual. O que pode acontecer ao longo do ano é uma redução de juros dos títulos públicos no quarto trimestre, o que pode trazer bons frutos para os investidores que aportarem agora, visto que eles podem lucrar com a marcação a mercado”, diz Gala.
A marcação a mercado de um título é utilizada para caso de resgate do papel antes do prazo no mercado secundário. Se o investidor entrou em um título que paga 10% ao ano e tiver o anseio de retirar o dinheiro da aplicação antes do prazo de vencimento, o movimento do mercado determina o resultado do investimento. Caso no momento da venda o mercado esteja pagando um juro de 11% ao ano, o investidor que resgatar o título terá uma redução em sua rentabilidade, visto que ele está ofertando um ativo com remuneração mais baixa.
Já se a taxa de juros do mercado estiver em 9% ao ano, o investidor que tem o título que oferta 10% terá ganho ao resgatar seu investimento antes do vencimento, justamente por ele estar pagando um juro maior que o praticado no mercado secundário. Gala explica que essa redução deve acontecer após um alívio de juros na economia internacional, com o banco central americano cortando juros no final do segundo semestre e o Banco Central Europeu (BCE) seguindo a mesma linha ao longo dos próximos meses. O especialista estima que a Selic deve encerrar 2024 entre 10% e 10,25% ao ano.
Sendo assim, Simone Albertoni, especialista de investimentos na Ágora Investimentos, recomenda o investidor aportar em títulos atrelados a taxa Selic ou ao CDI, caso ele queira resgatar antes do esperado, como uma garantia de proteção da marcação a mercado. No entanto, se o investimento for mantido na carteira até o vencimento, a melhor opção fica com a aplicação nos ativos indexados à inflação.
“Os níveis de taxas de juros reais hoje estão altos para carregar nas carteiras por mais tempo, e tem a parcela que acompanha a inflação. A recomendação é de compra de títulos do Tesouro IPCA+, CDB, e se o investidor tiver mais apetite de risco, existem papéis isentos com mais atrativos como as debentures incentivadas”, diz Albertoni.
Como fica a Bolsa após os dados do PIB?
Sérgio Vale, da MB Associados, comenta que é pouco provável que o dado do PIB impacte a Bolsa de alguma forma relevante. Ele reforça que tudo já foi precificado pelo mercado ao longo dos últimos três meses e que o resultado divulgado nesta terça-feira é um reflexo do passado. Na visão do economista, o PIB do segundo trimestre deve ser o grande balizador de preços para o mercado.
“A grande incerteza fica para o segundo trimestre, visto que a tragédia do Rio Grande do Sul deve pesar no resultado. No período de abril a junho, o investidor pode encontrar algum grande impacto que ainda não foi precificado devido às inundações no sul do Brasil. Por isso, o dado do primeiro trimestre traz pouco impacto para o mercado”, aponta.
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José Cataldo, analista da Ágora Investimentos, lembra que a única forma do PIB impactar a Bolsa de Valores seria via expectativas de alta ou de baixa de juros e como as grandes variações na Selic já estão descartadas, pouca coisa deve mudar. “Para mudar, o PIB teria que vir abaixo de 0,3%, o que pressionaria o Banco Central a cortar juros, sendo positivo para Bolsa e outros ativos de risco. Como isso não aconteceu, o número ficou dentro do esperado, o investidor pode esperar uma Bolsa com poucos gatilhos de alta”, diz o especialista.
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Cataldo lembra ainda que as incertezas na renda variável estão grandes e a própria corretora revisa neste momento o cenário para o Ibovespa, o principal índice de ações da Bolsa de Valores brasileira.
A Ágora calculava que o Ibovespa encerraria 2024 a 157 mil pontos, uma alta de 28,6% na comparação com o fechamento de segunda-feira (3), quando o índice encerrou o pregão cotado a 122.032 pontos. “No entanto, algumas variáveis já mudaram e esse número provavelmente, quando revisado, será menor”, diz Cataldo. Ou seja, se o cenário de Bolsa parece incerto e os títulos públicos estão atrativos, o momento pede para o investidor que teme a volatilidade ir para a renda fixa e deixar os ativos de risco para o perfil mais arrojado.