- Períodos de crise são tão frequentes que a maioria já se acostumou a não pensar no longo prazo. E porque o faríamos, se até o passado é incerto por aqui?
- A salvação da pátria viria com o tripé macroeconômico, que instituiu a política monetária como protagonista
Desde o fatídico grito do Ipiranga, o Brasil se autoproclamou independente, pelo menos no que tange à sua soberania nacional. No campo econômico, no entanto, a história nos prova o contrário. Períodos de crise são tão frequentes que a maioria já se acostumou a não pensar no longo prazo. E porque o faríamos, se até o passado é incerto por aqui?
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A verdade é que a cada década nos tornamos reféns de armadilhas que criamos para nós mesmos. Dos fantasmas mais recentes, os mais doloridos são sem dúvida os problemas com a dívida externa nos anos 1980, conhecida como a década perdida; a hiperinflação, estagnação do PIB (fenômeno batizado de estagflação) e o confisco da poupança nos anos 1990. Sem contar a crise cambial do início dos anos 2000, quando abandonamos o regime de bandas cambiais para o flutuante.
A salvação da pátria viria com o tripé macroeconômico, que instituiu a política monetária como protagonista. Por muito tempo convivemos com a cultura rentista, de juros altíssimos para controle da inflação. Do outro lado, a política fiscal cada vez mais austera buscou controlar os gastos desenfreados da máquina pública.
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A crise de 2008, no entanto, mudou essa dinâmica. Enquanto o quantitative easing (QE) despejou mais de US$ 2 trilhões no sistema financeiro americano, a política fiscal se tornava extremamente expansionista, com diversos incentivos na redução de impostos e programas sociais. Desde então os economistas do mainstream profetizam a criação de uma bolha inflacionária, agravada pelo alto endividamento medido pela dívida pública em relação ao PIB (hoje de 100% nos EUA).
Alguns investidores conhecidos, como Ray Dalio, já chamam atenção para o excesso de liquidez no mundo há algum tempo e são categóricos em afirmar que o mercado americano está próximo de uma bolha. Aqui no país, uma das vozes mais importantes entre os gestores, Luis Stuhlberger, pensa diferente. Para ele, o Brasil não está próximo de uma bolha, simplesmente porque o movimento que estamos vendo é produto de um novo patamar de taxa de juros. Mesmo que a Selic volte a subir, Stuhlberger acredita que não veremos dois dígitos tão cedo e esse crescimento do número de investidores seguirá crescendo.
Como boa admiradora da escola austríaca que sou, acredito que toda essa liquidez cobrará o seu preço, alguém vai pagar a conta e será salgada. Estamos caminhando para uma bolha, sem dúvidas, o problema é tentar adivinhar quando ela estourará. Fato é, para variar, não há consenso entre os especialistas (coloque 3 economistas em uma sala e teremos 4 opiniões diferentes).
Questionar as nossas ‘certezas’ e buscar conhecimento fora da zona de conforto faz parte do processo. E justamente por não estar totalmente convencida das minhas convicções, busquei por vozes que destoassem da minha.
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Bom, o fantasma que tem aterrorizado o mercado brasileiro desta vez tem justamente relação com o tema que estamos tratando: o tão falado rompimento do teto de gastos. Será que não podemos aprender nada com a política fiscal expansionista da última década? Afinal, falamos de uma possível bolha há quase 10 anos…
É com esta simples pergunta que André Lara Resende tem desafiado a ideologia tradicional. E ele não está sozinho, outros economistas renomados e antes defensores da contenção dos investimentos públicos, como Bernanke e Summers têm se rendido aos diversos sinais de que uma economia fiscal expansionista pode não ser tão maléfica assim. Prova disto são os pacotes de estímulos contra a
pandemia nos EUA, que já equivalem a cerca de 25% do PIB ou mais de US$ 5 trilhões em um ano.
A tese defendida por Resende é simples: “enquanto houver capacidade ociosa e desemprego, o investimento público não concorrerá com o investimento privado. A política monetária é incapaz de estimular a economia quando a taxa de juros já está muito baixa. A insistência numa política monetária expansionista, perto do limite inferior dos juros, corre risco de provocar um excesso de euforia nos mercados financeiros, sem qualquer efeito sobre a demanda agregada e o nível de atividade”.
Em outras palavras, que a responsabilidade fiscal seja instrumento para refinar a qualidade e a eficiência dos gastos públicos. A independência e não a morte do Estado. Não à toa, a aposta (exagerada na minha opinião) do Banco Central em taxas de juros extremamente baixas dependia do sucesso das importantes reformas que tínhamos em andamento, como a administrativa e a tributária.
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Até o momento apenas flertamos com o fiscalismo, a única iniciativa para aliviar a recessão e a crise humanitária da pandemia que tivemos por aqui se deu através do auxílio emergencial, fundamental para que atravessássemos a turbulência. O mercado acionário reagiu, mas a euforia é apenas verdadeira no mundo financeiro, não há aderência com os investimentos reais.
Então, chegamos à conclusão, será que realmente estamos caminhando para uma bolha? A resposta é: acredito que sim. Mas mais importante e menos obvio será determinarmos em que velocidade. Particularmente acredito que a solução não está no mandato atual, tudo dependerá da escolha que fizermos em 2022…
Se não optarmos por um caminho que inclua propostas de políticas públicas sérias que garantam uma recuperação econômica sustentada, nossos problemas nos alcançarão mais rápido do que estamos imaginando.