Investimento com propósito

Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fernanda Camargo

Se mudarmos nossos hábitos podemos “adiar o fim do mundo”?

As ideias sobre biodiversidade, preservação das florestas e dos rios chegaram aos mercados. Se ignorarmos a agenda global do clima, podemos sofrer bloqueios

Aplicativo permite compensar a pegada de carbono das suas atividades diárias. (Foto: Envato Elements)
  • O consumidor tem cada vez mais acesso a informações sobre a pegada de carbono de cada produto e vai escolher produtos com a menor possível

No início deste ano, tive o privilégio de participar de uma conferência com o líder indígena, escritor, jornalista, professor e doutor pela Universidade de Juiz de Fora, Ailton Krenak.

Ailton nasceu na região do vale do rio Doce, um lugar cuja ecologia encontra-se profundamente afetada pela atividade de extração mineira.

Durante a conferência, alguém perguntou sobre o lixo. “O que é lixo?? Não existe lixo. Vocês falam sobre jogar o lixo lá fora. O que é lá fora?? Não existe lá fora. É tudo aqui dentro. Vocês estão jogando lixo na sua casa.” – respondeu Krenak. Esse olhar já nos faz refletir sobre nosso estilo de vida, nossas crenças e nossos valores.

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Nos anos 60 e 70 a configuração antropocêntrica da nossa pedagogia tornou natural a exploração ambiental. Criamos um abismo entre o homem e outros seres. A educação do século XX separou cultura e natureza. Krenak explica que quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista.

No seu livro “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, Krenak critica a ideia de humanidade homogênea na qual há muito tempo o consumo tomou o lugar daquilo que antes era cidadania. Segundo ele, transformamos as pessoas em consumidores e as crianças já nascem clientes.

Krenak diz que do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos.

Fala-se muito sobre o desafio de alimentar bilhões de pessoas na Terra. Segundo Krenak, este risco não existe. Ninguém vai morrer de fome. Nosso grande problema é que cultivamos em um lugar e transportamos tudo para outros lugares. No meio do caminho, o alimento estraga e perde-se muito nessa logística. Além disso, nosso padrão alimentar criou um mundo de obesos. Precisamos mudar essa lógica. Estamos abusando da capacidade do planeta.

Segundo Chico Mendes, seringueiro, ativista político e ambientalista, morto em 1988, a floresta era lugar de viver. A floresta é farmácia, é hospital, é supermercado. A floresta dispensa a intervenção. A floresta é rica. A biodiversidade é produção. Nós somos a biodiversidade.

Contei tudo isso para dizer que essa conversa não é só de um líder indígena. Essas ideias sobre biodiversidade, preservação das florestas, dos rios chegou aos mercados, economistas e empresários. Coincidentemente, ontem a UNEP (United Nations Environment Programme) lançou um relatório “Fazer as pazes com a Natureza: um plano científico para enfrentar as emergências do Clima, da biodiversidade e da poluição”. O relatório comunica como a mudança climática, a perda da biodiversidade e a poluição podem ser enfrentadas conjuntamente dentro da estrutura dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O relatório traz um diagnóstico das mudanças atuais e das projeções de alterações futuras no meio ambiente que foram induzidas pelo ser humano e identifica as mudanças necessárias para fechar as lacunas entre as ações atuais e aquelas necessárias para alcançar o desenvolvimento sustentável.

Também participei de uma conversa organizada pelo sociólogo e empreendedor Jose Cesar Martins com empresários, economistas, políticos, cientistas, jornalistas e outros- em que o tema era “A economia verde e o capital natural no Brasil”. Para começar, Beto Veríssimo, co-fundador do Imazon falou sobre os desafios para a preservação da Amazônia. Se por um lado, a Amazônia armazena carbono suficiente para fazer frente ao Acordo de Paris, por outro lado, 42% dos gases de efeitos estufa vem do desmatamento da Amazônia. Beto falou sobre o desafio de se construir uma agenda nacional.

Bernardo Strassburg, coordenador do Centro de Ciências da Conservação e Sustentabilidade do Rio (CSRio), diretor executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, professor do Depto de Geografia e Meio ambiente da PUC-Rio e coordenador do mestrado profissional em Ciência da Sustentabilidade, falou sobre os riscos e oportunidades da preservação da Amazônia.

