- Ministro da Justiça anunciou sua demissão em pronunciamento ao vivo
- Anúncio pegou mercado de surpresa, que reagiu com forte queda no Ibovespa e disparada do dólar
- Bolsonaro não demorou na resposta e fez um pronunciamento em rede nacional para rebater o ex-ministro
O entra e sai de ministros do governo de Jair Bolsonaro ganhou mais um capítulo imprevisível nesta sexta-feira (24). Em pronunciamento realizado às 11h, o Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro anunciou que deixaria o comando da pasta – ele permaneceu no cargo por um ano e quatro meses e era considerado um dos braços fortes do Planalto. A demissão vem em resposta à decisão do presidente de exonerar, sem grandes justificativas, o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.
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Na visão do agora ex-ministro, a atitude de Bolsonaro caracterizaria tentativa de interferir politicamente na organização. “O presidente me disse mais de uma vez que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal que ele pudesse ligar, colher informações e relatórios de inteligência. Não é papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação”, disse. Ele também sinalizou ter sido surpreendido com a exoneração no Diário Oficial da União.
A reação do presidente ao pronunciamento não demorou. Em entrevista coletiva realizada no fim da tarde de hoje, Bolsonaro rebateu às acusações e atacou Moro. “Uma coisa é admirar uma pessoa e outra é trabalhar com ela. Ele era um ídolo para mim”, disse o presidente. “O dia em que eu me submeter a algum ministro, eu deixo de ser presidente da república.”
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No mercado financeiro, a notícia veio como uma bomba. O Ibovespa chegou a cair 9,5%, aos 72.040 pontos, e o dólar bateu os R$5,70. Para entender quais os efeitos econômicos da demissão no médio prazo, o E-Investidor conversou com analistas e gestores de corretoras de investimento.
Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos
“Os impactos no mercado financeiro vão surgir da instabilidade política que se cria. Com a saída do Sérgio Moro, que era um dos pilares do Governo atual, você deixa ainda mais difícil, em termos de governabilidade, avançar com algumas questões cruciais para a economia andar, principalmente depois do coronavírus.
Uma dessas questões é a capacidade de promover reformas, que diminui. Agora, com a instabilidade política, você perde apoio populacional, apoio do Congresso, então ficava ainda mais difícil que as reformas sejam aprovadas. Quanto maior a incerteza, menor a disposição do investidor de colocar o dinheiro na bolsa.
É difícil você colocar dinheiro em um ativo sem saber para onde as diretrizes econômicas estão indo. O movimento do dólar sofre com isso também. Quando não se sabe o que esperar do governo, o risco-país se eleva e isso impacta no dólar. Já estávamos em um movimento de alta na moeda norte-americana por conta dos cortes nas taxas de juros, mas hoje ele está muito mais ligado à incerteza”.
Roberto Indech, estrategista-chefe da Clear Corretora
“O mercado sempre antecipa movimentos e sinalizações, sejam elas financeiras ou políticas. A saída do ministro Sérgio Moro da pasta da Justiça é mais uma notícia negativa em meio a outros graves problemas gerados a partir do agravamento do impacto da crise do coronavírus.
Instabilidade gera volatilidade. A recomendação para os investidores é de cautela até que o presidente Bolsonaro nomeie um novo ministro para a pasta da Justiça, quando teremos uma sinalização mais clara da diretriz que o governo irá seguir.”
Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos
“A saída do ministro Sérgio Moro coloca em xeque a continuidade do trabalho de outros ministérios, como o da economia, e corrobora as dificuldades que o país pode enfrentar na retomada. No campo de vista econômico, há a precificação de maior dificuldade de recuperação do país no período pós-pandemia. O país vinha numa rodada de reformas desde 2016 e, com a pandemia, foi obrigado a rever prioridades.
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O que não estava no contexto era o aumento do risco político. Tal como uma pessoa física, os grandes investidores buscam clareza de horizonte antes de realizarem seus aportes e diante do atual quadro, vemos um distanciamento entre a realidade e o que é necessário para o provimento de um cenário propício ao desenvolvimento econômico. Assim, as nuances e instabilidades políticas dificultam o investidor a vislumbrar o que virá no futuro, quais serão as pautas-chaves e qual será a capacidade do governo em aprová-las. Há precificação de uma piora no cenário, caracterizada por um juro maior na ponta curta da curva, causada pela deterioração do cenário político, como também na parte longa da curva, dada iminência de aumento nos gastos fiscais, questões que, aplicadas ao valuation das companhias, o deteriora. O crescimento do risco-país e a expectativa de demanda por maiores prêmio de risco de mercado também acaba por transferir os riscos políticos diretamente à cotação dos ativos mobiliários, deteriorando-os.”
