O que este conteúdo fez por você?
- A crise do coronavírus colocou as pessoas dentro de casa e adiou todos os planos dos viajantes ao redor do mundo
- O efeito do isolamento social levou o setor aéreo para sua maior crise da história e fez as companhias amargarem perdas de US$ 230 milhões (R$ 1,2 bilhão) por dia
- A derrocada atingiu rapidamente as agências de viagens, que intensificaram as promoções e começaram a vender pacotes com mais de 50% de desconto. Duas novas leis entraram em vigor neste ano por conta da crise e o viajante precisa ter cautela!
O ano era 2015 quando fiz o teste com o meu primeiro pacote de viagens em um site de compras coletivas. Por R$ 549, a venda no Hotel Urbano garantia três diárias completas em um bom hotel na cidade de Santiago, capital do Chile, passagens aéreas inclusas e de bônus o café da manhã. Vi ali uma oportunidade de ouro, arrastei as minhas melhores amigas e pronto: pedido realizado!
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Naquela época, como faltavam menos de quatro meses para o dia do embarque, a maior preocupação era como separar uma parte da minha renda para bancar os gastos com passeios, alimentação e transporte. Com um espaço de tempo tão curto, o planejamento financeiro foi essencial para não perder o controle das contas fixas e fazer todos os planos do roteiro caberem no bolso.
Leia também: Preço preocupa? Como se organizar e viajar barato após a pandemia
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Hoje o cenário e as preocupações são outras. A crise do coronavírus colocou as pessoas dentro de casa e adiou todos os planos dos viajantes ao redor do mundo. O efeito do isolamento social levou o setor aéreo para sua maior crise da história e fez as companhias amargarem perdas de US$ 230 milhões (R$ 1,2 bilhão) por dia, segundo dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA).
A derrocada atingiu rapidamente as agências de viagens, que deixaram de faturar mais de R$ 4,5 bilhões só no primeiro semestre deste ano, de acordo com estimativas da Braztoa, associação que representa as operadoras de turismo no País.
Para atravessar esse período de turbulência e segurar a baixa no faturamento, muitas empresas apostaram em flexibilizar pagamentos e intensificaram as promoções nos pacotes, com descontos que ultrapassam a marca dos 50% do valor original da compra.
No Hotel Urbano, por exemplo, sete dias em Orlando e Miami, nos Estados Unidos, com passagem aérea, aluguel de carro e hospedagem incluídas custam R$ 2,5 mil. Para efeito de comparação, o voo de ida e volta mais barato para o destino, considerando a cotação atual para abril de 2021, período de baixa temporada, custa R$ 2,6 mil.
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Apesar dos valores saltarem aos olhos, muitos brasileiros ficaram receosos com as compras, principalmente pela alta de 98% nos cancelamentos e adiamentos de viagens durante o auge da pandemia, segundo a Braztoa.
Lá em 2015 deu tudo certo com o meu pacote e não enfrentei nenhum tipo de problema. Mas, como a realidade atual é outra, conversei com o Procon-SP e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) para desmistificar o que está por trás dos preços mágicos.
Os direitos dos viajantes
De janeiro a setembro deste ano, o Procon-SP recebeu mais de 15,5 mil reclamações de consumidores contra agências e operadoras de viagens. Só para se ter ideia da gravidade, o número é 482,6% maior em relação ao mesmo período do ano passado.
Para dar conta do caos, o governo sancionou duas leis. A primeira delas para dar fôlego às companhias aéreas: os passageiros que tiverem o voo cancelado por conta da pandemia poderão usar os créditos da passagem por até 18 meses. Mas, se o viajante optar pelo reembolso, só receberá o dinheiro na conta em até um ano após a data da viagem.
Idec: Viajar agora é um risco sanitário e financeiro
A segunda regulamentou o adiamento e cancelamento de serviços, reservas e eventos do setor de turismo e cultura. A lei dispensa as empresas de fazer o reembolso integral quando um serviço é cancelado por conta da covid-19 e tem a liberdade de oferecer apenas os créditos para o abatimento de uma nova compra. E mais, a remarcação ou uso do saldo precisa acontecer dentro do prazo de 12 meses a partir do encerramento do estado de calamidade pública, previsto até 31 de dezembro de 2020.
Na prática, você pode ter o dinheiro de volta se tiver comprado uma passagem aérea direto com a companhia, mas, se optou por um pacote, por exemplo, a operadora de turismo não é mais obrigada a restituir o valor. O dever de 100% do reembolso acontece apenas se não houver a hipótese de remarcação ou de disponibilidade do crédito ao consumidor.
