Sinto ser o portador das más notícias, mas é preciso jogar um balde de água fria: isso não foi generosidade — foi pânico.
O que assistimos em 2025 foi uma verdadeira “queima de estoque” fiscal. Com a nova lei (nº 15.270), que passa a tributar dividendos em 10% a partir de 1º de janeiro de 2026, as empresas rasparam o tacho, esvaziaram reservas de lucro e anteciparam tudo o que podiam para entregar o dinheiro ao acionista antes que o “sócio oculto” — o governo — mordesse sua fatia.
Foi uma festa de despedida.
No Instagram é direto: “Vitor, e agora? A fonte secou?”
A resposta é não. O dinheiro continua lá. O que muda — drasticamente — é a forma como ele vai chegar ao seu bolso. Estamos prestes a viver uma americanização forçada do mercado de capitais brasileiro. O investidor viciado no barulhinho da notificação de provento caindo na conta vai sofrer. Já o investidor que entende geração de valor e eficiência tributária pode ganhar ainda mais.
O “cardápio da despedida”: engenharia financeira ou vale-tudo fiscal?
Não se engane achando que tudo o que caiu na conta foi lucro líquido tradicional gerado no trimestre. Ao analisar os dados levantados pelo Valor Econômico sobre as operações anunciadas, fica claro que departamentos jurídicos e contábeis trabalharam dobrado para montar o que chamo de “cardápio da despedida”.
A pressa foi tamanha que nem o ano precisou acabar.
Houve de tudo para escapar da mordida de 10% do leão a partir de 2026, mas principalmente uma distribuição fora do comum de dividendos ainda no ano de 2025 – até de lucros ainda não realizados.
Empresas como a Rede D’Or (RDOR3) recorreram a dividendos intercalares (com base no lucro do exercício em curso) e intermediários (trimestres já encerrados) para antecipar bilhões. Somadas as duas modalidades, quase R$ 8 bilhões foram colocados à mesa.
O recado foi claro: em 2025, o foco foi limpar o balanço e entregar caixa — muitas vezes à custa da liquidez futura.
2026: a morte do “yield” e o nascimento do buyback
Passada a euforia, entramos na nova realidade. Nos Estados Unidos, pagar dividendos elevados em dinheiro é frequentemente visto como ineficiência tributária. A lógica é simples: por que pagar imposto se existe uma forma mais inteligente de gerar valor?
Lá fora, gigantes como Apple e Berkshire Hathaway remuneram seus acionistas via recompra de ações (buyback). No Brasil, ignoramos esse mecanismo por anos porque a isenção dos dividendos nos deixou mal acostumados. Com a taxação batendo à porta, a matemática mudou.
Pense no seguinte: se uma empresa paga R$ 100 em dividendos em 2026, o governo leva R$ 10. Você recebe R$ 90. O dinheiro saiu do caixa da companhia e encolheu no caminho até o seu bolso.
Agora, imagine o buyback. A empresa usa esses mesmos R$ 100 para recomprar suas próprias ações no mercado e, depois, cancela esses papéis.
Se havia 1.000 ações em circulação e o lucro era de R$ 1.000, o lucro por ação era R$ 1,00. Após a recompra e o cancelamento de 100 ações, restam 900. O lucro total é o mesmo, mas o lucro por ação sobe automaticamente para R$ 1,11.
Sua participação na empresa aumentou sem você tirar um centavo do bolso — e, o mais importante, sem pagar imposto. Em 2026, esqueça o dividend yield isolado. O indicador que realmente importa será o shareholder yield (dividendos + recompras).
O pulo do gato fiscal: a bonificação em ações
Aqui entra a segunda ferramenta que já começou a ser usada por Itaúsa – ITSA4 (R$ 2,5 bilhões) e Metalúrgica Gerdau – GOAU4 (R$ 2,74 bilhões) — e que tende a se popularizar.
Em vez de distribuir dinheiro, muitas empresas vão incorporar reservas de lucro ao capital social, emitindo novas ações e distribuindo gratuitamente aos acionistas.
“Mas isso não é trocar seis por meia dúzia? A cotação não cai na mesma proporção?”
Calma. O ganho aqui não está no preço de tela imediato, mas na eficiência fiscal.
Na bonificação, a empresa atribui um custo às novas ações — normalmente baseado no valor patrimonial ou de mercado, geralmente acima do preço médio histórico da carteira. Ao incorporar esses papéis com um valor atribuído mais alto, o seu preço médio de aquisição sobe.
Se o preço médio sobe, o lucro contábil na venda futura diminui. Se o lucro diminui, o imposto sobre ganho de capital também cai.
A empresa não te deu dinheiro — que seria tributado em 10%. Ela te deu um ativo que reduz seu imposto no futuro. É elisão fiscal lícita, simples e eficiente.
(No meu Instagram, fiz uma simulação completa em planilha mostrando como a bonificação preserva a rentabilidade real de uma carteira de longo prazo.)
Conclusão: mude — ou perca dinheiro
O ano de 2025 foi o grande final da era da isenção. Foi bonito, encheu o bolso, mas acabou.
Em 2026, o jogo muda. Quem continuar montando carteira olhando apenas para o dividend yield dos últimos 12 meses cairá em armadilhas. Vai comprar empresas que se descapitalizaram em 2025 e que agora enfrentarão tributação.
O novo jogo se chama eficiência de capital. Busque empresas que:
- mantenham programas de recompra ativos e comprem ações baratas;
- usem bonificações para reduzir o imposto do acionista no longo prazo;
- tenham projetos com retorno sobre capital (ROIC) acima do custo da dívida, justificando a retenção de lucros.
O governo mudou a regra? Ótimo. A estratégia se ajusta. O mercado financeiro é darwinista: não sobrevive o mais forte, nem o que torce mais — mas o que se adapta mais rápido.
Não espere o dividendo cair para descobrir que o leão comeu 10%. Antecipe-se.
Um abraço.