Investimento com propósito

Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fernanda Camargo

Precisamos de uma Revolução Industrial que coloque a economia a serviço das pessoas

É preciso encontrar um novo modelo de negócios que atenda as necessidades básicas de todos

Robôs entregadores autônomos (Foto: Evanto Elements)
  • Empresas focaram demais em economia de custos. Essa busca por produtos cada vez mais baratos resultou em economias locais com cada vez menos recursos, com menos empregos e assim, menos poder de compra
  • Em 2020, com quase 200 casos de sucesso, Prof Gunter Pauli conseguiu provar que é possível gerar mais receita, mais emprego e ainda competir no mercado global

Escrevo aqui do Parque Nacional da Serra do Cipó, em Minas Gerais. Amanhã, 24 de outubro, é meu aniversário e tive o privilégio de vir comemorar com grandes amigas da vida toda.

A Serra do Cipó é conhecida por ter grande importância sobre o balanço das águas, fazendo a divisão natural das bacias dos rios Doce e São Francisco. Dentro do Parque Nacional existem mais de 60 cachoeiras, a natureza aqui é exuberante. O cerrado com suas cores, flores e espécies únicas parece o trabalho de uma vida de um jardineiro apaixonado.

Três semanas antes de virmos, o Parque ainda estava em chamas. Aparentemente, queimadas são comuns por aqui, mas, pelo visto, essa foi uma das piores. O incêndio devastou uma área de aproximadamente 16 mil hectares. Ainda não se sabe se o incêndio foi criminoso ou não.

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Mas, certamente, a impunidade tem resultado em mais e mais queimadas. Aqui estamos nós assistindo inúmeros biomas em chamas, no meio de uma pandemia, com a taxa de desemprego chegando em 15% e a desigualdade mostrando sua cara mais do que nunca. O que podemos fazer? Muito, se cada um fizer um pouco. Não existe uma única resposta, mas certamente temos que buscar novos caminhos.

Durante o tempo em que trabalhei num banco na Califórnia, tive a sorte de estudar budismo e praticar meditação no tempo livre. Quando voltei ao Brasil em 1996, frequentava encontros liderados pelo Lama Michel Rinpoche. Foi a primeira vez que ouvi falar de Alfredo Sfeir Younis*, um economista que havia sido presidente do Banco Central do Chile, estava no Banco Mundial e havia se tornado um monge budista. Li inúmeros textos dele.

Em 2010, ele escreveu um artigo chamado “From steam engines to human consciousness” (Da máquina a vapor a consciência humana). O artigo foi escrito há 10 anos, mas poderia ter sido hoje. Nesse artigo, ele nos convoca para uma nova Revolução Industrial.

A Revolução Industrial aconteceu na Europa entre 1760 e 1850 e transformou uma economia agrícola em uma economia urbana/industrial. Apesar de toda a sofisticação e tecnologia disponíveis atualmente, este padrão de desenvolvimento acabou gerando desigualdade, educação de baixa qualidade, estruturas sociais fragmentadas, poluição, mal-uso da terra, migração desorganizada para grandes centros urbanos, etc.

Segundo Sfeir Younis, uma nova Revolução Industrial é necessária agora. Sua essência deve nos tirar da máquina a vapor para os mais altos níveis de consciência. Afinal de contas, as corporações são feitas de pessoas, como bem apontou.

Esta nova revolução industrial deve maximizar felicidade e riqueza interior. Deve estabelecer as melhores práticas de colaboração, governança e interações humanas para expandir o bem coletivo e beneficiar a todos, deve desenvolver melhor qualidade de vida no planeta, empoderar pessoas, criando oportunidades e segurança – e assim um mundo com liberdade, justiça, abundância e paz.

A situação atual demanda uma revolução de valores, deixando para trás competição, independência e exclusão, trazendo valores de interdependência, solidariedade, cooperação, justiça, liberdade, paz, segurança, direitos humanos, sustentabilidade, amor, compaixão e cuidado.

Esses dias, na busca por soluções inovadoras e investimentos com impacto socioambiental positivo, tive o privilégio de conversar com o Prof Gunter Pauli *, considerado o “Steve Jobs” da Sustentabilidade.

Fui procurá-lo para saber se era possível realizar uma avaliação da biodiversidade brasileira, estimar o valor das milhões de moléculas de espécies na Amazônia, Mata Atlântica e outros biomas e assim mostrar que, possivelmente, estamos “queimando nossa Mona Lisa” – como disse Idriss Aberkane* quando esteve no Brasil em 2019.

“Fernanda, let me tell you – respondeu Gunter – molecules take a lifetime, we need cash flow now!” (Moléculas levam uma vida para serem descobertas, precisamos de fluxo de caixa agora!) Atualmente, grande parte dos novos empregos no mundo são gerados em apenas 10 países, enquanto 40% da população mundial vive com menos de US$ 3 por dia.

Segundo o Prof. Gunter Pauli, precisamos de um novo modelo de negócios, um que atenda as necessidades básicas de todos com aquilo que está disponível na comunidade local. No seu livro ‘The Blue Economy’ ele explica que precisamos de um modelo inovador no qual produtores oferecerem o melhor produto pelo menor preço, gerando múltiplos benefícios e não apenas lucro.

A chave para essa virada dramática está em evoluir de um modelo baseado em “core business” para um portfólio de negócios que geram múltiplos benefícios para os negócios, para a sociedade, colocando a natureza de volta no seu caminho evolutivo e simbiótico.

Enquanto executivos de grandes corporações continuarem a busca por uma economia de escala, baseada em produtos padronizados, assegurados pela entrega “just-in-time” no mundo todo, terceirizando mão de obra onde esta é mais barata, as taxas de desemprego vão continuar subindo e grande parte da população mundial continuará excluída.

Empresas focaram demais em economia de custos. Essa busca por produtos cada vez mais baratos resultou em economias locais com cada vez menos recursos, com menos empregos e assim, menos poder de compra – levando a uma circulação menor de recursos nas comunidades, o que resultou em uma contração econômica como o que vem acontecendo em inúmeras economias recentemente.

O grande diferencial do modelo sugerido na “Blue Economy” é que este injeta recursos de volta na comunidade e ao contrário da crença tradicional, mostra que é possível oferecer produtos de alta qualidade num preço mais baixo.

Em 2010, Sfeir Younis sugeria que a nova Revolução Industrial colocasse a economia a serviço das pessoas e não as pessoas a serviço da economia, que respeitasse todas as formas de vida, por todos seres humanos independente de sua raça, cor ou crença, pela natureza e pelas futuras gerações.

Hoje, em 2020, com quase 200 casos de sucesso, Prof Gunter Pauli conseguiu provar que é possível gerar mais receita, mais emprego e ainda competir no mercado global. Ele encontrou um caminho que nos permite aprender ainda mais e realizar que a ciência é temporária, está sempre evoluindo e aos poucos nos mostrando a teia da vida.

Se cada um assumir sua responsabilidade e entender a consequência de suas ações, tenho certeza que podemos começar essa revolução. A natureza se regenera, e nós?