José Falcão Castro, Analista de Investimentos da Easynvest
“A gente observa agora o mercado repercutindo muito negativamente a saída do ministro Sérgio Moro. A entrevista está sendo interpretada pelo mercado como algo muito sério, já que há insinuações de graves acusações relacionadas à ingerência política por parte do presidente.
Ao contrário do que a gente observou na saída do ministro da saúde, Henrique Mandetta, que o mercado já vinha digerindo, a saída do ministro Sérgio Moro foi muito repentina e é natural a reação negativa do mercado. Mas o impacto é momentâneo, de curto prazo.
A instabilidade política já vem desde o início da crise do coronavírus. Então é mais um fator que vai pesar contra o nosso mercado, contra a bolsa de valores e contra o real, mas é algo que eu acho que vai ser digerido daqui pra frente e a bolsa deve retomar a tendência de recuperação que vinha se consolidando nos últimos dias. Uma observação importante é que o mercado agora está com muito receio de uma possível saída do ministro da economia Paulo Guedes. Esse atrito é uma preocupação até maior para o mercado do que a saída do Moro.”
Rafael Panonko, analista-chefe da Toro Investimentos
“Você tem dois pontos que são muito relevantes para ditar o ritmo dessa retomada. A primeira delas é a crise do coronavírus, não há nenhuma novidade. Ou seja, o achatamento da curva de novos casos e a volta fracionada de algumas atividades. Isso é um ponto positivo a ser observado.
O segundo ponto, que hoje eu estou considerando o mais importante, é a instabilidade política provocada pelo relacionamento do Planalto com os governos e o Legislativo. Isso tem um potencial de dano maior porque freia medidas que precisariam ser mais efetivas e faz perder o timing de muitas coisas que precisariam ser emergenciais.
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O Governo tem uma articulação política ruim e a saída de Sérgio Moro torna isso muito claro. Quando a gente fala de recuperação da economia, esse é o ponto mais importante que deve estar no radar dos investidores. Se antes o cenário era do Ibovespa com início de uma tendência de baixa, agora entramos em uma zona de congestão que vai andar no ritmo do ambiente político. Se o ambiente político melhora, o Ibovespa acaba projetando para cima. Se isso não acontece, você tem a piora no cenário.”
Alexandre Amorim, gestor de investimentos da ParMais
“A saída de Sérgio Moro traz muitas dúvidas. Já havia dúvidas de como a economia iria ficar em relação ao coronavírus, mas agora a gente tem outro tipo de dúvida: como vai ficar o Governo?. O Moro era um dos pilares que mantinha a popularidade do presidente em alta. Agora, a demissão põe em xeque a questão de honestidade e uma política mais limpa prometida pelo Governo.
Isso gera a possibilidade de abertura de processo de impeachment e talvez faça ele se aproximar mais do Centrão. É ruim para o mercado e aparentemente essa instabilidade é uma coisa difícil de reverter. É cedo para dizer qualquer coisa, mas há potencial para atrasar a retomada da economia pós-coronavírus.”
Alexandre Aoude, sócio da Vectis Partners
“A saída do Sérgio Moro é péssima para o País, principalmente neste momento. Estamos em uma pandemia e em uma crise política bastante dura e outros ministro podem vir a sair. O cenário é muito negativo. A economia já teria dificuldades por si só. Com a instabilidade política, só aumenta a incerteza e traz ainda mais volatilidade aos mercados.
O presidente fica enfraquecido, o País fica enfraquecido, sem nenhuma direção do que vai acontecer. O presidente vai ter que procurar apoio nos lugares mais obscuros da política brasileira. A minha visão é negativa ao país, à pandemia, porque um presidente deslocado no meio de uma pandemia e de uma crise econômica sem precedentes, corre o risco de perder mais ministros de alta qualidade. E aí o Brasil terá um problema seríssimo. Para nos mantermos dentro de um cenário de razoabilidade, precisaríamos de alguma solução política rápida, o que não vejo no curto prazo.”