Há 12 meses, quando a Bolsa de Valores brasileira vivia um rali e era negociada nas máximas históricas, Werner Roger, sócio-fundador e CIO da Trígono Capital, defendia cautela em meio à euforia. Nesta entrevista, à época, a avaliação do executivo era que a valorização que tomava as ações brasileiras, especialmente as small caps, era baseada sobretudo em expectativas, mas faltavam fundamentos para justificar altas daquele tamanho. Um ano depois, o cenário está completamente diferente.
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Os juros recentemente voltaram a subir, as expectativas pioraram e as ações amargam desvalorizações. A avaliação de Roger, no entanto, segue semelhante, mas agora é preciso cautela com o pessimismo. “O mercado continua vivendo de expectativa, só que, diferente do que era há 12 meses, a expectativa agora é negativa em relação aos juros. Entramos no famoso ‘top-down’, um movimento que é, de certa forma, lógico perante às questões macro”, destaca.
O Trígono Flagship Small Caps FIC FIA, fundo focado nas empresas de crescimento, estratégia na qual a gestora com R$ 3 bilhões sob custódia é especialista, cai 15,17% em 2024; pouco mais do que a queda de 13,67% registrada pelo SMLL, o índice de small caps da B3. Em janelas de tempo maiores, no entanto, o fundo bate o benchmark: em 24 meses, cai 9,57% frente a 25,7% de queda do SMLL. Em 48 meses, acumula uma valorização de 67,45%, enquanto o índice da B3 cai 15,74%.
E é este longo prazo que deve importar a quem investe na Bolsa, diz o CIO da casa. O desafio, no entanto, está em convencer o investidor a permanecer com o investimento em meio à maré negativa. “Por mais que a gente fale de comprar na baixa e vender na alta, ninguém faz. Queremos mostrar ao investidor justamente essa racionalidade: não saia vendendo só porque a Bolsa está caindo. Talvez seja uma oportunidade.”
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Confira os principais trechos da entrevista ao E-Investidor.
E-Investidor – Há um ano, quando a Bolsa vivia um rali, a sua leitura era que as altas estavam sendo movidas por expectativa e não por fundamento. Qual a avaliação das quedas que vemos hoje?
Werner Roger – O mercado continua vivendo de expectativa, só que, diferente do que era há 12 meses, a expectativa agora é negativa em relação aos juros. Entramos no famoso “top-down”, um movimento que é, de certa forma, lógico perante às questões macro.
E as small caps sofrem mais, não porque as empresas estão indo mal, mas por essa expectativa de que os juros vão continuar subindo e, assim, elas vão continuar sofrendo com o resultado, lucro líquido e alavancagem financeira. Mas é também sobre a forma como os índices são construídos. Por exemplo, o IDIV subiu 40% nos últimos 3 anos, não está mal, mas cerca de 54% de sua alocação está em setores defensivos. O Ibovespa é muito concentrado no que chamamos de setor ‘dólar’, com Petrobras (PETR3; PETR4), Vale (VALE3), siderurgia. Apenas 20% vem de empresas expostas aos juros. Mas o índice de small caps é composto, em sua maior parte, justamente por esses nomes.
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Qual o custo deste novo ciclo de alta de juros para as small caps brasileiras?
É sempre negativo, porque o grande atributo das small caps é crescimento. Analistas usam o fluxo de caixa descontado para calcular o valuation (valor do negócio); quanto menor a taxa de juros, maior o valor presente. O SMLL está muito concentrado no setor de construção e aquelas empresas de varejo. Temos visto nos últimos dias uma série de empresas reportando as prévias operacionais para a temporada de balanços, algumas muito boas, outras nem tanto. Vamos começar a ver os resultados em meio ao top-down e o mercado não está muito animado. A minha impressão é que não vai ser bom, a Selic subiu, nada leva a crer que vai haver algo que anime muito este trimestre.
Há algum gatilho que possa mudar esse cenário?
Essa é a questão de um milhão de dólares. Acredito que essa mudança poderá vir de fora. Lá, os juros estão caindo e os estrangeiros já começam a ter apetite a mais risco. Quando falamos de risco, primeiro são as small caps deles, depois, mercados emergentes. E o Brasil surge como um dos mais importantes: muita gente está com medo da China em uma possível vitória do Donald Trump nas eleições dos EUA, ninguém entende o mercado da Índia, Turquia tem a inflação e o leste europeu não tem mais possibilidade de investimento com a guerra na Ucrânia. O Brasil é um caminho natural.
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Só que o estrangeiro ainda não está vindo. Pode ser pelo risco fiscal, a questão envolvendo o X, não sabemos quais fatores. Vamos entrar na temporada de resultados e talvez passemos a ver esse investidor começar a escolher valor. Porque, até então, ele tem escolhido fluxo, comprando ativos de liquidez justamente para poder entrar e sair da Bolsa brasileira rapidamente.
Como a Trígono tem posicionado a carteira para enfrentar este “top-down”?
A nossa posição continua muito parecida com o que já era há um ano. Estamos em empresas que não têm dívida e não têm exposição a juros. O setor industrial está indo muito bem, especialmente a indústria automobilística; gostamos da Kepler Weber (KEPL3), que é ligada ao agro, está com caixa e super líquida. E outro setor que tem uma expectativa de preços e demanda favoráveis são as empresas de biocombustíveis, como Jalles Machado (JALL3) e São Martinho (SMTO3). Companhias cujas receitas estão expostas ao câmbio também jogam a nosso favor.
Não temos praticamente nenhuma exposição a varejo ou consumo, mas estou tomando um pouco de risco aqui no setor de incorporadoras. São muito sensíveis a juros e não nos anima muito, mas tem duas empresas diferentes e que não estão no radar de ninguém, que indiretamente se beneficiam se as imobiliárias forem bem, que são a Eucatex (EUCA4) e a Dexco (DXCO3).
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O fluxo de resgate dos fundos de ações segue bastante expressivo. Como convencer o investidor que não está na hora de sair?
É difícil, porque se ele olha, por exemplo, os últimos 36 meses, as small caps caíram 26%. E esse é um prazo em que as coisas deveriam já se encaixar. Mas a paciência depende do objetivo do investidor. Quem precisa desse capital daqui a um ano, a Bolsa, especialmente as small caps, não lhe atende. Já para o investidor que tem mais 20 anos pela frente, acabou de ficar 26% mais barato.
Por mais que a gente fale de comprar na baixa e vender na alta, é algo que ninguém faz. Mas essa queda abriu um momento interessante de entrar, porque há empresas bastante descontadas e que estão entregando bons resultados. O desafio se encontra na habilidade de escolher as boas opções. O mercado está disfuncional e não está se apoiando nos fundamentos, mas em algum momento isso há de voltar. O que queremos mostrar ao investidor é essa racionalidade; não saia vendendo só porque a Bolsa está caindo. Talvez seja uma oportunidade.