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Para Fábia Puglisi, advogada e assessora-chefe do Procon-SP, a segunda lei não é nada favorável aos viajantes, mas ressalta que é natural que as empresas fujam do reembolso para evitar problemas no caixa que poderiam gerar uma situação de falência, por exemplo. Ainda assim, ela reforça que o brasileiro precisa ter em mente que o momento ainda é incerto e que não há garantias de que as viagens podem sair do papel. “As empresas querem recuperar o lucro perdido nos meses de paralisação. É importante tomar cuidado com preços muito absurdos que encontramos nesse momento”, diz. “Nada garante que você vai conseguir viajar.”
Na avaliação de Igor Britto, diretor de relações institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), as novas regras servem apenas para proteger o caixa das empresas e indica as promoções relâmpago apenas para um grupo específico de pessoas.
“Se estamos falando de um viajante corriqueiro, que já possui uma reserva financeira para correr o risco de a viagem ser cancelada e ficar sem o dinheiro de volta, tudo bem. É uma análise de custo-benefício que precisa ser feita”, diz o diretor do Idec. “Por outro lado, se falamos de alguém que economizou durante meses para fazer a compra, não pode contar com um possível adiamento da viagem para depois de um ano e ainda precisar do dinheiro de volta, aí é importante repensar.”
Ainda assim, a posição de Britto é clara. “Viajar agora é um risco sanitário e financeiro.”
Os cuidados antes da compra
Mesmo quando a crise de coronavírus nem poderia passar pelas nossas cabeças, alguns cuidados na hora de comprar pacotes promocionais na internet já eram necessários – principalmente em tempos de black friday e datas comemorativas, como Carnaval e Ano Novo.
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O primeiro item para colocar no seu checklist é observar se a empresa já é consolidada no mercado e possui boa reputação com os consumidores. E existem algumas formas de checar essas informações com apenas alguns cliques. Tanto no site Consumidor.gov, como no portal exclusivo criado pelo Procon-SP para as reclamações durante a pandemia, você consegue consultar o índice de solução dos problemas e a satisfação dos viajantes com uma determinada companhia. O mesmo com o Reclame Aqui, plataforma privada que também avalia a reputação de empresas.
Mas vamos ao que interessa. Puglisi, do Procon, e Igor Britto, diretor do Idec, me ajudaram a preparar algumas dicas essenciais para não cair em armadilhas com os pacotes de viagens:
1) Desconfie dos boletos: Pode desconfiar dos pacotes que oferecem depósito bancário ou boleto como as únicas formas de pagamento. A margem para golpes é altíssima e é comum ser vítima de um vírus que altera os dados da empresa que deveria receber o dinheiro para a conta de um criminoso. O cartão de crédito, portanto, é a opção mais segura contra fraudes. Além disso, em caso de algum problema, é possível entrar em contato com a operadora do cartão para reverter a venda.
2) Registre tudo: Antes de finalizar a compra no carrinho, certifique-se de que você registrou todas as informações sobre a promoção contratada. Tire alguns prints de cada uma das telas, de forma que seja possível guardar (ou imprimir) todas as condições do pacote. Se algo não for cumprido, o consumidor pode acionar o Procon e o Consumidor.gov.
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3) Alteração no preço: Observe o valor final do seu pacote na hora de efetuar o pagamento. Alguns fraudadores conseguem alterar o preço no último instante.
4) Fuja das empresas estrangeiras: Além de todas as promoções disponíveis por empresas brasileiras, muitos consumidores têm ficado de olho nas ofertas no exterior – principalmente nos cruzeiros. Porém, quando não há uma sede da operadora no Brasil, as leis são outras. Isso significa que se você tiver algum problema com o seu pacote, não há nenhum tipo de proteção ou segurança. A chance de resolver é quase nula, segundo o Idec.
5) Transparência: Lembra que a nova lei pode servir como uma brecha para as operadoras de turismo não fazerem o reembolso integral? Pois é. Preste atenção em todas as informações da sua compra e tenha certeza de que a empresa deixou a política de cancelamento da compra bem clara, assim como as condições do local de destino durante a pandemia.
6) Cuidado extra com os pacotes internacionais: Não faltam ofertas para viajar para o exterior, mas é extremamente importante checar se o país de destino já liberou a entrada de turistas brasileiros e quais são as condições de entrada durante a pandemia. Como a nova legislação protege as empresas em caso de prejuízos sofridos por barreiras internacionais, o turista que não ficar atento pode perder a viagem. Em tempo: a ferramenta Kayak tem um sistema inteligente que mostra quais países têm restrições de entrada por via aérea.
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Todo cuidado é pouco quando uma compra errada pode causar um rombo nas finanças. Por isso, enquanto a poeira da crise não abaixar, tenha certeza de que a compra de um pacote não vai causar um grande prejuízo financeiro e saiba que a sua viagem programada para 2021 pode ficar só para o ano seguinte.
Faça uma análise de risco: se a sua reserva de emergência já está feita, a promoção está em um valor atrativo e você consegue aceitar o fato de ter que adiar a data planejada, vá em frente. Mas não deixe de seguir cada uma das dicas acima!
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