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Colunista

Sua vida financeira resiste à mudança de 46 regras tributárias por dia?

Instabilidade fiscal, baixa educação matemática e ansiedade coletiva criam um ambiente onde até quem aprende não consegue se planejar

No Brasil, são criadas em média 46 novas normas tributárias por dia útil (Foto: Adobe Stock)
No Brasil, são criadas em média 46 novas normas tributárias por dia útil (Foto: Adobe Stock)

A princípio, eu estava satisfeita com o resultado. Como psicóloga e educadora financeira, ver uma adolescente dominar conceitos tão importantes me enche de alegria. Aos 15 anos, ela já explicava com clareza a diferença entre CDB e LCA/LCI, sabia que um tem imposto regressivo conforme o tempo, e os outros são isentos por serem instrumentos de incentivo à habitação e à produção de alimentos. Um alicerce sólido, construído em nossas sessões de educação financeira.

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Os pais? Visionários. Tiveram a sabedoria de oferecer à filha algo que toda escola deveria garantir: o direito de qualquer cidadão entender o básico sobre organização das finanças pessoais, planejamento e investimentos.

Mas, de repente, tudo muda. As regras são revistas, os fundamentos ficam bagunçados. E eu tive que dizer a ela: “Lembra tudo aquilo que você aprendeu? Esquece. O jogo está mudando. CDBs, LCAs, LCIs não seguirão mais essa tabela de impostos.”

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Ela me olhou confusa. E com razão. Porque o que antes era um caminho claro, agora vira um emaranhado. Imagine dizer a uma adolescente — que finalmente entendeu o básico sobre renda fixa — que o “básico” já não serve mais. Que o que era isento pode deixar de ser. Que o que tinha lógica fiscal agora virou exceção. Que até os títulos mais seguros já não têm regras seguras.

Isso não é só frustrante. É desorientador.

No Brasil, são criadas em média 46 novas normas tributárias por dia útil. Desde a promulgação da Constituição de 1988, já foram editadas mais de 320 mil normas relacionadas a tributos, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Um verdadeiro tsunami regulatório que ninguém, nem mesmo os especialistas, consegue acompanhar por completo. Se até profissionais precisam de sistemas automatizados para não cair em infrações, o que sobra para o cidadão comum?

Na fábrica de tintas que dirigi como CEO, vivíamos reféns das mudanças no enquadramento fiscal de mercadorias. Uma pequena alteração na composição do produto ou na embalagem já podia implicar em mudanças no ICMS, IPI ou PIS/Cofins. Era um quebra-cabeça diário. A cada modificação, uma chance a mais de errar — e um custo alto, não só financeiro, mas também emocional e operacional.

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E o impacto disso não é apenas contábil — é psicológico.

Como manter estabilidade emocional em um ambiente em que tudo o que você aprendeu pode deixar de valer de um dia para o outro? Como se planejar, se a regra fiscal muda, a inflação corrói silenciosamente o poder de compra e os incentivos econômicos são trocados conforme a direção do vento?

Vivemos um paradoxo cruel: ao mesmo tempo em que o cidadão é responsabilizado por não saber lidar com dinheiro, o próprio sistema parece feito para confundir, não para educar. As regras não são claras, nem consistentes, nem acessíveis. E isso cobra um preço.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil lidera o ranking global de transtornos de ansiedade. Paralelamente, somos um dos países com menor letramento financeiro da OCDE e maior instabilidade tributária entre as grandes economias. Esses dados não estão soltos — eles se conectam e se retroalimentam.

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E, como se não bastasse, cerca de 60% dos estudantes brasileiros têm desempenho insuficiente em matemática, segundo a avaliação PISA, e 21% dos adultos são analfabetos funcionais. Ou seja: para milhões de brasileiros, entender o sistema tributário é como tentar montar um quebra-cabeça sem ter visto a imagem da caixa.

Não é difícil entender por que tanta gente desiste. Planejar, nesse contexto, vira um ato de coragem. Investir, um salto no escuro. Poupar, um privilégio restrito a quem consegue decifrar os códigos do labirinto fiscal.

Volto à imagem da minha jovem aluna. Ela representa uma geração inteira que poderia — e deveria — estar sendo formada com clareza, estabilidade e ferramentas de autonomia. E não com regras que se dissolvem enquanto ainda estão sendo aprendidas.

Como sociedade, precisamos decidir: queremos formar cidadãos que dominem sua vida financeira com segurança e consciência? Ou vamos continuar aceitando que só quem entende a burocracia tem o direito de prosperar?

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Educar é dar chão. Mas se o solo segue instável, não adianta cobrar equilíbrio.

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