Tudo sobre Renda Fixa

Marilia Fontes é sócia-fundadora da Nord Research e possui 12 anos de experiência de mercado financeiro. Trabalhou como gestora de renda fixa e câmbio em gestoras como Itaú, Mauá e Kondor, em fundos de até R$ 2 bilhões, com operações nacionais e internacionais. Na Empiricus, ela foi a analista fundadora e responsável pelos relatórios: Tesouro Empiricus e Empiricus Renda Fixa. Marilia é mestre em Economia pelo Insper e autora do livro “Renda Fixa NÃO é fixa!”
Twitter: @mariliadf2

Escreve na terceira sexta-feira de cada mês

Marilia Fontes

O que é dominância fiscal e o que ela tem a ver com os seus investimentos

Juros em alta com inflação em alta representam um perigo para a sua renda fixa

Máscara sobre notas de real (Foto: Evanto Elements)
  • Entender o que é a dominância fiscal e se o Brasil está ou não nela pode livrar você de um dos maiores motivos de prejuízos relevantes em renda fixa
  • Em 2013, os títulos IPCA+ longos perderam 44% do seu valor. Quem precisou vender estes títulos acabou perdendo quase metade do seu patrimônio, por conta do aumento das taxas

Você já deve ter ouvido falar do termo “dominância fiscal” e se perguntou o que poderia ser isso? Será que tem a ver com política? Será que é de comer?

Dominância fiscal é um tema extremamente importante e tem o poder de impactar brutalmente os seus investimentos de renda fixa. Entender o que é a dominância fiscal e se o Brasil está ou não nela pode livrar você de um dos maiores motivos de prejuízos relevantes em renda fixa. Não por outro motivo, é dos temas mais comentados ultimamente.

Então vamos lá: o que é dominância fiscal?

Preencha os campos abaixo para que um especialista da Ágora entre em contato com você e conheça mais de 800 opções de produtos disponíveis.

Ao fornecer meu dados, declaro estar de acordo com a Política de Privacidade do Estadão , com a Política de Privacidade da Ágora e com os Termos de Uso

Obrigado por se cadastrar! Você receberá um contato!

Na teoria econômica, dizemos que um aumento do juro real reduz a inflação. O juro real é a taxa de juro nominal subtraída da inflação. Ou seja, se o Banco Central subir a Selic apenas no mesmo montante que a inflação subiu, a alta não terá impacto no controle da inflação, pois o juro real seguirá o mesmo.

Mas, aumentando o juro real, você tem diversos mecanismos de transmissão da política monetária que fazem com que esse aumento resulte em uma inflação mais baixa.

Um dos mecanismos é a queda no consumo e o aumento da poupança. Quanto maior é o juro que você recebe em seus investimentos, maior é a sua vontade de poupar. Poupando, você consome menos, e a demanda se retrai, pressionando os preços para baixo.

Outro mecanismo é o câmbio. Quando você sobe os juros de um país, os investimentos naquele país ficam mais atrativos quando comparados aos outros países, atraindo mais fluxo externo. Esse fluxo que entra provoca valorização da nossa moeda. A valorização da moeda nos torna mais “ricos” em dólar, e estimula o aumento do consumo de produtos estrangeiros. Por exemplo, com câmbio valorizado você leva as crianças para a Disney nas férias e consome seu dinheiro lá. Com o câmbio desvalorizado, como o atual, você acaba levando as crianças no Beto Carreiro e consome seu dinheiro aqui. O maior consumo lá fora também reduz a demanda interna, pressionando os preços internos para baixo.

Essa reação da política monetária contracionista, aumentando a taxa de juros real, funciona em tempos normais e é o grande arcabouço utilizado pelos bancos centrais do mundo todo para controlar a inflação.

Porém, há uma situação específica que a política monetária contracionista não funciona, e a alta dos juros reais acaba aumentando a inflação, ao invés de reduzir.

A essa situação dá-se o nome de dominância Fiscal.

Ela se dá em países que possuem uma dívida alta e altamente custosa. A alta da taxa de juros aumenta a percepção de risco dos investidores quanto a real capacidade do governo em honrar essa dívida.

Durante um processo de dominância fiscal, quando o BC sobe os juros para combater a inflação, o mercado reage desvalorizando a moeda e aumentando os prêmios de risco, ao invés do contrário.

A desvalorização da moeda ocorre por saída de fluxo dos investidores, que passam a buscar segurança em investimentos de outros países, e essa desvalorização cambial acaba gerando uma pressão inflacionária ainda maior. Da mesma forma que o câmbio valorizado aumenta seu consumo externo, o câmbio desvalorizado aumenta seu consumo interno. Com o real a 6 unidades por dólar, você gasta todo seu dinheiro aqui no país. Isso aumenta a demanda interna, e pressiona os preços para cima.