Se ignorarmos a agenda global do clima, podemos sofrer bloqueios a produtos brasileiros e até ficar fora de acordos bilaterais e multilaterais. Segundo Bernardo, o consumidor tem cada vez mais acesso a informações sobre a pegada de carbono de cada produto e vai escolher produtos com a menor pegada possível.

O Brasil tem 1 hectare por habitante de terra arável – isso é quatro vezes a média mundial. Significa que é possível realizar uma expansão agrícola com desmatamento zero, apenas aumentando a produtividade que no Brasil ainda é uma das piores do mundo. Precisamos de um planejamento territorial sério.

No que tange a Conservação, Bernardo explica que através do mercado de carbono, o Brasil poderia ter acesso a US$10 bilhões por ano em incentivos internacionais. No que tange a Restauração a oportunidade é maior ainda. Segundo estudo publicado por 27 pesquisadores sob a liderança de Bernardo na revista Nature, o Brasil tem o maior número de áreas prioritárias para a restauração. A restauração de biomas como a Mata Atlântica e Cerrado correspondem a 1/3 da solução da crise climática global.

Segundo Fernando Gabeira, o Brasil nunca teve tantas possibilidades como agora. É a primeira vez que estamos vendo bancos, fundos de pensão e empresas falando da economia verde. Ficou claro que a economia verde é fonte de riqueza. No livro Paraiso Restaurável de Jorge Caldeira, Julia Sekula e Luana Shabib eles comentam que hoje existem US$280 bilhões de verbas disponíveis para o sequestro de carbono, três vezes mais que as exportações do setor agrícola brasileiro. Gabeira explica que biodiversidade somada a conhecimento tem um valor extraordinário. Seria uma pena jogar fora todo esse valor por falta de compreensão e ignorância.

Por último, Andre Lara Resende falou sobre a Teoria Econômica e explicou que esta jamais levou em consideração questões ambientais. Ressaltou que é preciso mudar a percepção do que é valor e o que é riqueza. Sobre a Teoria do Valor Andre explicou que no início valor vinha da produção agrícola. Com a exploração dos metais preciosos vieram os mercantilistas, e com a Revolução Industrial valor passou a ser tudo aquilo que a indústria cria.

No final do século XIX e início do século XX, surgiu o conceito de utilidade marginal que domina o entendimento econômico até hoje. No século XX criou-se o conceito de PIB (produto interno bruto) no qual tem valor aquilo que tem demanda. Preço passa a ser medida de valor. No entanto, o PIB é incapaz de incorporar questões negativas. O desmatamento da Amazônia não entra no PIB. Todo o arcabouço foi construído para maximizar lucro sem olhar para a pegada negativa. Emitir carbono deveria custar caro. Andre explica que é preciso repensar a mentalidade, a concepção da teoria econômica corresponde a uma realidade física imutável, porém a realidade social muda.

Finalmente o mercado está acordando. Segundo a Sitawi, as emissões de títulos verdes ou sustentáveis no Brasil atingiram US$5,3 bilhões em 2020. Só em janeiro deste ano foram emitidos US$ 3,5 bilhões. No mundo, emissões de títulos sustentáveis devem chegar a US$650 bilhões segundo previsões da Moodys. Segundo relatório da Global Sustainable Investment Alliance, o mercado de investimentos sustentáveis em 2019 representava US$40 trilhões e o mercado de investimento de impacto socioambiental US$715 bilhões. Acredita-se que em 2020, investimentos sustentáveis tenham atingido US$45 trilhões.

Do ponto de vista de alocação de portfolio, devemos levar essa mudança de mentalidade em consideração. Por um lado, algumas empresas que não fizerem a lição de casa ou não se adaptarem a esse novo mundo deixarão de existir ou perderão muito valor. Por outro lado, novas empresas e oportunidades, estão surgindo: empresas de reciclagem, infraestrutura verde, energia renovável, bioeconomia, agritech, mercado de carbono, educação, saúde online, inclusão financeira, entre outras.

De acordo não só com Ailton Krenak mas inúmeros economistas e cientistas precisamos mudar nossos hábitos, nossa maneira de consumir e de investir – quem sabe assim possamos evitar o “fim do mundo”.