O aumento do salário mínimo para R$ 1.621 em 2026 promete alívio imediato, mas aprofunda o desequilíbrio fiscal ao ampliar despesas obrigatórias e pressões sobre a Previdência. Entenda por que o modelo se tornou insustentável. (Imagem: Adobe Stock)
O Brasil discute o reajuste do salário mínimo como se estivesse debatendo justiça social. Está, mas não só isso. Está discutindo, silenciosamente, a capacidade de um Estado financiar o próprio futuro. Quando o governo confirma que o piso será de R$ 1.621 em 2026, um aumento de 6,68%, a sensação imediata é de um pequeno alívio para quem vive na base da renda. Mas, macroeconomicamente, o anúncio funciona como outro tipo de sinal: o país segue indexando despesas obrigatórias a um crescimento que não acontece. Isso não acontece em nenhum país do mundo. Veja, o intuito deste artigo não é dizer que o brasileiro não deveria ganhar mais. Não se trata de ideologia. O objetivo é mostrar que a matemática é implacável e não existe almoço grátis.
A ironia aparece logo no primeiro cálculo. O reajuste não impacta apenas quem ganha o mínimo. Ele aciona um efeito dominó que o governo raramente verbaliza: INSS, BPC, seguro-desemprego e abono salarial sobem juntos. E sobem não porque o país ficou mais produtivo, mas porque a fórmula manda subir. É política pública conduzida no piloto automático. Só que o piloto automático não enxerga o que importa: cada real acrescentado ao mínimo adiciona milhões à conta anual do Estado, e isso antes mesmo de considerar o envelhecimento acelerado da população.
O ponto estrutural é conhecido, mas pouco enfrentado. Mais de 12% do PIB brasileiro já está comprometido com a Previdência, um patamar que países mais velhos, como Itália e França, alcançaram com décadas de transformação demográfica. No Brasil, esse gasto avança enquanto a economia cresce pouco e as reformas são empurradas para eleições futuras. Não é coincidência que os estudos mais recentes indiquem que cada aumento de R$ 1 no salário mínimo adiciona R$ 420 milhões à despesa previdenciária. A matemática não é ideológica. Ela é implacável.
O que torna essa equação ainda mais frágil é a contradição que ninguém gosta de assumir: estamos remunerando inativos com base em ganhos de produtividade que não vieram. Para o trabalhador aposentado, o reajuste é uma vitória justa. Para o sistema, é um descompasso crescente. A fórmula que corrige o mínimo, INPC + PIB de 2 anos antes cria a ilusão de que o país está recompensando quem produziu. Mas o efeito agregado é outro: o gasto aumenta independentemente de a economia ter gerado capacidade para sustentá-lo.
Enquanto isso, escândalos de fraudes no INSS tomam manchetes, mas não alteram o quadro fiscal. As distorções que pesam de verdade não vêm de descontos irregulares, mas de regras especiais, aposentadorias precoces e vinculações automáticas que tornam o sistema cada vez mais caro. É uma engrenagem que ninguém toca porque qualquer ajuste é visto como ataque ao aposentado, mesmo quando o objetivo é preservar o sistema para que ele exista no futuro.
O Brasil construiu uma Previdência que exige coragem política e matemática fria. As duas faltam. Desvincular parte dos benefícios do salário mínimo seria impopular, mas tecnicamente necessário. Ajustar idades de aposentadoria conforme expectativa de vida, também. Rever privilégios de grupos específicos, mais ainda. Mas, sem isso, qualquer aumento no mínimo vira combustível em um motor já superaquecido.
A provocação é direta: elevar o salário mínimo melhora a vida de quem recebe hoje, mas piora a solvência do país que precisa pagar amanhã. O Brasil não pode continuar funcionando como se o reajuste fosse sinônimo de progresso. Reajuste é custo. Progresso é produtividade. Enquanto um cresce por decreto e o outro não cresce por falta de política pública, a conta se descola da realidade. R$ 1.621 podeM fazer diferença para milhões de trabalhadores. Mas a pergunta que define o país não é esta. É outra, mais incômoda: por quanto tempo o Brasil vai fingir que consegue arcar com um modelo que ele próprio sabe que não sustenta?