O aumento dos prêmios de risco pode ser percebido nos chamados Credit Default Swaps (CDS) que é o preço do seguro contra calote dos governos. Esse seguro é cobrado em forma de taxa, em pontos base. Ou seja, se um CDS de 10 anos do Brasil está precificado a 200, significa que custa 2% para se proteger contra o calote dos títulos brasileiros. Então, se um título de dívida brasileira de 10 anos te paga 7%, você poderia pagar 2% de seguro, rendendo apenas 5% no total, mas tendo a segurança que não irá sofrer nenhum calote.

Em uma situação de dominância fiscal essa cotação do CDS sobe muito de preço, e passa a custar muito caro se proteger contra o calote do respectivo país. Como o país é percebido como mais arriscado, os juros longos cobrados para financiar sua dívida também sobem muito, com os investidores cobrando mais prêmio.

Ou seja, a alta do juro real desvaloriza a moeda e aumenta os prêmios de risco. A desvalorização da moeda piora a inflação, e o aumento dos prêmios de risco sobem ainda mais a taxa de juro exigida pelo mercado. Tudo isso retroalimenta a situação inicial de inflação crescente, que necessita de aumento de juro real para reduzir demanda. E o aumento dos juros e dos prêmios retroalimentam a visão cada vez maior que a dívida se tornará impagável, virando tudo uma grande bola de neve.

Dada essa explicação, sobram ainda 2 perguntas:

  • (1) O que o Banco Central pode fazer para controlar a inflação em casos como esse?
  • (2) Estamos em dominância fiscal?

Em casos como esse a política monetária perde toda a sua efetividade, e a única forma de reduzir a demanda agregada passa a ser uma política fiscal contracionista. Ou seja, o governo precisa gastar menos, reduzindo a pressão sobre os preços.

Como vocês devem imaginar, essa é a forma mais difícil de se controlar inflação, afinal, redução de gastos do governo exigem reformas estruturais, que precisam ser aprovadas no Congresso além de serem extremamente impopulares.

Por outro lado, é a forma mais eficiente e douradora. Não por outro motivo, após o Impeachment de Dilma Rousseff por conta das pedaladas fiscais e os crescentes déficits do governo, o caminho que o país traçou até agora foi o de reformas estruturais, com o Teto de Gastos, Reforma Trabalhista, Reforma da Previdência, redução do tamanho do BNDES, entre outras. Tudo isso permitiu que saímos de taxas de juros de longo prazo de 16%, para os atuais 7%, e inflação de 10,67% para a atual de 3,4%.

Sobre estarmos ou não em dominância fiscal, que é o tema do momento nas rodinhas de economistas da Faria Lima, segue o que eu penso:

Estamos hoje com Selic a 2% e, se estivéssemos em dominância fiscal, a alta da Selic deveria causar alta da inflação e dos prêmios de risco. Claro que essa alta não seria linear, e nem aconteceria apenas quando o BC subisse os juros, afinal, o mercado trabalha com expectativas racionais, e automaticamente já iria aumentando os prêmios de forma progressiva.

A curva de juros futuros já precifica uma Selic crescente ao longo do ano que vem. Ou seja, já é esperado que essa taxa de juros vá subir. E se estivéssemos em um cenário de dominância fiscal, essa alta da expectativa da Selic deveria ser acompanhada de desvalorização cambial e alta dos prêmios de risco.

Mas, quando olhamos para um gráfico recente de câmbio, vemos um real estável nos mesmos patamares de março desse ano. Quando olhamos para os fluxos de portfólio não vemos saídas importantes de recursos (recentemente vemos inclusive entradas de gringos). E quando olhamos para o CDS, vemos os prêmios bem abaixo da média histórica. A própria taxa de juro longa (1800 dias), está no menor patamar já visto na história do nosso país.

Ou seja, não encontro nenhum indício de dominância fiscal nos preços atuais de mercado.

Isso significa que não há risco?

Não! Tivemos um gasto brutal durante a pandemia, nunca antes visto, que piorou significativamente a nossa dívida sobre PIB. Temos histórico recente de dominância fiscal, e olhar de desconfiança do mercado internacional. Flertamos com políticas populistas a todo momento.

Os gastos foram necessários, mas devemos voltar o quanto antes para a nossa trajetória de reformas estruturais e redução dos gastos do governo. Não podemos dar chance para novos motivos de desconfiança. A linha é tênue, e o preço a se pagar por entrar em dominância fiscal, como tentei explicar por aqui, é altíssimo.

Não se esqueça, como mencionei em colunas anteriores, que a alta das taxas de juros de mercado gera marcação a mercado negativa em títulos prefixados e indexados a inflação, podendo resultar em prejuízos enormes para o investidor de renda fixa.

Em 2013, os títulos IPCA+ longos perderam 44% do seu valor. Quem precisou vender estes títulos acabou perdendo quase metade do seu patrimônio, por conta do aumento das taxas.

Parece prejuízo de bolsa, não é mesmo? Mas é renda fixa!

Como já mencionei no título do meu livro “Renda Fixa NÃO é fixa!”.